E então, começa o relacionamento; expectativas mil,
começaram a sair, frequentar lugares juntos, a conhecer a família um do outro e
dedicar à pessoa amada cada minuto livre que tiverem. O contato com os amigos
já não é mais tão frequente, o tempo começa a trazer as cobranças, as
obrigações, o compromisso, que antes era quase um sonho, já não é mais tão
sonhado assim, tornando-se mais uma parte aceita normalmente da relação e a
euforia dos primeiros dias de namoro torna-se cada vez mais distante.
A sobrecarga do dia a dia passa a ser uma visitante comum e
normal e começa a surgir a saudade, ainda que indiretamente, dos dias de
antigamente. Existe companheirismo, lealdade aos compromissos, nada falta em
casa, talvez até o sexo esteja bom, mas, como se uma esperança de que algo
melhor sempre pudesse aparecer insistisse em estar alojada no subconsciente, a
porta para uma melhoria parece estar sempre aberta. E eis então que, no meio
dos compromissos do dia a dia, no meio do expediente de trabalho, no transporte
público, no supermercado que seja, ou até na própria casa, durante uma entrega
ou serviço que foi realizado por um estranho, uma conversa casual atrai um
sorriso, que atrai outros, que despertam uma aproximação maior e, muitas vezes
contínua e, como não podia deixar de ser, uma curiosidade, que, alimentada e
nutrida pelo contato constante e agradável, não demora a se transformar em
tentação.
A mulher gostou do cara, que já ocupa espaço considerável do
seu dia; o marido já é associado mais a compromissos e responsabilidades
cansativos do que àquela figura de homem que a mulher idealizava antes do
relacionamento, o que cria o cenário mais do que propício para que a mente
comece a trabalhar, o primeiro encontro comece a ser idealizado e ela, mesmo
que ainda insegura e um pouco tímida, acabe cedendo e se entregando ao
desconhecido que a seduziu. Sendo o encontro bem-sucedido, a comparação vai ser
inevitável, bem como os encontros seguintes. O marido vira figurante, o amante
vira dono da mulher, que abre as pernas voluntariamente e cede a práticas que
em casa nem sonhava a praticar e, se o diálogo entre os dois for tão bom quanto
tem de ser para que as coisas cheguem a esse ponto, nunca vão faltar desculpas
em casa ou a mulher simplesmente não vai se preocupar em dar qualquer
explicação para sair e dar aquilo que o outro homem está querendo.
Esta é apenas uma circunstância. O cara em questão pode ser
ainda amigo da família, ex-namorado da mulher que a deixou em circunstâncias
contra a vontade dos dois, carteiro, entregador de pizza, instrutor de
academia, bem como qualquer pessoa que tem contato constante com a casa. Da
mesma forma que pode ser até mais de um homem, desconhecido, tudo variando de
mulher para mulher. O ponto aqui é, relaciona-se, seja através de namoro ou
casamento, tem-se confiança, monta-se uma vida, mas o desejo físico não é algo
que conhece códigos de ética, dogmas religiosos ou se preocupa com instituições
humanas. Na melhor das hipóteses a mulher vai resistir ao impulso de trair,
mas, seja como for, vai estar numa luta tão insuportável contra sua própria
libido que vai deixar mais que claro que, no final das contas, já traiu em
pensamento e o que mais queria era estar com o homem que chamou sua atenção e
que desejava nunca ter conhecido. Não é o que se pensa que conta, mas o que se
faz, é verdade... mas o abalo já existe. Em ambos os casos pode haver
arrependimento, mas isso não pressupõe fim das traições, seja com uma ou mais
pessoas, pois o desejo pode descansar e até sentir tédio, mas não vai
necessariamente perecer.
Resumidamente falando, a ocasião faz a traição. Não é preciso
que nada esteja ruim, pois isso é uma questão de momento ou até de ponto de
vista, pra não falar que há mulheres que, embora se casem por acharem que
precisam casar, por condicionamento da sociedade ou do dia a dia, já que muitos
acham que casamento é uma parte indissociável do amadurecimento humano, não
conseguem deixar suas fantasias de lado. E se o relacionamento estiver ruim,
tanto melhor, uma vez que vai ser a desculpa perfeita para que se
justifiquem...
O titular é o dono da casa, mas ninguém é dono do desejo de
ninguém. No máximo se empresta esse desejo até que apareça algo ou alguém
melhor. No final das contas vivemos em prol de nossas necessidades e vontades,
até porque ninguém se relaciona com alguém porque quer viver uma crucificação
diária ou ser incomodado como que por uma picada de mosquito constante. Sendo
assim, chega um momento em que a traidora pode até se ver como uma, mas já não
age mais como se visse.
Admito que dei muita ênfase ao adultério feminino, mas sou
apegado ao assunto porque ele ainda é o grande tabu, muitos acham que “mulher
não trai, se vinga”. Particularmente, acho que traição é a letra miúda no final
do contrato, quem não tem ânimo pra jogar não devia entrar em campo, até porque
é um risco inerente ao jogo. Quem acredita que uma pessoa vai passar sua vida
sem olhar pro lado ou por um único momento fantasiar algo, acredita em Papai
Noel. Quanto ao adultério masculino, bom... este já é normal, se o cara não
trai, das duas uma: ou ele tem que preservar a mulher que tem e por isso não
pode nem pensar em pisar na bola, ou não tem condição de arrumar algo além do
que já tem por alguma limitação estética ou física. Homem trai por natureza,
testosterona não é uma coisa produzida segundo os mandamentos cristãos. Sendo assim, não tem porque perder tempo
tentando debater isso.