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Artigos-->A política de cotas e a discriminação racial -- 25/02/2021 - 17:53 (Magno Antonio Correia de Mello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Depois de mais de uma década afastado, estou voltando à Usina de Letras com um objetivo específico. Entre as inúmeras políticas públicas destruídas pelo atual governo, existe uma que sofre ameaça ainda mais séria que as outras. Refiro-me à reserva de vagas em concursos públicos promovidos por órgãos e entidades da administração pública federal para pessoas de raça negra.

Em recente processo seletivo realizado pelo Ministério da Economia, houve uma reprovação em massa de candidatos inscritos como cotistas. A primeira comissão preparou um parecer padrão para reprová-los, em que se afirmava que eles não seriam negros "sem artifícios", o que configurou uma atitude leviana e despropositada contra os candidatos, acusados de cometer fraude sem prova e sem cabimento. A comissão de recursos, também em uma resposta padrão, alegou que somente poderiam ser consideradas de raça negra as pessoas que, pela sua aparência, seriam vítimas de discriminação racial. Em relação à candidata que estou representando junto ao Poder Judiciário, o posicionamento é tão medonho que ficou demonstrada a falta de disposição até mesmo para se examinar as fotografias da moça, identificada como duzentas vezes como "candidato" no parecer padrão da banca revisora, apesar de pertencer a outro gênero.

É uma situação extremamente grave, porque não posso enxergar em atitudes assim outra explicação além do desejo de desmoralizar a política de cotas. A revogação da Lei nº 12.990, de 2014, não seria aceita pelo Poder Legislativo. A alternativa, para seus detratores, ao que tudo indica, reside em transformar sua aplicação prática em um despropósito imenso, capaz de tornar assustador o ato de se inscrever em concurso público para disputar vagas reservadas a pretos e pardos.

Meu engajamento no tema decorre não apenas das minhas convicções a respeito, mas também de um drama pessoal de proporções desumanas. Os que assistirem ao vídeo situado no endereço https://www.youtube.com/watch?v=CuqDtJSQPr8 constatarão que não me envolvi na discussão sem motivo. Minha própria filha foi violentamente agredida por indivíduos que sustentam a tese absurda a que me referi, cujos problemas são incontáveis.

De fato, o critério em questão, utilizado para prejudicar Rebeca, não apenas demonstra o racismo estrutural que inferniza este país como também o alimenta. As pessoas que comparecem a procedimentos destinados a conferir a condição racial dos candidatos inscritos como cotistas com o intuito de aplicar a tese estapafúrdia que descrevi, isto é, só aprovar candidatos que na concepção do examinador seriam vítimas de discriminação, não percebem que a operação somente será solucionada pelo racismo de quem analisa a autodeclaração, porque ninguém pode se transferir para outra pele e sofrer discriminação em nome alheio.

Não sei se me fiz compreender. Para tentar ser mais claro, peço que compreendam a lógica absurda da coisa. Se um indivíduo participa de uma banca examinadora e tenta enxergar nos candidatos potenciais vítimas de racismo, para aprová-los como negros, não terá como recuperar a história de vida do candidato e apurar a discriminação que ele efetivamente sofreu. Projetará nele seu próprio e inaceitável preconceito.

É evidente que a política de cotas tem como origem a desvantagem crassa e inegável da população negra, aí incluídos tanto pretos, que sofrem mais, quanto pardos, que também não conhecem o melhor dos mundos. É resultado de uma discriminação agregada e consolidada ao longo do tempo, desde a chaga da escravidão, que o grupo social dominante impôs aos que inferiorizou, de forma certamente torpe e inaceitável. Mas esta justificativa não autoriza que só se possa reconhecer como de raça negra uma pessoa que se suponha sofra discriminação racial, não em sua história de vida, mas na concepção de quem verifica a condição sustentada quando da inscrição no concurso público.

Os que defendem tal concepção, completamente disparatada, parecem não perceber que racismo é crime. Grave e inafiançável. Como ninguém em tese pode ser vítima de crime, estará extinta a raça negra, a partir da construção a que me reporto, quando ele não for mais cometido, o que seria um resultado absurdo e sem nenhum sentido.

A discriminação que cada candidato sofreu é um problema que não pode sequer ser cogitado de forma abstrata por outra pessoa e se espera, sempre que possível, que o Estado interfira em sua defesa, papel da polícia, e não da reserva de cotas em concursos públicos, quando se caracterizar que foi vítima do delito. Os examinadores devem se ater a verificar se o candidato pode ou não ser considerado negro por suas características, as quais não precisam, não devem e não podem ser alvo de preconceito. O círculo vicioso criado pelo entendimento insano que descrevi precisa ser imediatamente desfeito, sob pena de a reserva de vagas em concursos públicos promovidos pela administração pública federal, ao invés de superar, exacerbar as desvantagens sociais das pessoas de raça negra.

Peço-lhes que reflitam a respeito. E que se inicie, neste espaço amplo e democrático, o mais rápido possível, um profícuo debate a respeito.

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