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Contos-->O segredo de Oxalá -- 12/06/2003 - 15:56 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O telefone tocou eram por volta das duas da madrugada. Valtinho tateou na cabeceira em busca do aparelho. Quem seria naquele horário? Ele dormiu fazia pouco tempo, depois de um desgastante retorno de Petrolina, onde fora levar seu filho afim de passar alguns meses com seus tios, longe de Recife. A intenção era evitar um confronto com a Galera da Vila Araes.
Valter não era um mau filho. Acompanhava o pai na Kombi todos os dias. O trabalho exigia acordar cedo e passar o dia aos berros catando passageiros. Tinha quase dezoito anos, alto, forte, bonito, querido por muitas mulheres. Era pai de oito filhos, com seis mulheres diferentes. Conhecia apenas dois, que assumiu. Os outros só ouvira falar. Mesmo com uma vida noturna agitada, o menino pulava cedo e não reclamava da lida. Um grande menino! Não era dado às brigas. Teve a infelicidade de enroscar a porta da Kombi num membro da Galera da Vila Araes, derrubando-o da bicicleta. Houve discussão onde o desconhecido ofendeu sua mãe, fazendo-o perder a paciência e esmurra-lo. Valter era além de forte muito bem treinado, fruto de horas em academias de artes marciais. O desconhecido não foi páreo ante a força desproporcional, caiu feio machucando-se bastante o rosto. Saiu arrastando a bicicleta, não sem antes jurar o menino de morte.
Valtinho sabia que aquelas promessas poderiam ser cumpridas. O bando era conhecido na região por sua crueldade, por isso tinha decidido afastá-lo de Recife até que as coisas se acalmassem. Valter resistiu alegando que sabia como se defender; que não tinha perigo algum; o homem só estava brincando...; as justificativas típicas que os inexperientes colocam ante sua condição de donos do mundo, julgando exagero no conselho mais velho. Após insistentes pedidos, Valtinho convenceu o filho a conhecer Petrolina. Daria uma Kombi boa para que ele trabalhasse. Só por uns tempos, o pessoal todo da Brasilit falava de um plano para mata-lo; melhor evitar. Mas o garoto mal botou o olho na cidade entrou em desespero:
- Aqui eu não fico não, painho!
E não houve argumento que o convencesse a ficar.
- Se o sinhô não mi leva de volta eu vou de ônibus, de pé, de jegue. Mas aqui eu não fico não!
Voltaram.
O menino mal chegou e foi ver uma namorada. Valtinho foi direto para cama, sua idade não dava mais para abusos e logo surgiria outro dia duro. Antes de dormir voltou para seus dezoito anos e se viu em seu menino. Quantas namoradas....
- Alô? Quem é? – perguntou bocejando.
- É o Josué, Valtinho...
- Que pôra é essa de liga nessa hora?
- Seu menino, Valtinho....
- O que tem ele?
- Bom...
- Fale home!
- Ele tá morto.
Valtinho ficou mudo. Mal acreditou no que ouvira:
- Morto como?
- Tiro, Valtinho. Parece que foi três cabras. Deram quatro tiros no menino Valtinho.
Valtinho sentou-se. Todo seu corpo gelou; estava tonto.
- Quem foi?
- Três cabras da Vila Araes.
- E o corpo?
- Tá em Olinda, perto da Karitó.
- Tira ele daí agora, Josué. Não quero que vejam meu menino assim.
A voz de Valtinho saiu misturda com lágrimas, num pedido deseperado:
- Tira ele daí! Josué, traiz o menino pra casa agora...
- Calma Valtinho, tem a polícia...
- A polícia eu resolvo, trais o menino pra casa agora.
- Tá, tá, tô levando - desligou.
Passaram-se dois dias desde a chegada do corpo e o enterro. Somente no terceiro é que Valtinho acordou para a realidade. Mal lembrava como ocorreu o féretro, fez tudo automaticamente envolvido em um manto de luto. Quem participou do enterro não viu uma só lágrima ou gesto de dor. Valtinho fechou-se. Percebia-se ódio, raiva e desalento, tudo guardado no peito do pai que perdera seu único filho.
