Eu não quero aborrecer
O meu amigo escrevente:
Só cumpro com meu dever
De torná-lo eficiente.
Sinto muito, caro irmão,
Se nos versos sou um fraco:
Entrego meu coração
Deste modo bem pacato.
Riscarei do nosso mapa
A cidade de Amargor.
Vestiremos nós a capa
Tecida de grande amor.
Vamos assim bem aos poucos
Começando nossos versos:
De poetas e de loucos,
Não somos os mais perversos.
Já fizemos continência
Às rimas mais costumeiras:
É só questão de obediência,
Nestas estrofes primeiras.
Terminado o artifício
P ra eliminar as pressões,
Vai começar o bulício
Destas nossas eleições.
Se tivermos boa sorte
Em acertar com o norte
Desta versificação,
Iremos dar um recado
Que não vai pô-lo de lado
Na mais grandiosa emoção.
Temos tido muita sorte,
Ao liberarmos da morte
Vários companheiros nossos:
Exercemos o ofício
De sufocar todo vício,
Ao assinar os endossos.
Mas se tivermos a sina
De acompanhar quem se inclina
Por males não endossáveis,
Vamos sofrer o desgosto
De contemplar, deste posto,
Os gozos mais miseráveis.
São feros os inimigos
Que retiram dos abrigos
Quem se deixou dominar.
Nossa ação é quase nula
Junto ao coitado que pula
Dos crimes em pleno mar.
Se fracassarmos, porém,
Não vamos ficar também
Desiludidos da vida.
Haverá sempre um recurso:
Nossa nau segue outro curso,
Nenhuma prece é perdida.
Quem pratica certos crimes
Pretende jogar nos times
Que se dão por vencedores.
Se dão tiros de escopetas,
Jogam corpos nas valetas,
O que são? São perdedores.
Mas desse jeito não pensam,
Julgando que sempre vençam
Os pruridos da consciência.
Chega, um dia, a sua vez
De comprovar a avidez
De alguém com mais eficiência.
São remetidos p ra cá,
Nesse toma-lá-dá-cá
Da lei de causa e efeito.
Vão, então, desesperados,
Sentir os golpes danados
Que lhes atingem o peito.
Nesse caso, a nossa ajuda
Mantém-se quieta — caluda —
Sem poder manifestar-se.
Ficamos de mão atada,
Não podendo fazer nada,
Uma prece a elevar-se.
Por desregrarem-se, um dia,
Não compreenderam a via
Da plena felicidade.
Vão botar culpa no mundo,
Sem perceber que, no fundo,
Agem com perversidade.
Os socorristas, coitados,
Pranteiam, amargurados,
Os amigos que desandam,
Mas mantêm a confiança
De lhes deixar na lembrança
Preces que as dores abrandam.
Eis que nem tudo são flores,
Nem tudo reluz nas cores
De feliz empreendimento.
A vida do socorrista
Tem muita coisa imprevista:
É preciso estar atento.
Dessa forma, vigiar
É virtude a se arraigar
Bem no fundo de noss’alma.
Tudo tem seu fundamento,
Seja o mais atroz tormento,
Seja a mais tranqüila calma.
Se temos necessidade
De recorrer à bondade
De sereno preceptor,
Tenhamos viva a lembrança
Que nenhum guia se cansa
De ofertar o seu amor.
Se houver arrependimento,
Por maior seja o tormento,
Sempre haverá esperança.
O triste é quando a injustiça
A revolta nos atiça
A perder a confiança.
Aí a coisa preteja,
Impedindo que se veja
Onde está a salvação.
Tudo fica bem ruim,
O amargor não tem mais fim,
Obscurece a razão.
Queremos pedir à gente,
Mais ainda ao escrevente,
Que nos perdoem a poesia.
Não há, porém, ver p ra crer,
Em matéria de sofrer,
Não caçoe: — “Quem diria...”
Acredite firmemente,
Procure ser excelente
No cumprimento da lei.;
Conserve a alma de herói,
Exclamando, como sói:
— “Com Jesus, eu vencerei!”
Nesse caso, os nossos guias
Vão entoar melodias,
A louvar os seus pupilos,
Pois sentem, no coração,
Que vão poder dar a mão
Em passamentos tranqüilos.
Foi assim que nós chegamos,
Contudo, recomendamos
Que não se tenha ilusão:
Nossa luta é permanente
E a vitória é conseqüente
De contínua aplicação.
— “Não precisa agradecer” —,
Acaba de nos dizer
O queridíssimo irmão.
Foi nosso todo o prazer
De ter vindo aqui trazer
Poemas do coração.
Se as palavras mostram falhas,
Também as pobres mortalhas
Têm na morte uma função.
Se são tristes as figuras,
Só criaturas mais puras
Atingem a perfeição.
Contente-se, pois, conosco,
Mesmo que seja mui tosco
O verso que aqui fizemos.;
Mas pratique a caridade
E sinta toda a verdade
Dos exemplos que lhe demos.
Aproveite o treinamento:
Está mais perto o momento,
A cada dia que passa,
De obter os contributos
De poetas mais astutos
Em trabalhar a argamassa.
O mais que vamos dizer
Refletirá o dever
De nossa prece final:
— Senhor de misericórdia,
Estabelece a concórdia
E afasta de nós o mal.
Abençoa a nossa gente
E nosso caro escrevente,
Que nos serve com amor.
Dá-nos a clarividência
De colocar na consciência
Que também temos valor.
Sendo assim, os nossos versos
Deixarão de ser perversos
E fluirão elegantes.;
E conterão os ensinos,
Exaltando, como hinos,
As virtudes importantes.
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