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Poesias-->A esperteza do burro -- 17/12/2003 - 15:05 (Ricardo França de Gusmão) |
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O burro guarda uma esperteza minimizada
Dobrada de forma mínima, decimal,
Que não percebemos ante a sua passividade cínica:
O burro de carga, o burro de bonde, o burro mané,
O burro que fica em pé e suporta o peso
De sua fama, da vida como ela é.
A docilidade conserva esse burro ileso
Tem o burro a inteligência de um chipanzé
Pois goza da gente em seu silêncio preso
O momento do trabalhador pacificado
Não sofre o burro de desemprego
Não fica o burro mal humorado.
Há no burro uma inteligência duvidosa
Que nunca foi psicologicamente investigada.
Tem o burro uma capacidade misteriosa
De suportar o peso do mundo indiferente
de agüentar a dor politicamente
Como se separasse o espinho da rosa.
O burro é um cara bacana,
Sempre na dele, vê mas não vê,
Vê mas não fala
Fala mas não diz
Entende mas se faz de bobo.
O burro é um lobo
Pronto para engolir o cordeiro.
O burro passa fome
E obedece sem reivindicar dinheiro.
Mas cadê a burrice do burro?
Não está no quadro negro o erro dele.
O burro faz o homem de idiota,
Há um burro incandescente atrás da porta.
Há na perfeição uma conduta burresca
Uma tinta fresca de super-homem
Que desconhece a alegria de ser burro
Ante a revelação da tragédia pessoal
Da tomada de consciência frente ao limite colossal
Do erro do presidente e da arrogância do general
Da sede em meio a um mar de sal
Da ignorância salvadora e abençoada
Que nos deixa imune às dores
que a lucidez nos reserva.
O dono do burro é tão burro
Que não percebe a diferença
Entre ser dócil e ser fera.
Mas saiba, burro,
que tem gente que te ama
Saiba que existe gente burra
Gente indecente suja de lama
Gente qualquer que se dana
Gente burra que emburrece
A raça humana.
Temos que preservar o burro
da inteligência humana
da negligência humana
da violência humana
da burrice humana.
Por Ricardo França
Rio de Janeiro, 22 de julho de 2003
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