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Poesias-->O papagaio -- 17/12/2003 - 15:04 (Ricardo França de Gusmão) |
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Há um bicho de pena da família da avevoz
Que conversa de soslaio, verde pássaro tagarela,
Mais conhecido como papagaio
filho da mata brasileira ave-aquarela.
Companheiro de boa conversa a papaguear:
“Olá, bom dia, como vai? Como está?”
Sem papas na língua fala à míngua
Por horas fala feito gente
Como se esse bicho da fala fosse
Gente ao falar papagaiadamente.
Sou amigo de um desses
E com ele converso muito,
Nós dois papafalamos e papasorrimos
Sobre as mazelas da vida
E os sobressaltos do mundo.
Ele relembra com certo saudosismo
Dos seus tempos na floresta,
Eu confidencio sobre o comunismo
E ele fala da mata em festa.
Certo dia desses o meu amigo papagaio
Tanto papafalou que quase teve um desmaio.
Nesse data, eu me lembro,
Era o dia 11 de maio,
O papagaio desconectou lá em sua garganta
O mecanismo da fala
Ou Motorzinho-da-Palavra-Tanta.
Esse dispositivo que nasce nos psitacídeos
Permite que a fala nasça em palavrório
Como se papagaio fosse ave alfabetizada.
É que de tanto falar, esse bicho de penas,
Ficou com uma papapalavra engasgada.
Tentou cuspir, tentou tossir e nada
Fazia a tal da frase sair de tão trancada!
Em vôo acrobata papavoou em cambalhota
E papaparou no ar o papagaio
mergulhou em flecha o bico
qual raio
ciscou na espiga
e do milho tirou um tasco
engoliu o grão
e de repente conseguiu desengasgar
soltando um papapalavrão
de lascar!
Ao se recuperar do susto
A ave verde voou em completo silêncio
Em linhas verticais sobre a minha expectativa
E pousou em meu ombro em escombros
De nervosismo,
Parapapafalar repentinamente:
“Papagaio quer ser gente”.
Então falei carinhosamente
E de mansinho, com paparico,
“Papagaio, pára de ficar falando tanto
que palavra engasga bicho de pena.
Para ser gente não basta falar apressadamente.
Pelo contrário, o que caracteriza gente
Não é o que se fala, mas o que se pensa”.
E o papagaio ficou a refletir pela primeira vez
pois queria ser papagente
e ficou a pensar a pensar e a pensar
e nunca mais desabrochou desse instante.
Hoje o meu amigo gaio é uma ave papapensante
Muito respeitada no meio científico,
é uma descoberta, um diamante.
Não virou gente, mas o papagaio
Ficou com um ar mais inteligente e político.
Hoje ele pertence
a uma categoria especial de avencantada
pacientemente trabalhada pelo imaginador do mundo
Para fazer companhia às pessoas solitárias
Especializado em falar muitas vezes
Sobre um mesmo assunto.
Por Ricardo França
Rio de Janeiro, 22 de julho de 2003
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