Nasci a quatro de Junho
No Porto em trinta nove
Condição em que se move
Ainda hoje meu punho
Bem erguido todo cunho
Da transparência tripeira
Que do Bonfim à Ribeira
Comprova até à Foz
No timbre da minha voz
Minha origem verdadeira
Rebelde na ribanceira
Dos Guindais não m´encolhi
E por isso estou aqui
My Way... À minha maneira
No resto da vida inteira
Pra combater a mania
Do fado da hipocrisia
Que muito rico que seja
Arde como a carqueja
Mãe fátua da luz vazia
Escolho com alegria
O discurso em cordel
Porque a rima tem mel
E o verso faz magia
Tal e qual a cantoria
Que sai do ventre da terra
Com a alma que descerra
A porta d´asa ao sonho
Pra voar sobre o medonho
Além da paz e da guerra
A cabra no monte berra
O bezerro salta e muge
O leão na selva ruge
E o cão ladra e ferra
Quando o homem o aterra
Transformando o seu amigo
Num repentino inimigo
A ganir do coração
Zap-Zap... Meu irmão
Eu quero morrer contigo
Vejo cair figo a figo
E a figueira vai vergando
Para também não sei quando
Tombar esmagando o trigo
E destruir o abrigo
Da formiga que se agarra
À cantiga da cigarra
Que mais uma e outra vez
Vai cantando em português
À viola e à guitarra
Nossa Senhora da farra
Mãe da bunda brasileira
Às mamonas da videira
Protege ao menos a parra
E com amor desamarra
Os bagos mais pequeninos
Porque nos novos destinos
Sob semelhante herança
Só alguns enchem a pança
E morrem como suínos
Como há pretos albinos
E albinos que são brancos
Aos ceguinhos que são tantos
Na senda dos desatinos
Senhora dos peregrinos
Emouquecei a pulhice
Que à custa da burrice
Sobrevive pelo zurro
Tirando o lugar ao burro
No cúmulo da javardice
Santinhos... Ó que chatice
Quando um poeta delira
A desfazer a mentira
Que a verdade não disse
Pra praticar a tolice
E arranjar testemunho
Na boca-peste de um grunho
Afirmando a pé juntos
Que eu entre outros defuntos
Morri a quatro de Junho!...