Mal o último palmo de terra caiu sobre o caixão, iniciou-se a especulação sobre o que faria Valtinho com os assassinos. Haveria uma vingança, isso era certo; é a lei. Mas como seria? Quando seria? Ninguém sabia, só sabiam que iria acontecer, cedo ou tarde.
De casa Valtinho ligou para três amigos policiais: tinham uma tarefa à fazer. Os três sabiam o que o primo queria: iriam buscar os assassinos. Serviço rápido, nada que não tivessem feito antes. Além de que os matadores eram da Vila Araes, conhecidos da policia. Não haveriam dificuldades para encontra-los. Três dias deveriam serem suficientes para o “trabalho”.
Valtinho comprou um Opala, ano 82, com maleiro grande e vidro escuro; perfeito para operação.
Saíram cedo: Valtinho, o Sargento Marcelo, soldado Pedro e o Investigador Osvaldo; matadores habituados, frios, como exigia situação. Osvaldo ia ao volante com Valtinho ao seu lado. Os outros dois no banco de trás. Portavam armas sem registro, algemas, facas e capuzes. O trabalho tinha que ser limpo.
- Esquenta não, primo. A gente acha os cabras - consolou Osvaldo, batendo na perna de Valtinho.
- Eu quero eles vivo, entendeu? Vivos!
- Como quiser, primo. A gente faiz do jeito que o primo mandá.
A primeira parada foi em cavaleiro na casa de Mãe Rosa, uma mãe-de-santo que era aparentada de um dos matadores. A velha beirava os oitenta anos, conhecida no bairro por suas previsões e feitiços. Valtinho ouvira de um amigo que a velha tinha benzido três sujeitos a alguns dias. Segundo o informante eles iriam executar um desafeto do UR7. A pendenga teria sido por causa de um encontrão no Terminal do Barro – um besteirinha – alguma coisa envolvendo um risco na bicicleta. A velha achou motivo suficiente para uma vingança e abençoara a ação.
- A velha fechou o corpo dos cabras. Só bala benta prá derrubá.
Osvaldo saiu do carro, sacou do revólver e gritou para todos ouvirem:
- Cadê o safado do Valter Boi? Cadê aquele frango?! Manda aparece pra bate na cara de um home!
A casa da velha Rosa ficava ao lado de um bar freqüentado pelos mais diversos tipos. Pessoal de galera, jogadores, assaltantes e matadores, além de prostitutas que faziam ponto ali. Todos pararam seus afazeres para mirar o desconhecido. Todos sabiam da morte de Valter Boi, fato que espantou muitos pois o menino não tinha inimigos. E agora eis que surgia mais um. A única encrenca sabida era a do Terminal, nada mais. Como ninguém sabe da vida de todo mundo, podia ser que o Boi tivesse mais gente atrás dele. Pena que este estivesse atrasado, o serviço já tinha sido executado. Ninguém falou nada. Osvaldo insistiu:
- Cadê o cabra?
A velha Rosa abriu a porta para ver quem era o estranho que gritava daquele jeito na frente de sua casa. Ela sabia da estória da morte do boi. Ela mesma foi quem aconselhou ao afilhado levar mais gente com ele.
- O Boi é forte. Carece de arma e treis homi. Vá por mim, meu filho. Leve o Cabeludo, que é forte e o Bruno que é frio, mata mesmo. E tu só ajuda, dexa os dois dá fim no cabra. Não va faze bestera. Traiz os dois pra mim que eu fecho o corpo com Zé Africano.
