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Artigos-->O GAGAKU E A MÚSICA CONTEMPORÃNEA -- 11/07/2023 - 16:11 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 

 

O GAGAKU E A MÚSICA CONTEMPORÂNEA

                                                                                                                                                                                                                                                           L. C. Vinholes

Nota: Na leitura deste texto em português, tirado da minuta do artigo em japonês publicado, na primavera de 1958, na Revista Geiditsu Shincho[i], de Tokyo, deve ser levado em consideração o desejo do autor de apresentar e justificar para um público novo, os conceitos e princípios que, no início da sua carreira de compositor, guiavam o seu ato de compor. Em setembro de 1956, em três palestras realizadas na Escola Livre de Música da Pró Arte, em São Paulo, o autor apresentou sua Técnica de Composição Tempo-Espaço exemplificando com as peças para violino, viola e violoncelo, intituladas Tempo-Espaço I e Tempo-Espaço II, construídas em maio de 1956 e publicadas em Tokyo pela Coleção Shin-Nippaku[ii] (1960) e em São Paulo pela Editora Novas Metas (1980).

 

              O assunto tratado aqui, O Gagaku[iii] e a Música Contemporânea, foi objeto de estudo durante muitos anos e os apontamentos que havia feito e seriam publicados em português, como brochura, se tivesse permanecido mais algum tempo no Brasil[iv]. Entretanto, o desejo de ampliar meus conhecimentos neste campo, me fizeram aceitar o convite do Ministério da Educação do Japão e, sem mais tardar, para aqui dirigi-me.

Ao lado da composição e da regência coral e nos intervalos do trabalho no magistério, sempre me dediquei à musicologia e à estética com especial atenção, razão pela qual muito li e estudei sobre a música tradicional dos países asiáticos. Durante estes estudos, que se estenderam por seis anos, muitos valores desta música foram sendo por mim descobertos e aproveitados como argumento em relação às questões da música contemporânea de vanguarda.

 

Sem levar em conta os inúmeros artigos que publiquei no Diário de São Paulo, durante o tempo em que dele fui crítico musical[v], posso dizer que a primeira vez que tratei desse assunto, publicamente, foi em 1956 quando apresentei, em São Paulo, meus princípios técnicos para composição musical intitulados “Uma nova tentativa de estruturação musical e sua base estético-filosófica”.

Não será estranho para muitos o objeto de meu estudo, uma vez que não só a música, mas as artes em geral e até a filosofia dos últimos tempos têm encontrado irrefutável analogia – não desejo que se confunda analogia com igualdade ou semelhança – com as artes e filosofias dos primeiros séculos da nossa era. Até os movimentos políticos e sociais, associativos, deixam transparecer as mesmas analogias.

Ao encontro dessas analogias e sempre buscando aproveitar o que do seu estudo me fosse dado conhecer, é que devia seguir.

Quando nas últimas décadas do século passado surgiram as figuras de Claude Debussy (1862-1918) e Arnold Schoenberg (18974-1951), os princípios fundamentais da arte musical dos séculos XVIII e XIX, já bastante desfigurados e modificados pela corrente romântica, receberam um golpe final, definitivo. É que, tanto Debussy, figura central no movimento impressionista francês, quanto Schoenberg, o iniciador do expressionismo vienense, não pouparam esforços no sentido de superar tudo aquilo que pode ser definido como pertencendo ao mundo do dualismo da arte clássica.

O dualismo foi a característica fundamental dos dois séculos passados.

Na música também o procurar o equilíbrio dos valores opostos, que se contradiziam, duais, foi a preocupação subconsciente – talvez até mesmo consciente -, dos artistas criadores.

Tempo forte e tempo fraco, compasso binário e compasso ternário, consonância e dissonância, harmonia e contraponto, tônica e dominante, p e f (piano e forte), crescendo e decrescendo, legato e staccato, escala e modo, tempo forte e tempo fraco, são alguns dos muitos dualismos musicais que podemos citar como exemplo.

Debussy com seus acordes de quintas e oitavas, com suas harmonias superpostas, com suas “cores musicais” e Schoenberg com sua técnica originada na formação sistemática da escala cromática de doze sons, não fizeram outra cousa senão, como já disse antes, superar os princípios que regiam a composição musical, dando novas diretrizes, todas tendo como denominador comum o desejo de fazer com que os valores  duais coexistissem na estrutura da obra musical como valores polares ou melhor ainda, como valores não duais. O não dual de nenhuma maneira quer dizer ou significar negação, mas sim e exclusivamente superação.

