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Contos-->Cabra macho, sim senhor! -- 14/06/2003 - 12:33 (Lêda Maria Carvalho da Nova) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Cabra macho, sim senhor!

Gotas de suor inundam o torso nu e o sol escaldante derrete os miolos. O sacolejo dos buracos e da música sertanejo induz os olhos a fechar e Jesus dos Santos dá um pulo no banco do caminhão, afastando o sono. Imaginou não precisar do arrebite, mas a lentidão do comboio e as quarenta horas sem dormir quase o apanham de surpresa. Pega o remédio no console, engole dois comprimidos e sente-se fortalecido para enfrentar os desafios da estrada.
Está há quinze dias percorrendo este mundo de Deus e só retornará no final do mês. Raimunda estará à sua espera, sedenta de amor, com a camisola nova que ganhou de presente da última viagem. O cheiro de sua pele é igual ao da casa limpa, que ela garante manter. Eta, mulherzinha gostosa essa sua! Aos catorze anos já era faceira e bonitona e a quebra do seu cabaço se deu no matagal atrás da barraca dos pais. De tão apaixonado, resolveu montar casa e dar comida e nome. Em troca exige respeito e fidelidade, porque não divide nada do que é seu. Até aceita algumas frescuras de mulher, beijinho na hora que entra e na hora que sai, coisas assim, embora queira a sua comida na hora certa, roupa lavada e passada, conforto, ora só, para compensar tanta regalia.
Raimunda é uma boa companheira, mãe e dona-de-casa dedicada, porém tem horas que é de uma chatice só. Vive reclamando que ele não pára em casa e que gosta mais da pelada, da pinga e dos amigos do que dela. Mulher é uma coisa mesmo muito complicada! Ela deveria se dar por muito contente por ter o marido que tem!
Vem matutando muito sobre este assunto:- Por que a Raimunda é assim tão ingrata? Em vez de agradecer por ele não ser como a maioria, que tem amante com casa montada e tudo, fica implicando com essas bobagens. A Dona Flor, vizinha do lado, não se importa que o Manoel fique de rabicho com a mais nova menina do bordel; sabe prender o seu homem e com certeza já aprendeu que quanto mais mulher fora ele tem, mais valoriza a de casa.
Amolecido pelo cansaço e pela cisma da mente, Jesus resolve pernoitar na primeira cidade avistada, já no interior da Bahia.
Na pensão escolhida, delicia-se com o jantar de xinxim de bofe. A farinha misturada com o dendê dá um tempero especial à cachaça que engole satisfeito e o impede de reparar a moça que come na mesa à sua frente. Quando sacia o apetite voraz, ele olha atentamente.
-Quem é a beldade? A calça e camisa compridas não me enganam. Se fosse séria não estaria sozinha a estas horas da noite. Estará catando cliente?
Um pedaço dos seios da jovem visível sob o botão aberto o excita. A última mulher com quem dormiu foi há dez dias, uma dona que deu carona. Nem queria transar, contudo a coroa ofereceu-se toda e foi obrigado a bater o ponto para não ser tachado de bicha.
Não gosta de mulheres derrubadas. Prefere as viçosas e novas, tal qual as muitas que se exibem por aí, ansiosas por um bom macho.
Por mais que se insinue, os olhos da moça ignoram os de Jesus. O entusiasmo inicial dá lugar a uma grande irritação.
-O que ela pensa que é? Uma rainha? Ou será uma grande dama? Era só o que me faltava...!
Decide retirar-se, num total desprezo pela atitude arrogante. Entretanto percebe-se preso, sem querer sair e extasiado com a imagem da boca vermelha e do par de olhos claros. O sangue pulsando nas veias transparentes da pele macia e alva o conduz a deduzir que se trata de uma mulher fogosa e esta constatação o deixa mais perturbado.
Conclui tratar-se de pura rejeição. - Por que? - Jesus cheira o sovaco para ver se o desodorante está vencido, confere a brilhantina modulando o cabelo e não encontra a razão.
Não é de seu feitio deixar casos inacabados e opta em tirar a limpo o mal entendido. Senta-se ao lado da rapariga, suspende o rosto abaixado e suas mãos molham-se com as lágrimas tocadas.
Jesus fixa seu olho no dela e a empatia acontece: compreende a dor sentida.
As defesas de ambos desmoronam-se e os sentimentos acasalam-se.
- Qual é o seu nome?
- Júlia. E o seu?
- É Jesus. Há quanto tempo a pessoa se foi?
- Há dois dias.
- Eu sei como é - conforta Jesus.
O casal abraça-se forte.
Jesus respira o odor feminino exalado do rosto encostado no seu ombro e o coração abre-se para canais estranhos. O corpo da moça balança ao ritmo do soluço e o de Jesus preenche-se de uma ternura há muito esquecida.
O homem pergunta a si, silencioso: - Cadê você, minha querida menina? Já faz tanto tempo que você se foi... - não a encontra e o adulto e a criança - que teimam em ser só um - choram a dor do primeiro abandono.
Júlia e Jesus dão as mãos, retiram-se da nostalgia e brincam de sensibilidade e de amor.
As sensações desnudam-se e Jesus redescobre o corpo - o seu e o de uma mulher. Aprecia os detalhes e recantos ignorados e goza a sedução da entrega compartilhada.
O dia amanhece e o par despede-se.
Júlia vai à cata de sua grande paixão, Virgínia, a mulher que a abandonou e por quem é apaixonada.
Jesus dirige o caminhão, tem saudade de Raimunda e vontade de lhe dar beijos ardentes. Anseia voltar ao doce e seguro lar, muito bem guardado lá no sertão de Pernambuco. Não existe mulher como a sua. Está para ver uma tão amorosa, fiel e séria. É o modelo e o ideal de esposa. Amá-la e preservá-la significa a confirmação de que é um homem afortunado. A sua família está acima de tudo e de todos e não admite nada que possa maculá-la.
Recorda-se de Júlia e das fêmeas que conheceu. O amor que sente por elas é tão grande que se fosse letrado faria belas poesias em homenagem a todas as quengas do mundo. No entanto delas não espera nada mais do que uma simples trepadinha, cumprindo assim sua obrigação de grande cabra macho que é.
Jesus é um homem seguro e confiante, valente e destemido. O seu único medo é ser corno e boiola. Como isso é uma coisa impossível de acontecer, o caminhoneiro segue o seu destino de bem com a vida e com o mundo, porque afinal, reflete:
- Elas são insubstituíveis. O que seria de mim sem a presença das mulheres, apesar delas serem assim tão difíceis de entender?

Leda Nova
(Publicado no livro "Conversa ao pé do Ouvido", da autora)
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