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Artigos-->DIÁLOGO COM A PROFESSORA TOMOKO KIMURA GAUDIOSO -- 31/10/2022 - 18:49 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

DIÁLOGO COM A

PROFESSORA TOMOKO KIMURA GAUDIOSO

L. C.Vinholes

31.10.2022

Em 2017, quando a Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (PUCRS), se desfez da biblioteca do Centro de Estudos da Língua Japonesa, especializada em assuntos relacionados ao Japão, tomei conhecimento de que os livros que, nos anos anteriores, doei àquele Centro, atendendo às ponderações do amigo doutor Yukio Moriguchi, haviam sido encaixotados em 17 aproveitadas caixas de papelão e enviados ao Memorial da Imigração e Cultura Japonesa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que tem como responsável a professora de japonês Tomoko Mimura Gaudioso, do corpo docente desta universidade. Em mensagem de 11 de agosto do mesmo ano, a professora Tomoko descreve as caixas recebida como cheias de “revistas, recortes de figuras, alguns materiais como chamada de alunos e provas velhas, vários livros relacionados ao Japão, duplicados etc. e, entre esses, encontrei livros identificados como tendo sido doado pelo senhor pois na contracapa estão (sic) escrito em caneta esferográfica ‘doação do Sr. Vinholes’, todos muito importantes sob ponto de vista como fonte de pesquisa bibliográfica para os estudos japoneses, em todas as áreas, sobretudo humanas, letras.”

Em agosto de 2018 tive oportunidade de conhecer o escritório do referido memorial, onde a professora Tomoko tinha seu ponto de apoio e guardava farto material utilizado no trabalho que desenvolvia, inclusive, o enviado pela PUCRS. Durante a visita, graças à sensibilidade e generosidade da professora Tomoko, recuperei bom número de livros aos quais logo dei destinos mais acertados.

Oportunamente, recebi questionário da professora Tomoko, com 20 abrangentes perguntas, visando conhecer minha relação com o Japão desde o tempo de bolsista, a vida em São Paulo e minhas atividades relacionadas à música, à poesia, à minha vida profissional até a aposentadoria do Ministério das Relações Exteriores.

Na ocasião, ilustrando ao questionário facilitei anexos com 8 fotos, programas, alguns dos meus poemas e artigos.

Eis o diálogo de 14 de abril de 2018.

  1. Como se chama? Tem apelido ou nome artístico? Quando nasceu e onde?

- Meu nome é Luiz Carlos Lessa Vinholes, mas, há anos, homenageando meus país, uso apenas L. C. Vinholes (L sendo a letra de Lourenço, nome de meu pai, e C, a de Caquina, carinhoso apelido de minha mãe que se chamada Joaquina).

- Nasci no Bairro Fragata, em Pelotas, Estado do Rio Grande do Sul, em 10 de abril de 1933.

 

  1. Onde passou a sua infância e quando e como iniciou interesse pelo Japão?

- Minha infância e juventude passei em Pelotas -  a quase totalidade deste período à Rua General Argolo Nº 563 -, de onde sai só em março de 1953.

- Fui alfabetizado pela prima Antônia Lessa Motta, na Escola São Francisco de Paula, vinculada à Catedral de Pelotas; fiz os últimos dois anos do primário, os quatro do Ginásio e os três do científico, no Colégio Gonzaga, dos Irmãos Lassalistas, onde convivi com dois meninos da comunidade japonesa de Pelotas. Meu interesse pelo Japão começou com os estudos de história abrangendo o Japão e II Guerra Mundial.

 

  1. Como era sua família? Origem, lembrança mais forte etc.

-  Minha família eram meus avós paternos Lourenço Felippe Vinholes, que não conheci, e Celmira Idiart Vinholes; meus avós maternos Antônio Fernandes Lessa e Maria Emília de Souza Oliveira Lessa; meus pais Lourenço Idiart Vinholes e Joaquina de Oliveira Lessa Vinholes; e meus irmãos Zaira e João Alberto. Meu irmão caçula Júlio César, faleceu com poucos meses de idade.

- A origem dos meus antepassados certamente é a Península Ibérica, com provável passagem pelas Canárias e pela Ilha da Madeira, respectivamente.

- As lembranças de minha família, incluindo tios e primos, são muitas, todas ligadas à vida no interior e na cidade, não cabendo em uma pergunta de questionário.

