Para exercitar meu dom de ver
Com os olhos fechados o que quero
Entre as margens do medonho
Por onde corre o rio do sonho
Imagino minha esplêndida ponte
Que só vale a pena desfrutar
Enquanto durar a travessia
E já nada me adianta ignorar
A realidade de dia para dia
Nos rostos que transitam aflitos
Marcados por sufocados gritos
Mas que perpassam embuçados
Entre as rugas abertas num sorriso
Fingindo que tudo está bem
Inicio a visionária marcha
Até ao meio do arco dourado
A contemplar a corrente franca
Toda vestida de morte branca
Qual noiva fielmente eterna
Que me convida à união suprema
Inexoravelmente indissolúvel
Lanço-me então em voo planado
No espaço de encontro à emoção
Que me penetra poros e enfim
Desapareço de lábios no sim
Que sequer chego a pronunciar
Enquanto meu corpo pulsa ainda
Os meus derradeiros gestos...