Na sexta-feira da mesma semana os três foram abençoadas em plena festa de Oxalá. Sob o rufar dos tambores seguiram para a missão. Retornaram era meia noite, momento em que a festa estava mais animada. Foram para a sala de magia e abaixo da estátua do Gira Mundo contaram que pegaram o Boi na BR 101, perto da Vila dos Milagres. Pediram parada e o kobero nem suspeitou da armadilha. Mal entraram e Bruno colocou a arma nele, obrigando-o a ir até Olinda. Pararam perto da fábrica de pipocas, onde pararam. O Boi não se deixou matar facilmente. Conseguiu esmurrar o Bruno e pular para fora da Kombi. Com um único golpe de pernas jogou o afilhado num bueiro. Mesmo grande e forte, Cabelo caiu ante um golpe certeiro no estômago. Bruno, que só era de armas, aguardou o melhor momento. O afilhado saiu do levantou-se e agarrou o Boi pelas pernas com toda a sua força. Levou vários murros nas costas, mas agüentou firme, dando tempo para Cabelo segurar o Boi pelo pescoço e encurrala-lo num poste de energia, batendo por três vezes a cabeça contra este. O Boi desabou grogue. Foi quando Bruno encostou o revólver na sua cabeça e disparou à queima roupa por quatro vezes. Os miolos do Boi respingaram no rosto do afilhado.
- Viu, meu filho. Se tu fosse só caia morto.
- É voinha, mas o desalmado já tá no inferno!
- Oxalá! Agora cada um prum canto, afinal a vingança há de vim. Fiquem quietos e não esqueçam da oferenda para Zé Pilintra. Amanhã mesmo!
Quem seria aquele estranho? Os santos não tinha lhe falado nada...Seria um desavisado? De qualquer maneira eram dos seus. Quem odiasse seus inimigos merecia ser recebido por ela. Iria convidá-los para beberem juntos o defunto.
- O Boi já era meu filho! Sabe não?
Osvaldo foi até a velha e sem que ela ao menos percebesse algemou-a.
- Policia! Tu tá presa velha safada.
Quando alguns dos presentes fizeram menção de irem em socorro da Mãe-de-santo, as portas do Opala abriram-se, surgindo o restante dos ocupantes de armas em punho, acalmando os afoitos. A velha foi jogada no porta malas do carro e levada em alta velocidade até um ponto deserto da mata Dois Irmãos, às margens do Rio Guararapes, onde se iniciou o interrogatório.
Rosa suportou por quinze minutos o murros e ponta pés do Sargento Marcelo e Soldado Pedro, hábeis interrogadores. Valtinho e Osvaldo só acompanharam da margem, bebendo cachaça e comendo salame, aos afogamentos da macumbeira. A danada não tinha medo de morrer. A cada subida d’água gritava aos santos amaldiçoando seus agressores e todas as suas gerações, o que exigia uma nova imersão. Os PMs bateram pra valer, deixando alguns hematomas. Grave falha policial, pois existem lugares certos para se bater, onde não se deixa marca alguma. Neste caso as marcas eram propositais, para que todos os que a vissem soubessem do ocorrido - um aviso implícito. O nome Joana, bem como a rua e o bairro, só saiu depois que o braço da velha foi destroncado.
- Fala velha, senão vai o joelho – alertou o sargento - cuidado, se estiver mentindo a gente volta e quebra o resto.
Após obterem o que queriam os quatro beberam o resto da cachaça.
- A velha é tua, Valtinho. Vá lá, te diverte um pouco – sugeriu Osvaldo.
E assim enquanto os policiais secavam as roupas, Valtinho descarregou sua raiva na Velha Rosa, bateu com de cinto, parte da fivela, até que ela caiu. Antes de seguirem para Santo Amaro, deixaram a velha na emergência do Hospital da Restauração, como vítima de bandidos.
- Não sei como podem fazer isso com uma mulher nessa idade – declarou consternado Valtinho ao preencher o prontuário.
- Esmagaram a língua da coitadinha que nem vai poder falar mais – continuou Osvaldo, tão sentido quanto o primo.
