Usina de Letras
Usina de Letras
42 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62253 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10450)

Cronicas (22538)

Discursos (3239)

Ensaios - (10374)

Erótico (13571)

Frases (50645)

Humor (20034)

Infantil (5443)

Infanto Juvenil (4773)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140812)

Redação (3308)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6200)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A hóstia -- 03/06/2003 - 02:06 (Luciene Lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Ficava namorando. Não fazia nada de mal.
Enquanto namorava, e não era um namoro desses de crescer à vista, já que à
frente de todos, via passar a costureira que, habitualmente à mesma hora,
saia com seu vestido de festa, perfumada, com batom vermelho "tipo cheguei",
não se sabe para onde, nem de onde vinha quase ao final da noite, sabia-se.
Nem beijo com o namorado trocava, via passar o padeiro, marido de Dona
Meire, coitada, doente, sozinha, contando os dias finais enquanto ele saia
para os folguedos da cidade. A hora em que voltava, esse sim, ninguém sabia.
E haviam as crianças, filhas dos vizinhos, umas já fumando com treze,
quatorze anos de idade, ocupando-se das vidas alheias com seus namoros em
nada comportados. As outras crianças, menores, ficavam por ali brincando,
falando palavrões de arrepiar o diabo se eram, por um motivo ou outro,
contrariadas.
Dona Joca sentava-se à frente da casa, fumando seu charuto de fumo de corda,
gritando para Dona Candia: - Sua filha é puta, sua mãe também é puta, toda a
família é feita de puta. Dona Candia batia a janela, fechando-a, quase pondo
a tremer todas as paredes de todas as casas geminadas, grudadas à sua. E o
alarido começava. Uma gritava de cá, a outra gritava de lá.
Seu Cotó passava com sua bicicleta que gemia feito cachorro doente, em fase
terminal de sarna.
As vezes ventava, e ainda assim toda essa peça teatral se repetia guardado o
respeito pelo vento que levantava saias, desmanchava penteados, empurrava
objetos e podia até trazer chuva para entrar nas casas com goteiras. E não
eram poucas as casas cujos tetos pareciam uma peneira.
A contar por todo o cenário dantesco, cada um preocupado em dar à luz mais
dinamismo, aquele namoro era fato corriqueiro, poderia passar sem ser
percebido, nem parecia namoro, na verdade.
Foi em dezembro que a cidade se deu por conta de que haveria casamento na
igreja central. Não se sabia porque era chamada de igreja central se nem no
centro ficava localizada. Tampouco havia outra igreja na cidade. Mas
deixemos isso para lá, o casamento foi marcado e quase toda a cidade foi
convidada.
No dia marcado, estavam todos lá, inclusive Dona Candia, de um lado, e Dona
Joca, de outro.
Um pouco antes do "sim", o padre - que, diziam, tinha duas amantes e dois
filhos com cada uma - distribuiu as hóstias ditas sagradas. A da noiva caiu
ao chão antes mesmo de tocar-lhe a boca.
Foi o suficiente para que um clima de suspense tomasse conta da nave
religiosa. Silencio instaurado. O mundo inteiro parecia estar estático, com
os olhos presos na hóstia, ali deitada no chão, como se zombasse da
inocência do anjo, como testemunha contrária a fazer também sua parte no
mundo da futrica. Quem poderia, afinal, desmentir o poder de uma hóstia?
O padre, tendo que fazer alguma coisa, pegou delicadamente a hóstia, que
até parecia sorrir de forma zombeteira, e a colocou sobre o púlpito forrado
de renda branca. Pegou outra hóstia para a noiva e, essa, cumpriu mansamente
seu papel de hóstia indo parar no lugar onde devia, sem cair ao chão, sem
chamar nenhuma atenção. Os fieis, no entanto, já estavam saindo da igreja,
não podiam presenciar o casamento depois da denuncia da primeira hóstia.
Não houve casamento. A noiva caiu em prantos. Levaram-na para a sacristia,
tentaram acalmar-lhe, mas nada foi resolvido. O noivo voltou para casa,
desolado, consolado pelos familiares. Nunca mais houve casamento. Ele
casou-se, depois de muito tempo, com uma moça da cidade vizinha e apenas
teve certeza de ter feito a escolha certa quando constatou que a hóstia, no
dia desse casamento, não caira.
A moça resguardou-se por meses, talvez até anos, mas acabou indo morar com
uma irmã na cidade grande.
E o vilarejo continuou com seus desacertos e até hoje, dizem, aquele foi o
maior pecado testemunhado na cidade... onde já se viu, um namoro às nossas
vistas e a hóstia declarando que aquilo não era certo....e Dona Joca dizendo
que aquela também não era pura...era...sim, também era, como a mãe, da mesma
família de Dona Candia.

L.Lima


Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui