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Contos-->A MORTE DE RIMBAUD -- 06/06/2003 - 06:52 (Felipe de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Lá estava eu, sentado, na biblioteca, lendo a vida de Arthur Rimbaud. Nunca poderia imaginar que existisse tanto sofrimento, tantas torturas e maldição na vida de um único homem. Eu não estava apenas lendo um livro, não, existia muito mais, eu estava vivenciando a vida e a morte de um amigo, de alguém muito precioso que tinha encontrado em alguma época, alguém que sabia se deslocar misteriosamente no tempo e no espaço e, mesmo hoje, passados mais de um século, ele estava ali, presente, mostrando a que ponto um homem pode ultrapassar todas as barreiras do tempo.

Nos momentos finais de sua pobre e curta vida, prisioneiro de uma cama de hospital, coberto de dores horríveis, medos hediondos, presente lúgubre, um desespero que nenhum homem poderia suportar, tendo certeza somente que a sua vida estava no final, ele chora as suas últimas lágrimas. Ele implora por uma ajuda que não virar nunca, contando somente com a presença da irmã Isabelle, busca refúgio nas últimas frases : “E pensar que amanhâ eu irei sob a terra e você caminhará dentro do sol.”

Todo o sofrimento da raça humana estava ali, prisioneira no corpo putrefado do poeta, deste homem que queria sempre partir para longe, não importa aonde, mas partir, a procura do sol, a procura do impossível, a procura de algo muito mais encantado e divino que a vida nos recusa inexplicavelmente. Ali mesmo, no meio daquelas pessoas desconhecidas, eu deixo o livro cair sobre a mesa e choro como jamais tinha chorado pela morte de um ser vivo. Não consigo conter as lágrimas, os desconhecidos se retornam, olham abismados, sem compreender muito bem o que está acontecendo. Eu também não sei o que está acontecendo comigo. Perco as diretrizes dos meus atos, sei somente que Rimbaud está morto, em breve também serei eu, nunca mais caminhar embaixo deste sol, soterrado, sepultado na mais sinistra das sepulturas e sem ninguém ao meu lado para segurar a minha mão no último instante.

Uma funcionária da biblioteca se aproxima e pergunta se estou me sentindo bem, se preciso de algo, não consigo lhe responder de imediato, os soluços são convulsivos, constantes, incontroláveis, não consigo articular uma única frase, choro, como nunca havia chorado na minha vida. Escondo o meu rosto entre as minhas mãos e choro como uma criança perdida no meio da multidão. Todos ficam silenciosos, surpresos mesmo, como se alguém tivesse acabado de morrer. Levanto-me, balbucio algumas palavras de escusas, a funcionária me acompanha alguns metros, peço desculpas novamente e saio da sala.

O ar da rua parece ter o poder de diminuir a minha dor, eu controlo cada vez mais os soluços, aos poucos, paro de chorar, resta somente um silêncio estranho dentro de mim. Os transeuntes atravessam as ruas, indiferentes, sonâmbulos, amorfos, caminham em todas as direções, eu também faço o mesmo. Eles jamais poderiam compreender : Rimbaud estava morto. Acabará de morrer, ali, bem na minha frente e ninguém poderia modificar este destino. A minha cabeça dói, tenho vontade de deitar na calçada e esperar que algo de novo aconteça. As palavras do poeta, pouco antes de morrer, chegam monotonamente : “O desespero retorna e você fica sentado como um completo impotente, chorando e esperando a noite, que trará a perpétua insônia e a manhâ ainda mais triste que a do dia anterior.”

Desço a rua na direção da Catedral de Notre-Dame : turistas de todas as nacionalidades e idades se basculam na porta da igreja. A Catedral continua impassível, sólida e insensível, diante do espetáculo constante das angústias e sofrimentos da humanidade. A minha dor de cabeça aumenta, continuo caminhando, o vazio interior ainda persiste, as palavras de Rimbaud ressurgem magistralmente : “Reviens, reviens, cher ami, seul ami, reviens. Je te jure que je serai bon...Tu não me esquecerás, não, tu não podes me esquecer... Si je ne dois plus te revoir, je m engagerai dans la marine ou l armée. O reviens, à toutes les heures je repleure.”

Eu também choro por todas essas horas de incompreensões de todos os amorosos do mundo. Eu também choro por Verlaine e por todos os amores impossíveis. Desço as margens do Sena e penso em me suicidar. É um pensamento meio ilógico, mas não posso evitá-lo, a proximidade do rio acelera esta minha inquietação, quase salutar, de findar num gesto brutal e irresponsável, toda a minha existência vacilante.

Novamente o poeta sussura nos meus ouvidos : “L automne, déjà! - Mais pourquoi regretter un éternel soleil, si nous sommes engagés à la découverte de la clarté divine, - loin des gens qui meurent sur les saisons.” Uma esperança renasce, aflora inexplicavelmente, apresso o passo, a minha cabeça parece que vai explodir, preciso tomar um medicamento qualquer, pressinto o caos aproximando-se a galope. “ Eu criei todas as festas, todos os triunfos, todos os dramas. J ai essayé d inventer de nouvelles fleurs, de nouveaux astres, de nouvelles chairs, de nouvelles langues. Eu acreditei adquirir poderes sobrenaturais. Eh Bien ! Eu devo enterrar minha imaginação e minhas lembranças.”

Fujo da aparente tranquilidade das águas do Sena, fujo dali para bem longe, longe do caos e da solidão. Penetro no primeiro buraco de metrô que encontro no meu caminho e sinto que a minha cabeça vai explodir. Preciso dormir. Preciso de uma aspirina. O barulho incessante do vai-e-vem dos trens, a algazarra de um grupo de crianças, vozes desconhecidas dos passageiros, silenciam cada vez mais as palavras proféticas do poeta : Rimbaud está morto.

Trecho do romance Fragmentos Submersos publicado pela www.livrorapido.com.br
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