É claro que não podemos esquecer neste estudo a inestimável cooperação dada por outros compositores, tais como Igor Stravinsky (1882-1971), Béla Bartók (1881-1945), Ernst Krenek (1900-1991), Paul Hindemith (19951963) e Anton Webern (1883-1945).

Inúmeras vezes tenho encontrado referências à música de Debussy como sendo portadora de características que se aproximam a do Gagaku. Sem dúvida estas características existem. Entretanto, até hoje, não encontrei uma só vez que seja, uma referência feita à obra de Schoenberg e Webern – o primeiro como teórico e o segundo como realizador prático –, e à música da Corte do Japão. As analogias entre as obras destes dois compositores e o Gagaku me parecem muito mais decisivas e importantes para o estudo estético e musicológico. Em Debussy encontramos, a meu ver, as analogias de aparência, acidentais, e em Schoenberg e Weber as analogias reais, essenciais.

Exemplifiquemos.

Escutando, por exemplo, o prelúdio para piano Cathédrale Engloutie (1910), do mestre francês, fala-se da semelhança de seus acordes com aqueles do Gagaku. É verdade que esta semelhança existe. Mas a intensão de quem organizou as estruturas sonoras de uma peça do Gagaku e as intensões de Debussy, existe uma diferença fundamental. Debussy procurava superar, liquidar com a tonalidade harmônica (Tônica e Dominante), usando para isso processos vários, ao passo que na época em que se criou a música do Gagaku ainda nem existia a ideia da harmonia característica da música europeia. A harmonia do Gagaku, ou melhor, os seus acordes, são como que blocos sonoros, unidades sonoras e não sons independentes sobrepostos como na harmonia de Debussy.

Escutando a Sinfonia op. 21 (1925)[vi], de Anton Weber, uma das obras mestras da escola dodecafônica vienense, muitos ouvintes constatam uma certa monotonia e igualdade em tudo. Está monotonia e igualdade, esta calma, é um dos característicos apontados também no Gagaku. Esta monotonia, calma e igualdade existem de fato e a razão de sua existência é a mesma tanto nos sons do Gagaku quanto nos sons escolhidos por Weber. O que estas obras têm em comum, de essencial e não de aparente e acidental, é a valorização absoluta dos elementos que surgem na sua estrutura e ausência absoluta dos elementos supérfluos, acessórios, divergentes, dissonantes.

Toda a ornamentação que é acessória, em princípio, está ausente, não se encontra tanto no Gagaku como na música verdadeiramente contemporânea de vanguarda. Quando como se ornamentação existir ela não é acessória, ornamental, mas faz parte integrante da obra, como valor imprescindível.

Tanto no Gagaku como em todas as teorias que tiveram origem na técnica dodecafônica ou que se fundamentam em princípios de estruturação, não se fala em dissonância, pois na verdade ela não existe. Dentro dessas obras, todos os sons, indistintamente, surgem formando uma só unidade, um todo uniforme, que não se divide, cujos elementos não se contrabalançam, nem se contrapõe, mas sim se completam e se polarizam. É o que se encontra em Debussy. A execução dos Netori[vii], por exemplo, está inteiramente fundamentada nesse princípio e sua realização depende da maneira do músico executante sentir e interpretar estas tensões e estes afrouxamentos. O mesmo princípio vamos encontrar na obra de Kalhein Stockhausen – um dos mais jovens e mais interessantes compositores do nosso tempo –, que escreveu suas Klavierstücke, peças para teclado e não apenas para piano, como muitas vezes é traduzido. Nessa mesma obra não encontramos nenhuma indicação de intensidade, o que também acontece com o Gagaku e que é perfeitamente dispensável quando a criação e execução da obra se fundamentarem no princípio que acima nos referimos: o da tensão e afrouxamento. Na música ocidental, aliás, as indicações de intensidade só iniciaram quando o compositor renascentista veneziano Giovanni Gabrieli (1954/7-1612) escreveu sua Sonata piano e forte.

Não é por acaso que o prefixo “mono” da palavra monotonia tantas vezes é usada para qualificar ou o Gagaku ou a música moderna. Em grego mono significa “só”, “unidade”, “princípio indivisível”.