 

  1. Em relação a sua família: poderia falar um pouco sobre esposa, filhos, netos etc.?

- Como a pergunta envolve a privacidade de terceiros, resumo registando que tenho um casal de filhos; que, há mais de 25 anos, sou casado com Helena Maria Ferreira; e que não tenho netos.

 

  1. Como iniciou seus estudos mais especializados? Como iniciou seu interesse pela música?

- Conhecendo a realidade do ensino em determinadas regiões do Brasil nas primeiras décadas do século XX, é fácil entender que meu interesse pela música teve início graças às oportunidades singelas, mas importantes, oferecidas pelo dia a dia do ambiente em que vivia e pelo aproveitamento do compartilhamento informal do conhecimento de profissionais da música. A participação no coral da Catedral de Pelotas, a convivência com o maestro mestre-de-capela José Duprat Pinto Bandeira e sua família, a participação como copista da Orquestra Sinfônica de Pelotas, o estudo de canto com a professora Lourdes Nascimento, de violino com a professora Olga Fossati, de violoncelo com Jean-Jacques Pagnot e de teoria e solfejo com Antônio Margherita, foram algumas das primeiras trilhas da minha caminhada que contemplava a carreira de compositor. Com o maestro José Duprat Pinto Bandeira, além da prática da leitura da notação musical convencional, conheci os primeiros segredos da orquestração musical e a leitura da notação musical do canto gregoriano, sendo que o ensino e a prática desta última não constavam e até hoje não constam da grade de matérias das instituições oficiais do ensino musical.

 

  1. Onde você estudou a música em São Paulo? Peço que fale um pouco de sua convivência com amigos que formou em São Paulo e que tinha algum contato com a cultura japonesa.

- Graças a aproximação com o compositor e maestro H. J. Koellreuter que me foi facilitada pela pianista Yara Bastos André (Cava) e com apoio da Prefeitura de Pelotas, participei do IV Curso Internacional de Férias de Teresópolis (1953) e, a partir de março do mesmo ano, por ele convidado, passei a frequentar os cursos da Escola Livre de Música da Pró Arte (ELM), em São Paulo, especialmente os de composição e flauta dados por Koellreutter – de quem  fui também secretário particular – , e canto com a professora Celina Sampaio. Nas aulas de composição conheci os princípios da técnica dodecafônica, que me foram úteis na criação de minhas primeiras obras, e os princípios da música eletrônica, como participante da criação do primeiro estúdio de música eletrônica das Américas e o terceiro do mundo, ao lado dos da Alemanha e França.

 

- Peço que fale um pouco de sua convivência com amigos que formou em São Paulo.

- Em São Paulo relacionei-me não só com colegas da ELM que se tornaram nomes mundialmente conhecidos, muitos vindos de outras cidades do Brasil, com professores brasileiros e estrangeiros, com profissionais de outras artes tais como pintura e literatura. Entre os colegas cito Roberto Schnorenberg, Klaus Dieter Wolf, Carlos Alberto Pinto Fonseca, Ernst Mahle, Henrique Gregori, Isaac Karabtchewsky, Norma Graça, Clara Swerner, Ula Wolf, Rosita Salgado Góes, Sandino Hohagen, Brasil Eugênio da Rocha Brito, José Luiz Paes Nunes, Paulo Herculano, Nei Salgado, Damiano Cozzella, Rosmarie Lütold, Teresinha Leite, Antonieta Moreira Leite , Diogo Pacheco, etc. Entre os mestres registro os nomes de: na música Yulo Brandão, Gabrielle Dumaine e a já lembrada Celina Sampaio; nas artes plásticas Samson Flexor, Angelo Taccari, Valdemar Cordeiro, Wesley Duke Lee; na literatura, especialmente na poesia, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Pedro Xisto, José Lino Grünewald, Ronaldo Azeredo, Dora Ferreira da Silva, Maria José de Carvalho, Edgard Braga e Clarival do Prado Valladares.