Joana, apelido recebido por parecer com um peixe, estava preocupado naquela tarde. Ainda não tinha cumprido seu dever com o Santo. Sua avó fora enfática para o cumprimento imediato do dever, mas tinha dormido com a prima e o xodó foi tanto que só agora, duas horas da tarde, lembrara de compra o vinho e os cigarros para Zé Pilintra. Ele tinha assumido o compromisso de pagar pelos comparsas, e Santo era coisa séria. Mas a priminha era tão quente...
Estava nessa aflição a beira da cama, quando a porta foi abaixo e dois desconhecidos entraram com armas em punho, anunciando sua prisão. A prima pulou da cama sem saber se estava acordada ou tenho um pesadelo.
- Policia sua cadela! Vamo levá teu machinho aqui e vê se não pia.
Assim conheceu o investigador Osvaldo, que virou-se para Valtinho:
- Vai querer alguma coisa aqui primo?
- Não, não, deixa a menina em paz. Só quero o cabra.
E saíram sem mais conversa.
Joana se arrependeu por não ter pago o Santo. Estava agora na beira do Guararapes, prestes a ser morto – não tinha dúvidas de seu destino, ainda mais quando reconheceu diante de si o velho que dirigia a kombi na tarde da briga com o Boi. E tudo isso por não ter cumprido as ordens da Mãe-de-santo. O Santo devia ter se desgostado com ele e mandado o castigo.
- Lembra-se de mim, Joana?
Lembrou-se sim: era o pai do Boi.
Os nomes e endereços que faltavam vieram rápido. Assim sobrou mais tempo para que Valtinho descarregasse sua dor. Joana era covarde e fraco, o que irritou mais Valtinho; bateu até cansar, tendo que acordar Joana várias vezes. Ao final de uma hora foram pegar o Cabelo.
Cabelo era conhecido no Pombal por ser bom de briga e mulher. Não era um mau sujeito, ajudava várias famílias na comunidade, embora tirasse seu sustento protegendo comparsas do jogo do bicho. De vez em quando fazia algumas surras contratadas, desde que fosse fora de seus bairro e estivesse realmente precisando. O emprego estava difícil e tinha três bocas para sustentar, levando-o aos serviços menos nobres. Quando o amigo Joana pediu sua ajuda achou que o motivo era pequeno demais para uma morte, uma boa surra bastaria. Conhecia o Boi, era gente boa, pra quê aquilo? Joana insistiu, dizendo que sua mãe fora ofendida e que a Velha Rosa exigia a cabeça do ofensor. Um pedido da Velha Rosa era uma ordem. Cabelo devia muitos favores a ela, afinal esta cuidara de todos os seus filhos quando estes nasceram. Era sua protetora, e se ela pedia o sangue do Boi assim tinha que ser. Sem mais pensamentos foi com Joana para a “parada”. Mesmo sem concordar, aceitou, a pedido de Mãe Rosa, a presença de Bruno. “Alma sebosa”, que só sabia de arma, no braço mesmo era um frouxo. Durante o planejamento mal conversou com o comparsa, aceitava-o apenas profissionalmente. Depois do serviço cada um iria para seu lado. O Boi deu bastante serviço, mas ainda achava que poderia ter resolvido sozinho. Não gostava de covardia, para ele o homem tinha que se garantir, senão que ficasse quieto. Foi duro ver o canalha do Bruno atirar daquele jeito no menino já desmaiado. Se não fosse sua força o Boi tinha dado nos dois, com arma e tudo. Covardes! Sim porque quem derrubou o Boi foi ele. Joana já tinha apanhado bastante e bastava mais um golpe para que caísse. Bruno só segurava o revólver, era homem de traição, tocaia. Ele teve que enfrentar o Boi, um belo lutador, pena que cometera o equivoco de encostar num poste; aí ficou fácil. Inexperiência! É, tinha acabado com um menino, sujeito bom o menino.