Muitas vezes, até mesmo pessoas que se ocupam com a música, perguntam-me se depois de estudar o Gagaku, vou aproveitar nas minhas composições as melodias e os acordes que surgem, por exemplo, nos Netori, no Etenraku[viii] e em outras peças clássicas do Gagaku. É mais do que garantido de que isto nunca será objeto de minha preocupação, pois usando melodias e acordes que caracterizam outras obras, não estaria fazendo nada mais do que simples adaptação de valores exteriores e nunca conseguiria criar novos valores. Aliás, nessa falta, ou mais complacentemente analisando, nessa ilusão, estão se deixando embalar muitos compositores dos últimos anos, pois satisfazem-se em adaptar melodias do repertório tradicional ou folclórico, muitas vezes nem mesmo percebendo que o tratamento dado às mesmas, tratamento de caráter harmônico, dual, está em completo desacordo com seu espirito que é puramente modal, polar.

Há casos excepcionais em que os compositores tratando o material tradicional ou folclórico de regiões ou povos, não fazem simples adaptações, mas criam princípios novos, novas formas de expressão. Tais compositores podemos considerá-los realmente compositores e um dos exemplos mais significativos é Béla Bartók que foi buscar no folclore não o exótico, o particular, mas o essencial e fundamental.

O que pretendo com o estudo do Gagaku é o que desde que cheguei aqui estou procurando fazer, é me deixar penetrar pelo espírito dessa música, escutando-a, sentindo e procurando viver o mundo que ela deixa transparecer e assim, imbuído deste espírito e de posse, por vivência, dos valores que este mundo possa facultar, enriquecer as possibilidades de meu pensamento no ato da composição de minhas obras.

Não é por acaso, mas sim por autêntica necessidade, que a maioria dos artistas ocidentais e os filósofos, atletas e sociólogos, tanto tem se interessado, nos últimos tempos pelo pensamento e pelas artes do Oriente. Todos andam em busca destes valores que embora manifestando-se de maneira distinta em cada forma do pensamento é comum a todas elas e constitui seu segredo de unidade.

A importância da música oriental não está encerrada somente no Gagaku da Corte do Japão, mas em muitas outras manifestações musicais de outros povos do continente asiático. Referi-me aqui exclusivamente ao Gagaku por ser ele o objeto de meu estudo no presente momento e talvez o elemento de maior interesse para os estudantes e profissionais de música do Japão. Ainda de comum entre o Gagaku e a música contemporânea de vanguarda, posso citar o princípio da simplicidade, da economia, a ausência dos arabescos, ornamentos.

Admitindo sempre os prós e contras que poderão se basear ou na história ou na estética ou ainda na filosofia aplicada à arte, espero que minhas ideias tenham sido entendidas por todos aqueles que tenham lido estas linhas. De todos espero a compreensão, pois é só assim que posso chegar a uma conclusão definitiva e aceitável no meu trabalho. Não podemos esquecer que o mundo de hoje não é o mundo do indivíduo, mas sim o mundo do coletivo, do social, do grupo, da sociedade, dos parlamentos, dos sindicatos.

O espaço e o tempo, a arte e a ciência, o compositor e o intérprete, o artista e o público, também, devem formar uma unidade, um mundo polar.

[i] Revista 芸術新潮 = Gueijutsu Shincho = Novos Cadernos de Arte.

[ii] Série de publicações da editora 新日伯 Shin Nippaku = Nova Brasil-Japão, criada em Tokyo em 1960 e financiada por L. C. Vinholes.

[iii] 雅楽 = Gagaku = música antiga/elegante da Corte do Japão.

[iv] O autor, como bolsista do Ministério da Educação do Japão, embarcou para Tokyo no navio Burasiru Marú que zarpou de Santos para Yokohama em 7 de julho de 1957.

[v] Da coluna Música, substituindo a H. J. Koellreutter de 26 de setembro de 1956 a 4 de julho de 1957.

[vi] Pequena sinfonia para orquestra de câmara: clarinete, clarinete baixo, duas trompas, harpa e quarteto de cordas.

[vii] Netori = éŸ³å– = tirar/dar o som, afinar (instrumento. Uma das cinco peças curtas do repertório da música da Corte do Japão que serve para criar o clima modal da peça que, em seguida, será executada.

[viii] 越天楽 = Etenraku = Música do Além/Paraiso.

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