 

- A comunidade japonesa em São Paulo possuía equipamentos diversos que permitiam aos interessados e curiosos contato com determinados aspectos da sua cultura, principalmente no conhecido Bairro da Liberdade com seus restaurantes, lojas e cinemas. Na companhia de colegas da ELM eram frequentes os passeios ao Liberdade, nos finais de semana. Foi ali próximo que, na Loja Nakaya, vi, pela primeira vez, cerâmica japonesa de qualidade. Com o tempo não só me familiarizei com São Paulo, mas também me relacionei com pessoas com as quais tinha interesses comuns. Tive o prazer e a satisfação de criar um coral com membros da comunidade japonesa, inclusive com familiares dos funcionários do Consulado-Geral do Japão, com ensaios semanais realizados na casa situada na esquina da Rua Bahia com a Rua Sergipe, residência da família do economista e homem de negócios Carlos Kato e do haikaista Kunito Miyasaka (o ikubeshun dos haikais), ambos membros de destaque no Banco América do Sul (Nanbei Ginko). Em determinados eventos promovidos pela ELM, na Rua Sergipe nº 261, se faziam presentes membros da colônia japonesa. Nela foi realizada a pioneira exposição de Tomie Ohtake. Lembro também aos músicos Tomii Iwami e Baikyoku, do concerto de música antiga japonesa que organizei na ELM em 6 de dezembro de 1954 e do qual fui apresentador e comentarista. Registro ainda que, em fevereiro de 1957, como flautista, participei do Grupo Michio Miyagi de São Paulo, formado por músicos japoneses. Vale lembrar que nos anos 1956 e 1957, quando fui titular da coluna diária Música do jornal Diário de São Paulo, publiquei artigos diretamente ligados à música do Japão: Música Antiga Japonesa (8.12.1956), Michio Miyagui (27.11.1856), Japão Contemporâneo (15.03.1957), Irino Yoshiro (27.03.1957) e Seihin Yamanouchi (01.05.1957).

 

  1. Como surgiu a oportunidade de ir estudar no Japão? Qual foi o nome ou tipo de sua bolsa? Em que local você estudou?

- Os contatos de H. J. Koellreutter no Japão repercutiram na ELM que, em 1956, recebeu a visita de Masami Kuni, mestre em filosofia e em “creative dance”. Kuni visitou também a Venezuela e a Argentina. Com seus amigos no Governo japonês comprometera-se a indicar em cada um dos países visitados um candidato às bolsas que o Ministério da Educação do Japão passaria a oferecer a partir de 1957. Entretanto, segundo consta, dos três países visitados, indicou apenas o candidato do Brasil. Assim, depois de acertos burocráticos, embarquei para o Japão em 4 de junho de 1957, a bordo do navio Burajiru Maru, lá chegando com atraso com relação ao ano letivo, com o compromisso de estudar a leitura da notação musical dos instrumentos usados no gagaku, visando estabelecer parâmetros para viabilizar a leitura de partituras cuja memória de leitura havia sido esquecida.

- Desconheço qual o nome específico da bolsa de estudos que recebi. Era chamada de “bolsa para ryugakusei  = bolsa para estudante do exterior, bolsa para estudante distante.

- Inicialmente estudei na Universidade de Artes de Ueno (Ueno Geidai), em Tokyo, frequentando aulas ministradas pelo grande mestre da história da música no extremo oriente, Hisao Tanabe. Posteriormente, em virtude da Geidai não oferecer o estudo do gagaku e, inclusive graças à intervenção do arquiteto Takeshi Susuki, professor da Universidade Mackenzie de São Paulo, passei a frequentar o Departamento de Música da Casa Imperial (Kunaicho Gakubu) onde, com enorme proveito, tive como professores Sueyoshi Abe, mestra de hichiriki, considerado tesouro vivo, e o jovem mestre de sho, Hiroharu Sono, de tradicional família de músicos. Como complementação da prática da leitura de partituras e da execução dos instrumentos estudados, frequentei ainda a Associação Amigos do Gagaku (Ohno Gagakukai) do templo de Uguisudani, em Tokyo, encabeçada pelo sacerdote budista líder do referido templo.

 

  1. O que essa bolsa acabou proporcionando?

- A bolsa de estudo proporcionou iniciar os estudos que pretendia fazer e que tiveram continuidade nos outros oito anos de minha permanência ininterrupta no Japão, durante os quais, inicialmente, colaborei nos trabalhos da Comissão de Compras de Tokyo da Usiminas e, depois, nas tarefas que me foram dadas quando aceitei convite para trabalhar na Embaixada do Brasil.

 

  1. Você trabalhou em alguma atividade ou projeto que envolveu empresas japonesas? Qual foi seu papel? Quando foi isso e que empresas estavam participando, tanto do Brasil como do Japão? Você estava no Japão ou no Brasil? Quando e onde foram esses locais? Tem algo que chamou atenção? Quem foram os protagonistas nesta atividade? Ouvi na sua conversa que as Plantas foram iguais no Japão e Brasil para diminuir custos. O que significa isso?

- Com o término do período da bolsa de estudos, estava para voltar para o Brasil quando recebi convite do senhor Sugihara, um dos diretores do Banco de Tokyo que seria o diretor financeiro do empreendimento no Brasil, para fazer parte da Comissão de Compras de Tokyo (CCT) da usina siderúrgica que, fabricada no Japão, seria instalada em Ipatinga, tendo como presidente o engenheiro Amaro Lanari. A comissão era formada por engenheiros e outros profissionais brasileiros que dialogariam com a contraparte japonesa, chefiada pelo engenheiro japonês Kaname Suzuki e formada por engenheiros e profissionais de diversas companhias japonesas. Trabalhei como intérprete e como consultor, por ter conhecimentos gerais sobre o Japão. A sede da CCT era em Ohtemachi, Tokyo. Mais de 50 indústrias japonesas lideradas pela Siderúrgica Yawata Seitetsu, estavam envolvidas no projeto de fabricação das partes da Usiminas e também daquelas que se destinariam à usina a ser instalada em Tobata, em terra ganha com o aterramento do mar na Ilha de Kyushu. Foram duas usinas iguais, uma para o Japão e outra para o Brasil. Foi está a fórmula encontrada para baratear os custos do empreendimento de joint venture Brasil-Japão. A única diferença das “plantas” estava nas fundações dos altos fornos. O do Japão, em virtude de o terreno ser em área tomada do mar e dos terremotos viáveis na região de Tobata, custou mais do que o do Brasil, onde o subsolo oferecia resistência e, consequentemente, as fundações poderiam ser menores. Para equacionar esta diferença, foram feitos estudos comparativos cotejando as normas técnicas vigentes no Japão e no Brasil. Os engenheiros responsáveis por este estudo e pelo meio termo alcançado foram, pelo Brasil, o engenheiro Naul Benévolo, professor da UFRJ, e, pelo Japão, o engenheiro Ito, da Yawata Seitetsu.

 

  1. Você participou do movimento concretista no Brasil. Quem eram as pessoas que conviviam com você e que envolvimento você teve com eles?

- Em São Paulo tive contato frequentes com os poetas acima citados – Haroldo e Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari –, que frequentavam os eventos promovidos pela ELM e que começavam a moldar o que seria a linguagem do concretismo, consolidada no Plano Piloto da Poesia Concreta, de 1958, um ano depois de minha ida para o Japão. Este plano pode ser facilmente encontrado no Google.

 

  1. Você escreveu várias músicas e os poemas concretos. O que entende por movimento concretista?

- Esclareço que as composições que escrevi – com a técnica dodecafônica e a técnica tempo-espaço que criei em 1956, bem como os parâmetros que estabeleci para a criação de música aleatória, Instrução 61 e Instrução 62, são linguagens distintas da linguagem concretista.

- Por concretismo entendo o que está registrado no citado Plano Piloto da Poesia Concreta e em cada uma das poesias que criei valendo-me desta linguagem.

 

Poderia discorrer um pouco sobre suas obras?

- É melhor ver do que ouvir falar sobre um poema concreto, uma vez que ele não só aceita, mas, preferivelmente, espera a presença de um interlocutor direto. Ofereço cinco dos meus poemas concretos.

 

  1. Qual a sua opinião sobre haicai? Em que sentido ele é diferente da poesia concreta?

- Sem dúvida alguma o haikai é uma das pérolas das formas poéticas criadas nos séculos passados por aqueles que dominaram o uso da palavra e de suas vibrações semânticas.

 

- Tomo a liberdade de dizer que, assim como tantas outras formas poéticas do ocidente e do oriente, cada haikai, registra e descreve momentos e situações, ao passo que a poesia concreta não registra nem descreve, ela é em si um objeto a ser visto e vivido pelo seu observador.

 

  1. Por que acredita que o haicai não pode ser traduzido para língua que não seja o japonês?

- Não entendo bem a pergunta, mas respondo com um desafio. Se me mostrarem um soneto escrito em japonês, passarei a creditar ser possível não só traduzir, mas também escrever um haikai em outra língua. Aqui, peço vênia, para transcrever dois trechos do capítulo Haikais Brasílicos, do artigo Intercâmbio Cultural e Artístico nas Relações Brasil-Japão[i] (1995), que escrevi no ano do centenário do primeiro acordo bilateral entre os nossos dois países.

 

O professor Yasuhiko Sano, da Unidade Sophia, de Tokyo, em resenha sobre o livro Folhas de Chá, com haicais de Oldegar Franco Vieira, transcreve comentário do haicaista Kazuo Sato que diz:

 

"hoje em dia, o haiku no Ocidente e o no Japão parecem andar independente e paralelamente, sem nenhuma ligação, porque o estudo do haikai no Ocidente vai somente de Basho até Shiki e os haicais feitos por poetas ocidentais têm como modelos as traduções estrangeiras das obras clássicas japonesas".

 

Rebatendo e amenizando o comentário acima, o professor Sano conclui dizendo que "o importante para nós é poder saber como as mudas do haicai japonês foram transplantadas para terras brasileiras, onde elas têm desabrochado em flores com perfumes diferentes".

 

Em janeiro de 1949, o Diário Nippaku, um dos jornais japoneses da Capital paulista, já publicava o seguinte haicai de sua autoria, referindo-se a Pedro Xisto:

 

                     Ás aves do céu                                            

                     (país das espigas cheias)                                             

                     o primeiro grão

 

lembrança explícita do vaticínio "misu ho no kuni", de Amaterasu, conforme o Kojiki  "Registro das Coisas Antigas". O mesmo haicai é conhecido na variação de 1959:

 

                       País das espigas.                                            

                       O primeiro grão, as aves                                  

                       do céu. Teu haikai.

 

Por ocasião do Cinquentenário da Imigração Japonesa, em 18 de junho de 1957, Pedro Xisto comemora o evento, a seu modo, com o haicai:

 

                     o sol renascido                                            

                     além do mar: sobre o monte                                             

                     vive em flor e brasa

 

  1. Você introduziu o poema concreto no Japão. Como e em que época aconteceu esse fato? Como desenvolveu (aceitação etc.)?

- Respondo detalhadamente, pelo anexo que envio, no qual o artigo Intercâmbio, Presença e Influência da Poesia Concreta no Japão[ii] é abrangente.

 

  1. O que está fazendo atualmente?

- Desde que me aposentei do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, ao qual dediquei-me integralmente, passei a ocupar-me com a música e a poesia o que durante décadas ficaram em segundo lugar. Há muito acompanho e colaboro com os que se dedicam à monografias e teses sobre minhas teorias e trabalhos em música, ao meu relacionamento com museus, escolas e profissionais da arte e a escrever e publicar artigos sobre temas que julgo merecer atenção. Nos últimos seis anos, tenho dado destino às obras que amealhei durante os anos em que vivi no exterior. Além disto, cuido, com muito carinho, da pioneira relação de fraternidade que promovi entre as cidades de Suzu, em Ishikawa, e Pelotas, no Rio Grande do Sul, as primeiras shimai toshi, cidades-irmãs entre o Brasil e o Japão, exemplo seguido pelas capitais Kanasawa e Porto Alegre.

 

  1. Acredita que o Japão contribuiu e contribui (ou não) para formação do povo brasileiro? Por quê?

- Examinando a formação do povo brasileiro, inicialmente as maiores contribuições na formação da sociedade brasileira foram as dos africanos e portugueses que se juntaram a dos aborígenes. Posteriormente, principalmente em virtude dos grandes conflitos mundiais dos períodos de 1914 a 1918 e de 1939 a 1945, o Brasil tornou-se um país que oferecia alternativas aos que vinham dos países que tinham sido duramente atingidos pelas guerras e, aqui, buscavam oportunidades para reconstruir suas vidas. Hoje o Brasil comemora os 110 anos da chegada dos primeiros imigrantes agricultores japoneses e, a partir dos anos 1960, dos que trouxeram conhecimentos técnicos e recursos financeiros que, em muito, contribuíram na implementação da indústria nacional. Aqui permito-me transcrever parágrafo do meu artigo Centenário da Imigração Japonesa para o Brasil,[iii] de 19 de junho de 2008:

