PRISCILA E OS POETAS CANADENSES
bill bissett, Nancy Passy,
Lenore A. Pratt, Linda Sandler, Hans Johnsen e John Mcleod
L. C. Vinholes
Depois
de duas experiências no Japão, atravessei o Pacífico e comecei uma longa estada
no Canadá. Não foi nada difícil acostumar-me com a nova vida em Ottawa, onde
pude desenvolver um trabalho sumamente gratificante, pelo menos no relativo à
divulgação das artes plásticas produzida por artistas brasileiros. Inúmeras
vezes, meus contatos no Brasil facilitaram a obtenção de apoio e material
diversificado e rico, apreciado por um público que se tornou cativo, mas que,
também, adquiriu número expressivo de obras. Ao mesmo tempo, procurei conhecer
o ambiente cultural canadense, concentrando meu interesse especialmente no
relativo à música e à poesia. Mas foi a poesia que mais me chamou a atenção,
por estar sempre presente, especialmente nas páginas de jornas e em publicações
especializadas, como a The Canadian Forum,
fundada em 1920, na Universidade e Toronto, publicação considerada esquerdista,
abrangendo assuntos culturais e políticos e que encerrou suas atividades no
primeiro ano deste século, depois de, por décadas, publicar textos sobre os
pintores do Grupo dos Sete e textos literários e poesias de figuras da
importância de Margaret Atwood e Early Birney.
Acompanhando
o que trazia o The Ottawa Journal, chamou minha atenção a
frequência dos poemas de Nancy Passy, com marcante afinidade com a poesia
clássica japonesa conhecida como haikai,
não na forma, mas sim na leveza do seu texto, na afinidade e delicadeza, quando
lidando com as caraterísticas das estações do ano do hemisfério norte. Escolhendo
vinte e seis poemas, em 1979 organizei a, até hoje inédita, miniantologia
bilíngue Bosquejos dos Quatro Ventos,
edição datilografada com cinco cópia e encadernação artesanal, dividida em
quatro partes, cada uma iniciada com uma sazonal ilustração, também de autoria
da poetisa canadense.
Na
The Canadian Forum os poemas eram
sempre de diversos poetas, não tão conhecidos, e a eles também me dediquei com
interesse e curiosidade. Na expectativa de, eventualmente, criar um elo de
contato com os autores, sempre que terminava a tradução de um poema enviava uma
cópia para o endereço da revista e, dentro do mesmo envelope um outro envelope
endereçado ao autor do poema, contando com a intermediação dos editores. Embora
nunca tivesse recebido resposta ao meu gesto, não abandonei meu plano. Por
intermédio da bibliotecária Janet McGregor, obtive exemplar do livro de poemas da
celebrada poetisa Susan Musgrave, dedicado ao público infantil, tratando das aventuras
do gato Gullband e seus parceiros:
Grim, um sapo de boca grande, e Thrum, estranho no seu aspecto, resultado do “cruzamento
de um lagarto com um bicho qualquer”. Chama a atenção o poema Gullband ao Brasil e a ilustração mostrando
o gato com cabeça e meio corpo enfiados em um calçado masculino feito de couro
de jacaré que, como curiosidade, traduzi, chamando a atenção passagens tais
como a que, em verso livre, diz:
“As crianças no Brasil
nunca tinham visto um gato,
elas colocaram-no em uma gaiola
e deram-lhe de comer
bananas”.
Experiência
gratificante foi a com o poeta de Vancouver bill bisset, assim, em minúsculas
como deseja, poeta “não convencional” que conheci em 27 de março de 1979, quando
ele visitava Ottawa para, na Galeria Saw, participar de evento para leitura de poesias.
Convencido por seu pragmatismo em querer “quebrar todos os sistemas rígidos,
incluindo gramaticais e linguísticos”, o que pratica na redação dos seus textos,
e pela sua importância no âmbito da nova poesia canadenses, escolhi o primeiro
bloco de um poema da antologia Medicina,
minha boca em fogo, para texto da minha composição Tempo-Espaço XIV (1978),
com partitura de leitura-preparada para vozes e flauta solo:
suk a
soul lik tjs
soul eatin ths soul
ya sukkin ths
heer soul
soul suk
suk a soul
.
