Dona Carmem já estava cansada de ver tanta responsabilidade no trabalho do jovem motorista que sempre a levava para a fábrica. O rapaz realizava sua tarefa com prazer, tratava bem os passageiros, nunca se irritava, e dirigia muito bem.
Mulher de criação rural, dona Carmem, além de boa observadora era justa. Sendo assim, ligou para a empresa de ônibus para elogiar o motorista que ela admirava tanto.
O telefonema deu-se nos seguintes termos:
-BR transportes coletivos Marta falando bom dia, atendeu a telefonista (tudo emendado, assim mesmo, com voz de robô).
-Bom dia, respondeu dona Carmem, eu sou moradora do conjunto Santa Clara e sempre tomo o ônibus da linha 172 para chegar ao trabalho às 6:10 no ponto do supermercado Gavião...
-Qual a sua reclamação minha senhora? Bruscamente interrompeu a atendente.
Dona Carmem inocente continuou o diálogo.
-Eu sempre pego o ônibus nesse horário que te falei com o mesmo motorista e esse menino é muito boa pessoa. Meu nome é Carmem.
-Qual é a reclamação senhora?! Interrompeu novamente a moça.
-Não tenho reclamação minha filha, eu quero elogiar o motorista que sempre me leva pro trabalho.
-Esse é o setor de reclamações, a senhora não deveria ligar nesse telefone. Disse a telefonista, irritada.
-É que o rapaz é muito bom motorista, nunca perde a calma, mesmo quando o povo xinga a mãe dele, sempre sem motivo, e eu queria elogiar o trabalho dele.
-Minha senhora, já disse, aqui é o setor de reclamações e esse é o telefone para receber reclamações!
-Então qual é o telefone que eu posso ligar para elogiar um motorista?
-Não sei, disse rindo em seguida, não temos telefone para receber elogios na empresa, falou a atendente.
-E como vocês ficam sabendo se um motorista da empresa é bom?
- Nós não precisamos saber se o motorista é bom, basta saber se ele é ruim. Se o motorista recebe muitas reclamações é porque ele é ruim e pronto! Fala a moça friamente.
Breve silêncio. Dona Carmem ouve um pequeno suspiro e faz nova pergunta:
-E o que eu faço para que um elogio de um passageiro entre na ficha de um motorista? Do outro lado a moça solta uma risada e responde rispidamente:
-Minha senhora, elogios não entram nas fichas dos motoristas, só queixas! Demorou um pouco e continuou. Eu posso sugerir que a senhora fale pessoalmente com o motorista e diga o que pensa dele.
-Tá, obri...
-A BR transportes coletivos agradece a sua ligação e tenha um bom dia, a moça interrompeu a senhora, disse a frase robotizada e desligou o telefone.
Dona Carmem estava decidida. No outro dia tomou o mesmo ônibus de sempre e quase ao pé do ouvido contou a estória que havia se passado no telefone ao jovem motorista. O rapaz ficou chocado com a frieza da empresa, agradeceu os elogios de dona Carmem e seguiu viagem. Poucas semanas depois o rapaz foi substituído por um outro motorista. Rude, bruto, um animal. Dona Carmem depois soube que o jovem motorista havia conseguido um emprego bem melhor numa transportadora.
Sempre que o novo motorista era malcriado com um passageiro ou cometia uma barbeiragem, dona Carmem falava baixinho para si:
-Esse sim, está no lugar certo.