 

“Nos primeiros anos da imigração chegaram os que tinham experiência no trato da terra e na produção do indispensável à mesa do nosso dia a dia. Fizeram história cultivando a terra e produzindo o que de melhor se podia esperar de tanta dedicação e esforço. Mais tarde, as famílias dos agricultores abriram espaço àqueles que dominavam conhecimentos técnicos indispensáveis à mudança que o Brasil vinha experimentando na metade do século passado. Foi depois dessa troca do perfil do imigrante japonês que a participação econômico-financeira do Japão com o Brasil teve o incremento até então desconhecido no relacionamento entre os dois países. Citemos apenas os empreendimentos bilaterais da Ishikawajima com seu estaleiro no Rio de Janeiro; da siderurgia da Usiminas em Ipatinga em Minas Gerais, usina-gêmea da Usina de Tobata construída na mesma ocasião no sul do Japão; das indústrias de automóvel, de máquinas e implementos agrícolas e tantas outras que tiveram papel importante na tarefa de modernização do parque industrial do Brasil”.

 

  1. O que acha das atividades de agências japonesas nos programas como Desenvolvimento da região do Cerrado, transferência de tecnologias através da EMBRAPA etc. que JICA realiza no Brasil?

- Sem dúvidas a colaboração do Japão, mediante o acordo bilateral de cooperação técnica assinado entre os dois países, assim como aqueles que o Brasil tem com a Alemanha, França, Canadá etc. serviu para incrementar os conhecimentos dos profissionais brasileiros, da mesma forma como os acordos similares que o Brasil celebrou com países das Américas, do Caribe e da África, levaram a estes países a colaboração brasileiras em diferentes áreas do conhecimento. Como coordenador da cooperação técnica bilateral Brasil-Japão, na Agência Brasileira de Cooperação Técnica do Itamaraty, tive oportunidade de participar ativamente das negociações bilaterais em diferentes níveis e de verificar os esforços de ambas as partes.

 

  1. O que acha da atuação da Fundação Japão no Brasil? Você já participou de alguma atividade através desse órgão?

- Pouco conheço sobre a Fundação Japão no Brasil e não tive oportunidade de participar das suas atividades.

 

  1. Por fim, o que você aprecia mais dentre comida japonesa? Qual a aceitação da sua família em relação ao Japão?

- Aprendi a apreciar a culinária japonesa desde os anos em que vivi em São Paulo. Fiz “curso de aperfeiçoamento” nos anos de 1957 a 1968 e “mestrado” no período de 1974 a 1977, períodos vividos no Japão. O sushi e o udon são aceitos pelos brasileiros em geral, assim como o pão de queijo é aceito pelo sempre crescente número de países nas Américas e na Europa.

 

  1. Última pergunta: você mencionou que a época da arte concreta já passou. É isso mesmo? Por que acha isso? (Eu particularmente, achei muito interessante e acredito que poderá ressurgir como acontece em muitas artes...).

- As ideias têm um período que começa com o seu surgimento, continua com o da sua prática e luta por espaço e chega ao do seu apogeu e aceitação. Mas o que elas deixam de novo não passa e não morre, pois é parte do conhecimento humano e da história. Nada a estranhar se um poema concreto for escrito em nossos dias. Ainda hoje, quando impera o verso livre, também são muitas as quadras e os sonetos escritos por quem se vale destas formas de expressão. Complementando, é mister lembrar que o pensamento concretista, a partir de meados dos anos 1950, influenciou todas as atividades gráficas na propaganda, nos meios da imprensa, no cinema, na indústria editorial etc., assunto abordado por especialistas dentre os quais destaca-se o professor, doutor e amigo Claus Clüver que, com a mineira professora Maria Corrêa, é coautor de Concrete Poetry: an International Perspective, por eles editado e lançado pela Editorial Consultants: Friedrich W. Block and Eric Vos.

 

 

[i] Intercâmbio Cultural e Artístico nas Relações Brasil-Japão, artigo disponível no sitio <www.usinadeletras.com.br>.

[ii] Intercâmbio, Presença e Influência da Poesia Concreta no Japão, artigo disponível no sitio <www.usinadeletras.com.br>.

[iii] Centenário da Imigração Japonesa para o Brasil, artigo disponível no sitio <www.usinadeletras.com.br>.

 

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