Sobre
esta composição, o professor Paulo Cesar Moura, no seu livro Música Informal Brasileira (2016), fez os seguintes comentários:
“Nesta obra, a realização instrumental deverá
acontecer simultaneamente à leitura do poema “Suk a ...”. O autor estabelece
uma correspondência entre as letras utilizadas no texto e uma escala cromática,
criando assim módulos equivalentes às palavras/vocábulos, e que podem ser
executados na sequência e intensidade desejada pelo intérprete. A possibilidade
de repetição de cada um dos módulos depende do número de vezes que as
palavras/vocábulos equivalentes aparecem na poesia. A notação aqui utilizada é
tradicional e determinadas notas podem ser executadas em qualquer oitava. Para
a leitura do poema o autor criou uma partitura esquemática a partir de sua
espacialização por meio da divisão por sílabas ou letras em dez linhas, cabendo
a cada pessoa ou grupo de pessoas a leitura horizontal de cada uma delas. Timbres,
alturas, intensidades e andamentos ficam a critério dos intérpretes. A formação
vocal é livre, podendo ocorrer qualquer mistura de vozes masculinas, femininas
ou infantis. A ordem do poema é fixa e o autor sugere que seja feito um
crescendo lento e gradual”.
Como
testemunho do permanente contato com bisset, recebi, autografadas, as antologias
de poemas: Sailor (1978), Soul Arrow (1980), Beyond Even Faithful Legends (1980), Animal Uproar (1987), What we
have (1988), sublingual (2008),
bem como o romance a quarto mãos griddle
talk - a year uy bill n carol dewing brunch (2009), produzido com a parceria
de Carol Malyon, e o intitulado novel,
“um romance reunindo poemas e ensaios” (2011). Juntamente com obras de Early
Birney, bpNichol e a memorável antologia Four
Parts Sand (1972), com poemas de Earle Birney, bill bissett, Judith
Copithorne e Andrew Suknaski, as obras de bisset hoje fazem parte da Coleção
Vinholes, do Centro de Referência Haroldo de Campos, na Casa das Rosas em São
Paulo. Esclarecendo o porquê do l.c. nas dedicatórias de bisset, registro que ele
e Lloyd Stanford, coordenador e produtor da Rádio Comunitária CKCU FM 93.1 da
Universidade Carleton, de Ottawa, parceiro dos programas de música e poesia
brasileira de meados de 1982, intitulados Mosaico da Literatura do Brasil, são
os únicos canadenses que sempre me trataram pelas iniciais do meu prenome: elece, em inglês élci.
Recentemente,
colega e amiga contemporânea de parte dos anos vividos no Canadá presenteou-me
com xerox de originais e cópias datilografadas das minhas traduções de cinco
poemas canadenses, material por ela guardados durante décadas: Amor não correspondido (1978), de Nancy
Passy e que não consta da citada miniantologia e Insinuação (1978) de Lenore A. Prates, publicados no The Ottawa
Journal; História para o vencido / pode
bradar alas, de Linda Sandler; Franklin / Nevasca no amanhecer (para Dave
West), de Hans Johnsen; e Priscila e João
P, de John Mcleod, nas páginas do The Canadian Forum.
Depois
de uma rápida revisão, coloquei lado a lado os originais e as traduções destes
poemas que aqui figuram recuperados:
POEMAS CANADENSES DE 1978
UNREQUITED LOVE
Nancy Passy
Don’t shrug your shoulders at my love
Which lingers in your garden of enchantment,
Where sincerity is just a whisper away,
While your seasonal love,
Echoes from a distant cloud
Ottawa Journal,
October 10, 1978.
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AMOR NÃO CORRESPONDIDO
Nancy Passy[i]
Não dê as costas ao meu amor
Que permanece no teu jardim de
encanto,
Onde sinceramente é apenas
distante murmúrio,
Enquanto teu amor sazonal,
Ecoa de uma nuvem distante.
Ottawa Journal, 10 de
outubro de 1978.
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INTIMATION
Lenore A. Pratt
Days before the end of summer
In this still air comes intimation
Of approaching autumn.