Cabelo não nunca tinha visto o Opala estacionado próxima da banca de revista. O motorista desceu, comprou um jornal, conversou com o jornaleiro e voltou para o carro. Gente estranha. Mas ele não podia perder mais tempo, tinha que buscar sua filha na escola. Talvez fossem apenas transeuntes, nada além de cisma.
Antes que Cabelo pudesse cruzar o primeiro quarteirão o Opala fechou sua frente e saltaram três homens armados dando voz de prisão. Ele não reagiu, deixou-se algemar sem resistência. Foi colocado no mesmo porta malas que estava Joana todo arrebentado. Pediu aos Orixás que conduzissem seu espirito, afinal tinha certeza que a vingança chegara.
Bruno odiava aquele vizinho. O quarentão viva com aquele negócio de MPB e livros. O volume do rádio o acordava todas as manhãs. Não o poupava nem em dias como aquele em que tinha trabalhado até tarde. Estava com tanta dor de cabeça que jurou nunca mais beber Kaiser. Foram muitas, até o dia clarear, em comemoração ao sucesso na operação. Tudo tinha saído como planejado, exceto pelo murro que levou no rosto, onde restara uma mancha preta. Mas aquilo só fez aumentar ainda mais sua raiva. Deixou que Cabelo e o frango do Joana o acalmasse para fazer o que mais sabia: atirar. Todos do Alto José do Pinho sabiam que ele sem armas não oferecia perigo algum, porém com um revólver não fugia de ninguém. Por isso andava sempre armado. Nem mesmo no banho o pegariam desarmado. Desde novo que vivia portando armas de fogo. Ganhou seu primeiro revólver antes dos quinze, um vinte e dois, dado por seu pai. Se tornou pistoleiro aos dezoito quando começou sua carreira de crimes. Já tinha perdido a conta de quantas vítimas fizera. Foram muitas, todas confirmadas na cabeça. O próximo seria seu vizinho. Já era hora de mandar o cabra para “os quinto dos infernos”.
Bruno decidiu sair para a rua. Já tinha saciado sua sede de matança e deixaria o vizinho para outro dia. Não agüentava ficar na cama com aquela barulheira toda. Mesmo que seu instinto o alertasse para não deixar a casa, precisava respirar um pouco. A noite estava próxima e Canibal faria uma apresentação na praça. O pessoal cheirador estaria por lá, estava precisando de um “treco”. Além do mais seu revólver garantia sua segurança e ali era seu reino.
Oito horas botou a fuça pra fora de casa. O que aquele Opala estaria fazendo para assim na esquina? Agarrou sua arma e saiu devagar. Ficou mais tranqüilo quando viu que o problema fora um pneu traseiro furado. Eram quatro desconhecidos que pareciam apressados. Deviam estar temendo o local. Chegou próximo do grupo com a arma engatilhada sob a camisa, melhor prevenir. Passou pelos estranhos sem nada dizer. Ao passar pelo grupo alguém o chamou:
- Ei! O amigo saberia onde tem uma borracharia? – era o investigador Osvaldo
Virou-se devagar:
- Na rua debaixo tem uma, é só seguir na direção daquele orelhão.
- Sei... conhece o dono?
- Não, não. Eu não conheço. Por que?
- Eu queria saber se ele vende este tipo de pneu...
Num golpe rápido Osvaldo atirou o pneu na altura do peito de Bruno, o que impediu qualquer reação. O golpe jogou-o no chão, fazendo a arma cair no asfalto. Quando fez menção de juntá-la viu-se na mira dos quatro desconhecidos.
- Tu que sabe, Bruno. Pode escolhê entre se entrega e morre....
Ante a voz calma do investigador Osvaldo, Bruno viu chegar o fim da linha.
