Achados de Repente IV
Paulo Nunes Batista*
Preto, pobre, cego de nascença, filho de mãe solteira, cantava coco de ganzá na feira, pra ajudar a mãe, lavadeira de roupa, que lá um dia morreu. Um vizinho, com pena dele levou-o para o mercado, onde ele ficou calado, jururu, no canto. Passou um conhecido e lhe disse:
Fique triste não, ceguim. Cante um verso aí que eu lhe dou uma nota. E ele, balançando o caracaxá, improvisou:
Já tive muito prazer
Hoje só sinto agonia
Não choro porque sou cego
Eu sinto a falta da guia.
Quando mamãe era viva,
Eu era um cego que via.
Porque a mãe, o guiava, ia lhe dizendo as coisas, os fatos, as pessoas que passavam e paravam para ouvi-lo e vê-lo cantar. Era os olhos dele.
(*) é poeta, cordelista, repentista, compositor, jornalista e escritor paraibano, radicado há mais de 50 anos em Anápolis- Goiás.
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