Cabrapples have a pale bloom
Like that of ripened grapes and hang
Ready for gathering on laden branch.
Barries of Mountain Ash are tinged
Each day dipper with tint of ochre:
This year’s flock of robins
Already claims the fruitfull tree.
Some small creature scurries
Daylong over the rooftop seeking
Snug winter crevice under the eaves.
From time to time a sig le leaf
Drifts reluctant to the grass.
Moonlight lies unbroken by a ripple
On glassy water of Mooney’Bay.
We who know each season well,
Sense approach of autumn
In noonday lilt of goldfinches,
Brief garden visitants, this memory
A beauty to cherish, a beauty
All too soon to go.
Ottawa Journal,
August 23, 1978.
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INSINUAÇÃO
Lenore A. Pratt
Dias antes do fim do verão
Neste ar tranquilo vem insinuação
De outono chegando.
Macieiras bravas têm um florir pálido
Como o das uvas amadurecidas e pendem
Prontas para carregar em galhos repletos
Amoras do Monte Ahs pintam
Cada dia mais com tinta ocre.
Os bandos de tordos desse ano
Já reivindicam a árvore frutífera.
Algum ser minúsculo dispara
O dia inteiro na cumieira procurando
Confortável abrigo invernal sob o telhado.
Vez por outra uma folha só
É levada relutante para a grama.
O luar permanece inabalado pela ondulação
Na água cristalina da Baia de Mooney[ii].
Nós que conhecemos bem cada estação,
Sentimos o aproximar do outono
No canto de pintassilgos ao meio-dia,
Visitantes apressados do jardim, esta lembrança
Uma beleza a acariciar, uma beleza
Toda tão pronta a findar.
Ottawa Journal, 23 de
agosto de 1978.
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HISTORY TO THE DEFEATED/
MAY SAY ALAS
Linda Sandler
You dealt cards in a candlelit barn
and turns up spades;
you lay all night in your apartment
watching the darkness
Now luminous hands on the dial
say your hour has come;
you turn back the badecover,
seconds elapse like days
and you take nothing with you
you ae running half bent
for the exit
You look up and there are
flaming trees
Towers are gutted , they fold
like clams
and the earth receives them
This is sunrise hour and arid sun
hangs on the
edge of the sky
The city becomes an hypothesis
and you are becoming
a melody, a halftone on the flute,
an historical footnote
A woman descends on a silver wire,
she is Queen of Spades
You remember days of perfect communion
and you are afraid of nothing:
you mouth shapes her name,
your lips touch,
you rediscover romantic love
and a silver
wire
detonates inside your skull
The Canadian Forum
Vol. LVIII nº 683, September 1978.
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HISTÓRIA PARA O VENCIDO/
PODE BRADAR ALAS
Linda Sandler
Carteias num barracão iluminado
à velas
e dá espadas;
deitas a noite toda em teu
apartamento
espreitando a escuridão
Agora mãos luminosas sobre o
mostrador
dizem tua hora chegou;
puxas as cobertas,
segundos passam como dias
e nada levas contigo.
Disparas meio curvo
para a saída
Olhas para o alto e lá estão
árvores em chama
Torres são destruídas, elas se
dobram
como amêijoas
e a terra as recebe
Esta é a hora do nascer do sol,
e o sol árido
pende no canto do céu
A cidade vira uma hipótese
e estas voltando
uma melodia, um meio-tom na
flauta,
um rodapé histórico
Uma mulher desce num fio de
prata,
ela é a Dama de Espadas
Recordas dias de perfeita
comunhão
e estás preocupado por nada:
tua boca balbucia o nome dela,
teus lábios tocam,
redescobres amor romântico
e um fio
de prata
detona dentro do teu crâneo
The Canadian Forum
Vol. LVIII nº 683,
setembro de 1978.
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FRANKLIN / EARLY MORNING
BLIZZARD
(FOR DAVY WESTER)
Hans Johnsen
this morning
a veil of snow
draws over the face
of the
sun
in the tent
the men
still burry their eyes
in sleep
even the dogs
howl in fear
of their sight frozen of
I lie awake
scratching the dream
from the eye of my mind
to record the light
falling away
perhaps
in all
this is
the best place
to grow
blind
The Canadian Forum
Vol. LVIII, nº 684, September 1978.
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FRANKLIN / NEVASCA O AMANHECER
(PARA DAVE WEST)
Hans Johnsen
esta manhã
um véu de neve
cerra sobre a face
do
sol
na barraca
os homens
ainda sepultam seus olhos
no sono
até os cães
uivam de medo
de suas vistas congelarem
estou deitado desperto
cossando o sonho
desde o olho de minha mente
para registrar a luz
desfigurando
talvez de todos
este seja o melhor lugar
para crescer sego
The Canadian Forum
Vol. LVIII, nº 684,
setembro de 1978.
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PRINCILLA AND JOHN P
John Mcleod
After
a lifetime with John P
Priscila
became made
I’m note saying
eight children
and a diet of porridge
left marks
but
the truth is
near the end
Priscilla
was made
Her life
had been a life of order
mumbling prayers
in the
confessional
and taking her medicine
with John P
Priscilla
was the one
who ordered the farm
ordered the man of the town
directed the roads
commanded the night lights
pressed down the skirt pleats
pushed down the hills of the valley
said her piece
and called God
twice a day
But near the end
she took a burning shirts and smiling
scattering flour o the floor
peeking from behind books
confessing to the strangest things
not wearing bloomers
and spreeding her legs
In the olddest fashion
The Canadian Forum
Vol.
LVIII nº 682, August 1973.
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PRISCILA E JOÃO P
John Mcleod
Depois
de uma vida inteira com João P
Priscila
ficou doida
não quero dizer
que oito crianças
e uma dieta de mingau
deixou marcas
mas
a verdade é
que perto do fim
Priscila
estava doida
Sua vida
tinha sido uma vida de ordem
murmurando preces
no confessionário
e tomando seu remédio
com João P
Priscila
era
quem mandava na fazenda
mandava no homem da vila
mostrava os caminhos
controlava as luzes da noite
passava as pregas da camisa
aplainava as colinas do vale
dava seu palpite
e chamou a Deus
duas vezes por dia
Mas perto do fim
ela passou a queimar camisas e
sorrindo
espalhando farinha no chão
espiando por trás de livros
admitindo as coisas mais
estranhas
não vestindo calções
e abrindo suas pernas
à moda antiga
The Canadian Forum
Vol. LVIII nº 682,
Agosto de 1973.
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Um
registro que me parece complementar é sobre Priscila, não a com dois ll do
poeta canadense, mas a que foi fiel depositária de meus poemas, crítica de
algumas das minhas traduções e parceira dos horários de almoço no tempo em que
estávamos lotados na embaixada do Brasil em Ottawa. Com Licenciatura em Letras
pela UFC, Priscila é filha de Antônio Girão Barroso, cearense do Araripe, escritor, poeta, jornalista e professor da
Universidade Federal do Ceará, membro fundador do Grupo Clã na década de 1940 que
reuniu os expoentes do modernismo cearense. Carlos Augusto Viana sintetiza sua
última fase poética quando diz que se interessou pela “busca do coloquialismo
da fala brasileira; daí a valorização dos versos livres e brancos ou, então, a
combinação de versos variados”. Priscila é irmã do também amigo Oswald Barroso,
figura sempre envolvida com a defesa e promoção da cultura cearense, poeta, jornalista, teatrólogo, dramaturgo,
autor de mais de quinze livros e membro do corpo docente da Universidade
Estadual do Ceará, reuniu escritos dos últimos 30 anos, na obra Ceará Mestiço, lançada em abril de 2019.
A amizade com Priscila se consolidou não só no ambiente de trabalho, mas também
graças à coincidência de interesse pela cultura e pela arte. Prova disto é que,
no início de 1978, participamos de um curso prático de técnica de vitral, na
galeria You Frame It, com resultados
preliminares satisfatórios.
Certa
vez, na volta do almoço, Priscila e eu passamos em uma galeria da Rua Albert
onde adquiri escultura de um pássaro esculpido em pedra-sabão preta, criação da
inuit Anirnik Ragee, esquimó de Cabo
Dorset, no norte do país. Paralelamente ao cuidado que dedicava aos seis filhos,
esporadicamente esculpia pequenos pássaros que vendia para suplementar a renda
familiar. Fiquei com o pássaro, mas à Priscila dediquei o poema Voo Impossível:
pássaro de pedra
que o céu não conhece
não olha o céu
não sabe voar
pássaro de pedra
nem pedra nem pássaro
o céu não te espera
não tentes voar
Embora de pedra e não podendo
voar, o pássaro preto, em voo de
migração, mas sem volta, cruzou as Américas e hoje encontra guarida no Museu de
Arte Leopoldo Gotuzzo, de Pelotas (RS).
Durante
os anos em que Priscila esteve lotada em Praga, dá Primavera de 1994 até o
final de 1997, ela foi minha ponte de contato com Stanislav Hrubý, flautista da
Orquestra Sinfônica Checa, com quem, durante curto período e enquanto as
autoridades do regime lá vigente permitiram, troquei comedida correspondência. Hrubý
chegou a ser professor de flauta de Érica, a filha mais moça de Priscila. Descobri
Hrubý em um dos verbetes da enciclopédia International
Who´s Who in Music, de 1977. Escrevi a primeira carta e enviei a partitura
da peça dodecafônica Existencialismo (1958), para flauta solo, trilha sonora
para a coreografia homônima da estadunidense Mary Mackinney, e a resposta chegou
em janeiro de 1978, registrando impostas limitações:
“I appreciate your
friendly attention. I can interpret much more exacting compositions too, but
not publicly. I am only an orchestral player. For activity of soloist I have
not already a disposals, I regret deeply that I cannot send you a joyfuler note”.
(Aprecio sua amistosa atenção. Posso interpretar composições muito mais
exatas também, mas não publicamente. Sou apenas um músico orquestral. Para a atividade
de solista ainda não tenho qualificação. Lastimo profundamente não poder enviar
para você notícia alegre).
Em
julho de 1978 veio a surpresa desagradável que ditava o fim do nosso
relacionamento:
“Unfortunately, I
must not already be in correspondence with foreigners without cognizance of our
offices. May by it is the measure temporary. Excuse me that I shall not write
for the present”. (Infelizmente,
não devo agora corresponder-me com estrangeiros sem o conhecimento de
nossos superiores. Talvez a medida seja temporária. Desculpe-me que não
escreverei por enquanto).
Em
carta de março de 1994, Hrubý confidencia que “On the past I was warned before
consequences of the private correspondence” (No passado fui advertido
sobre as consequências da correspondência pessoal).
Revela seu plano pessoal não atingido: “I want work and live for a love and
beauty legal but I did not find an understanding” (Desejo trabalho e
viver por um amor e beleza legal, mas não encontrei compreenção). Queixa-se da precariedade da saúde: “Long years I’m
not in good health. I know not good doctors and medical specialists. My
efficiency is very limit” (Há muitos anos não estou bem de saúde, não
conheço bons médicos e especialistas em medicina. Minha eficiência é muito
limitada). E, no final desta carta, depois de me
deixa saber que estivera no Brasil, tocando na orquestra de câmara, no Rio de
Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre (“In Brazil I was playing with the chambre
orchestra too Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), revela: “Now I´m
unfortunatly in an old-age pensions” (Infelizmente, agora estou em uma
pensão de velhice).
Tentando
reatar os contatos com Hrubý, valendo-me de Priscila que voltava para seu posto
em Praga, em abril de 1995, enviei carta acompanhada de maços de cigarro e
barras de chocolate, atendendo a antigo pedido. A encomenda chegou, mas Hrubý
estava aposentado, levando uma vida de sonhos frustrados. Sentindo-me
compartilhando o desaponte e os sofrimentos do amigo do Leste Europeu, cheguei
a imaginar que a ingratidão, muitas vezes, não nos permite ter poesia em nossas
vidas.
Uma
vez que se está falando de poesia, é plausível que se registre duas exposições
de poesia concreta brasileira realizadas em Ottawa e Toronto, com a intenção de
mostrar ao público canadense em geral e, especialmente, à geração universitária
da década de 1980, o que criavam os poetas brasileiros.