Valtinho estava agora com os três assassinos de seu filho devidamente dominados. Podia fazer o que bem quisesse. Por enquanto batia com um porrete de cedro preparado pelo Sargento Marcelo. Batia sem direção. Ao cansar bebia um gole de cana e recomeçava. Joana foi quem mais apanhou. Valtinho sabia que os outros dois só participaram por causa dele. O rosto era todo sangue. Os policiais nada fizeram, deixaram Valtinho a vontade, afinal tinham a noite toda pela frente e o lugar era perfeito, deserto e distante de qualquer alma humana. Algum tempo depois os corpos dos assassinos jaziam no chão. Joana parecia morto, Bruno e Cabelo se contorciam.
Valtinho chegou-se à roda de policiais e disse:
- Pronto, já podemos leva pro Doutor Moisés.
Ninguém entendeu nada. Entregá-los para o delegado sendo que poderiam executá-los ali mesmo! Depois de tanto trabalho para colocar as mãos nos três, correr o sério risco de um advogado livrá-los por falta de provas!
- O quê? Que idéia é essa Valtinho – protestou Osvaldo – mata os cabra agora, pôra!
- Pra toda a Vila Araes ficar no meu pé e de minha família? Tu acha que minha vontade é de que?
Ninguém retrucou. Sabiam que o primo tinha razão. Se os matasse ia ser uma guerra sem fim.
- Vamo leva os cabra pro Doutor Moisés e pronto. Eu sei o que tô fazendo. Eles vão paga, deixa quieto.
O dia clareava quando chegaram na delegacia do Ibura com os prisioneiros. A causa dos ferimentos foi outorgada à resistência do mesmos na abordagem dos policiais.
- Serviço caprichado, hem Valtinho! Eu não teria feito melhor, visse? Pena que agora eu vou te que enquadra os malandro como manda a lei. Se tu tivesse me ligado antes o serviço teria sido completo rapaz...
- Tem nada não, Doutor Moisés. Faça como tem que ser feito. Nem mais, nem menos.
- Valtinho eu sou teu amigo... as provas contra eles são duas velhas que vão negar tudo na hora do julgamento. E aqui eles não ficam. Daqui a pouco chega um advogado e os cabra acabam na rua.
- Que seja doutor Moisés, que seja. Faça como tem de ser.
- Mas...
- Sem mas. Faça seu trabalho. Os homes tão aí. Faça o que tem de fazer. Agora é com o senhor.
Na mesma semana os três estavam liberados da prisão. Iriam responder o processo em liberdade. As provas eram poucas e dificilmente haveria alguma condenação. Ninguém entendeu nada, nem mesmo os assassinos, que tinham se contado mortos.
As audiências foram marcadas seis meses depois. Seriam em dias seguidos, um por um. A seção foi aberta. Valtinho se posicionou no branco da frente, logo atrás dos jurados, conforme permitido. O réu não apareceu. O advogado de defesa informou ao juiz que seu cliente sumira, sem nada dizer. O paradeiro era desconhecido por todos os familiares. Houve uma certa estranhes, haja visto que , como já dissemos, a condenação dificilmente aconteceria, pois as provas eram duas velhas medrosas. O juiz julgou o réu a revelia e expediu a prisão preventiva de Joana.
Nos dois dias seguintes ocorreu o mesmo: os réus sumiram. Novamente o juiz os julgou à revelia e expediu mandados de prisão.
Os três assassinos nunca foram encontrados.
Valtinho protestou no tribunal, mas depois de alguns dias já parecia conformado. Anda tranqüilamente por todos os bairros da cidade. A Galera da Vila Araes nunca o retalhou pela surra na Velha Rosa e Joana. Sabiam que a morte do Boi fora besteira e Joana tinha culpa, tanto que sumiu para não ser julgado. E brigar pra que se Valtinho nem vingar vingou?
A Velha se aquietou. Não cumpriu nenhuma ameaça que fizera. Suas maldições ficaram guardadas, caladas como ela. Levou consigo durante toda vida a certeza de que seu afilhado estava morto, juntamente com seus comparsas. Mas quem acreditaria numa velha macumbeira? Melhor não mexer no passado. Valtinho tinha sido mais esperto do que ela poderia imaginar.
Oxalá sabia.
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