14 usuários online |
| |
|
Poesias-->A TROMBA DA ESPÉCIE -- 17/12/2003 - 13:49 (Ricardo França de Gusmão) |
|
|
| |
A solidão já está apaziguada em mim.
Mas a dor ainda interfere.
Tentei me domesticar às regras,
ser dócil cidadão na engrenagem das pedras.
Tudo é tão ridículo e perigoso
tudo é tão chato e meticuloso
que nada, enfim,
é igual a mim.
A não ser o nada, esse sim,
que arde agora sobrante
violento, quase falante.
Invade os pulmões e sai quente, escaldante.
Com ele vai o que de mim falta,
pouco a pouco,
até eu não ser eu
mas um pedaço de humanóide
a obedecer leis
e sinais
entre filas intermináveis
e juras de amor fingido.
Como se me transformasse
numa máquina desse amor fodido.
Um ser esculpido pelo caos
um ser deserto
que ri ao sinal de sorrir,
que chora ao sinal de chorar.
Que participa de grupos
de outros seres iguais de vazio
para ganhar campo pessoal
no vazio coletivo.
O vazio coletivo é maior do que o meu vazio.
Não sou o único sem amor
de valor provisório,
não sou o único ser de escritório
em meio à população de uma redação
de jornal.
Entre o que sou
e entre o que o mundo é
resta a notícia.
Que eu absorvo e transformo,
decodifico e reestabeleço.
Eu sou o pavio de uma realidade
explosiva.
Sou o astronauta
de um mundo cão.
Sou vazio
ser solidão
sem mundo-vivo por dentro
homem-erosão
entre homens eruditos
e canalhas.
Por favor garçom,
traga uma dose de uísque para eles.
Que eles precisam gargalhar alcoolizados.
O crime é demais para a testemunha.
Todo dia assisto a um crime.
Tenho que falar.
Tenho que embebedar os canalhas
para aliviá-los da dor de serem canalhas.
Tenho que me embebedar
para tentar esquecer que convivo com canalhas.
Que dou bom dia a canalhas.
Que ainda não soquei a cara de um canalha.
Por favor garçom, traga mais uísque para mim.
Que o vazio agora está insuportável.
Que os bandidos estão vencendo
e eu sou apenas um.
Um elefante envergonhado com a tromba da espécie.
|
|