A
primeira exposição foi realizada de 4 a 17 de novembro no Centro Universitário
e de 4 de novembro a 2 de dezembro de 1983, na Biblioteca Morisset e na galeria
do Pavilhão Simard, da Universidade de Ottawa, com farta documentação sobre a
produção dos três poetas fundadores do Grupo Noigandres, Haroldo e Augusto de
Campos e Décio Pignatari, e dos associados à nova linguagem, nascida em meados da
década de 1950. Antologias, recortes de jornais, fotografias e paineis permitiam
ao público conhecer também poemas de Edgar Braga, José Lino Grünewald, Luiz
Pinto, Pedro Xisto, Alcides Pinto, Ronaldo Azeredo, Manuel Bandeira, Mario da
Silva Brito, Clarival do Prado Valadares, Dora Ferreira da Silva, Marcelo
Moura, L. C. Vinholes, Antônio Girão Barroso, Eusébio Oliveira, João Adolfo
Moura e Marcelo Moura, os quatro últimos poetas do Ceará. Míni-cartaz bilíngue,
produzido e distribuído graças ao apoio do professor Ives Blair, chefe do
Escritório de Animação Cultural, Línguas e Literaturas Modernas, divulgou a
mostra. Em duas vitrines do Pavilhão Simard, visando chamar a atenção dos
visitantes e valendo como merecido reconhecimento pelo interesse pela poesia
concreta brasileira, foram exibidas fotos e antologias dos poetas japoneses
Kitasono Katsue, Fujitomi Yasuo, Niikuni Seiichi, Uchida Toyokiyo, Akito Otsu,
Horiuchi Reiko e Shimizu Toshihiko, bem como antologias dos poetas canadenses
que figuram da antologia Four Parts Sand.
Na ocasião contou-se com a participação do doutor Claus Clüver, Professor Emérito, do Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Indiana,
em Bloomington, Estados Unidos da América do Norte, que proferiu
conferência sobre o tema A poesia
concreta: uma perspectiva internacional. Retomando a estratégia anterior, a
segunda exposição de Poesia Concreta Brasileira no Canadá foi realizada de 10 a
30 de janeiro de 1985, nas acolhedoras vitrines do Salão de Eventos da
Biblioteca Robarts da Universidade de Toronto, com todo o material da mostra de
Ottawa relativo aos poetas brasileiro. Recebeu apoio do Grupo Brasil e do
Seminário Brasil daquela universidade e contava com a ativa presença do leitor
brasileiro, professor Ricardo Sternberg.
Diferentemente
do que aconteceu no Japão na década de 1960, depois da I Exposição de Poesia
Concreta Brasileira no Museu de Arte Moderna de Tokyo, com repercussão na
imprensa e nos meios ligados à poesia contemporânea de vanguarda, resultando no
surgimento da poesia concreta japonesa, as ideias do concretismo poético
brasileiro que posteriormente floresceu também na Europa e nos Estados Unidos
da América do Norte, não mereceram acolhida no Canadá. A poesia canadense da
época, salvo válidas exceções, continuava ligada à concepção poética e às
escolas da poesia inglesa clássica.
- + -
Nota: Ampliando os registros acima sobre a nova poesia canadense que
conheci, são os artigos A Miniantologia
de Nancy Passy, A poetisa e escritora
Susan Musgrave e poemas de Passy, Musgrave e Sandler, disponíveis no sítio
<www.usinadeletras.com.br>.
O artigo Um novo poeta canadense: bill
bissett, foi publicado no Diário Popular, de Pelotas (RS), em 22 de agosto
de 1982. Do mesmo sítio figura o artigo Um
flautista chamado Stanislav Hrubý, de 07 de agosto de 2012.
[i] Nancy
Passy frequentemente publicou seus poemas no Ottawa Journal que, embora, quanto
à forma, nada tivessem com os haicais japoneses, contudo, com estes, tinham a
afinidade e a delicadeza quando lidando com as caraterísticas das estações do
ano. Contando com quatro ilustrações produzida pela poeta, organizei uma
pequena antologia bilíngue ainda inédita.
[ii] Em 24 e
dezembro de 2017 este nome foi dado à estação Baia da Confederação, em Ottawa,
Canadá.