Quando cheguei vestígio de gente, em carne e osso,
Quando o sopro me concedeu a respiração, a vida e o desgosto
Dei o primeiro passo na estrada, ergui o rosto
Com a figa no cordão pendurado no pescoço
Cresci, andei de bicicleta, caí, aprendi a chorar e a sorrir.
Algumas leis desobedeci. Batalhas: umas ganhei, outras perdi.
Pelo caminho, mapa desenhado pelo destino
Não encontrei tesouro, mina de ouro, só desatino
O aprendizado, marcado, tatuado, cicatrizado no corpo
Me faz professor de coisas que não posso ensinar
Lições de dor e de amor e caridade, a bem da verdade
São mensagens esquecidas, em garrafas vazias, lançadas ao mar.
Exatamente na hora da vaidade demolida
Serve-me o destino, em taça, amarga bebida
Na estrada de tantas e esparsas idas e vindas
O meu peito debruça agora encouraçado
Com o coração, batida brusca, seqüestrado,
Deixo sobre o asfalto tantos sonhos derramados.
Olhar vazio, choro no cio da encruzilhada
Que leva e afasta para longe nossas ilhadas vidas
Norte, sul, leste, oeste, setas apontam para o nada
Serve-me o destino, novamente, bebida tão amarga
Fico tonto e tonto caio inerte nessa mesma estrada
Que vaidade já não tenho, já não tenho nada.
Não criei um país, mas nele tive um filho
Muito menos escrevi a história desta vida minha
A paisagem tem o chão rachado e o sol a pino
Me assola o sonho e volto a ser menino
O espelho me enxerga, mas não vejo nada ainda
O futuro é uma espada no final da estrada que finda.
Ser maduro é deixar de ser herói – Don Quixote,
É endurecer na lâmina fria do metal, sangrar no corte,
É morrer de sede por não querer beber da água doce do pote
Água que jorra da fonte, terra nossa, escombro final
Vou andando na estrada obedecendo ao sinal
Sigo maduro, suor no rosto, vida com gosto de sal.
O tempo fechado, as portas fechadas, a estrada fechada
Com pneus, cadeiras, pedras atiradas, mãos, facas fincadas.
Ter medo é ficar parado, paralisado, cidadão histérico.
Mais uma vez bebo, sou culpado, noticiado: não nego!
À noite, na escuridão, tenho medo e berro,
Para assustar os fantasmas, brancas almas de ferro.
Loucos passam por mim, passam amigos, parentes, amantes,
Passam por mim também, perdidos, o meu inimigo, o meliante,
Passa uma caravana, passa a passeata cheia de pernas
Passam os anos, passam os planos, passa o vulto na estrada deserta.
Vou passando com eles navegante no tempo. Para onde? – Não sei.
Mas sigo rumo ao horizonte que persigo, quando lá chegar, não voltarei.
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