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Contos-->Um homem prático -- 07/05/2003 - 15:00 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Conheci seu Gumercino quando tinha doze anos, era um homem diferente dos tantos que eu conhecera em minha vida. Trabalhava como bodegueiro na praça Ipiranga, em Caibi, vendendo todas as bugigangas imagináveis. Sua pequena tenda era famosa pela diversidade, mas o que mais me chamava atenção era sua praticidade; para tudo tinha uma solução rápida na ponta da língua, coisa de efeito imediato, sem maiores delongas.
Quando alguém reclamava que a esposa o atormentava, ele não tinha dúvidas:
- Separa, ué! Vai viver com a bruaca pra quê?
E se o emprego não era satisfatório por qualquer motivo, ele orientava:
- Pede as contas, ué! Vai fica trabalhando pro canalha pra quê?
Além de orientar ele praticava este hábito em seu cotidiano. Não viva com ninguém, pois nenhuma mulher suportava seus modos. Tentou com uma negrinha da Linha Beira Rio; um semana depois achou mais prático deixa-la, ela também achou mais prático ir-se embora, sem cobrar pensão e casar com alguém menos estranho.
Um dia o padre foi até a bodega para um copo de vinho. Como o movimento estava fraco, Gumercindo foi à mesa onde do reverendo :
- E aí seu padre, como vão as coisas?
- Há! meu filho, vão como manda nosso Pai.
- O vinho está a seu gosto?
- É bom filho, é bom.
- Tem missa hoje?
- Mas é claro. Então não sabe nem a hora da missa?
- Pra dize a verdade não.
- Meu filho precisa ir à igreja.
- Pra quê?
- Como pra quê?
- É, pra quê?
- Meu senhor é necessário que cumpras suas obrigações como Cristão!
- Pra quê?
- Ora, não acredita em Deus?
- Em Deus é claro.
- E como manifesta sua fé nele?
- Eu não manifesto.
- E diz acreditar?
- Claro!
- Qual a sua religião?
- Nenhuma, ué!
- E não sabe que precisa de uma religião?
- Quem disse?
- Deus.
- Quando?
- Quando se manifestou aos profetas.
- Onde está escrito isso?
- Na Bíblia.
- Em que parte?
- Quando se manifestou a Pedro.
- Ele nunca disse que precisava de uma religião.
- Disse sim.
- Olha seu padre, eu não preciso de nenhuma religião para expressar minha fé e pronto.
- Não creio que um homem sem religião seja crente em Deus.
- Pois está diante de um. Me responda: qual a vantagem de ser católico, por exemplo.
- Muitas. O católico é batizado; passa a primeira comunhão; é crismado; casa-se e morre com dignidade.
- E pra que tudo isso?
- Pra confirmar os compromissos de seus pais.
- E quem disse que eu quero confirmar algum compromisso que não sejam os meus?
- Mas no batismo seus pais entregaram você pra Deus. Além disso quando morrer terás um enterro decente.
- Ué, quer dizer que se eu não for católico não vou ter um enterro decente.
- É isso?
- Ora, eu pago meu enterro e quero ver se meu enterro vai ser decente ou não.
- Mas não vai pro céu.
- Vou.
- Não vai!
- Como sabe?
- Porque eu sou padre.
- E por ser padre sabe tudo?
- De Deus sim.
- Não diga!
- Está ironizando um enviado de Deus.
- O senhor?
- É, eu mesmo.
- Olha seu padre não me leve a mal, mas só teve um enviado de Deus e foi Jesus.
- Mas Jesus delegou pra igreja a continuidade de sua obra.
- Qual igreja?
- A católica.
- Quem disse?
- A Bíblia. Quando Pedro recebeu do próprio Cristo a missão de fundar a igreja católica...
- Quem disse que Pedro fundou a igreja católica?
- Mas isso todo mundo sabe.
- Ué! Eu estou sabendo agora.
- Veja que falta faz uma religião.
- Olha seu padre, se ficarmos discutindo o senhor não vai me convencer e muito menos eu. Não existe discussão mais besta que religião; portanto o senhor bebe seu vinho que eu vou cuidar de meu trabalho.
Doutra feita a filha do dono da Loja Caibiense foi queixar-se que estava grávida. Ele não teve dúvidas:
- Aborta, ué!
- O senhor está doido?
- Por quê?
- Como eu vou matar meu filho?
- Tem tanta clínica por aí...
- E depois, como vai ser?
- Você voltar a menstruar e tudo bem.
- O senhor é um assassino!
- Eu sou é prático. Pensa a confusão que esse menino vai te causar.
- É verdade...
- Então...
Mesmo com toda sua frieza, ninguém tirava sua razão; era impossível não concordar. Haviam exageros, mas em minha tenra adolescência, cheguei a admirá-lo.
Certo dia chegou a notícia de que seu Gurmecindo tinha sido morto, vítima de um assalto, dentro de sua bodega. O motivo fora sua praticidade. Disseram os vizinhos que o ladrão chegou e anunciou o assalto:
- Rapidinho, a grana!
Seu Gumercindo mal ergueu os olhos diante da arma apontada, o que irritou o meliante.
- É surdo, é?
Gurmencindo sorriu irônico.
- Ei! Tá rindo do quê, velho safado? Me dá essa grana logo!
- Sabe quanto dinheiro eu tenho aqui?
- Não sei, passa logo tudo!
- É mais do que possa carregar...
- Eu carrego, passa logo!
- Cadê a bolsa?
- Bolsa? Pra quê?
- Prá levar o dinheiro, ué! Vai levar assim na mão pra perdê no caminho?
O ladrão ficou indeciso por um instante.
- Então arranje logo essa porcaria.
- Eu não tenho.
- Como não tem? O que tu vende nessa porcaria?
- Ué? Tu sabe muito bem o que eu vendo. Tu e teus amigos da Cohab bebem aqui toda a semana!
- Então me conhece?
- Lógico. Não só você, como seu pai, sua mãe e seus irmãos; são oito.
- Nove...
- É mesmo, nove...
- Pior pra ti.
- Por quê?
- Porque vai levá um bala.
Calmamente seu Gumercindo colocou cachaça em um copo e estendeu ao assaltante.
- Bebe, é por conta da casa.
O sujeito não bebeu. Encostou o revólver na cabeça do bodegueiro.
- Eu não tô brincando.
- Ei, ei! calma. O que pensa que vai fazer? Leva meu dinheiro hoje e vai preso amanhã. A essa hora toda a vizinhança já te viu....
- Cala a boca! – engatilhando a arma.
- Calma menino, essa arma pode disparar. Vá pra casa que eu prometo não te entregar; sabe que eu tenho palavra.
O bandido refletiu por uns instantes.
- O que tu não sabiá é que eu fugi da cadeia essa semana. Eu tô com trinta anos de cana, portanto poca diferença faiz.
Gumercindo entendeu que o homem tinha razão. Abriu a registradora e estendeu as poucas cédulas que tinha.
- Ei! E o resto?
- Que resto?
- Tu falô que tinha muita grana aí. Cadê o resto?
- Aquilo não era sério...quer dizer eu tava brincand....
- Seu safado! Tava ganhando tempo não é? Pensô que eu sou otário.
- Não, não!
- Ora, tá com medo, seu cagão.
- Cuidado com isso...pode disparar!
- É, e vai disparar bem no meio dessa cabeça.
Gumercindo sentou-se:
- Se vai atirar, atire logo, afinal amanhã tenho um dia cheio e não posso ficá perdendo tempo com um bosta como tu.
Foi bem assim, prático. Ninguém sabe se foi truque para enganar o ladrão ou realmente falou à sério. Nunca ninguém saberá. O fato é que, sem que Gumercindo acreditasse, o bandido puxou o gatilho, acertando o meio de seu peito. Bem prático, como a vítima gostaria.

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