Não importa que o cheiro da fumaça
venha adentrando as narinas.
O que vejo - e nunca vejo -
está tão fosco quanto à minha miopia.
Um belo par de pernas
caminha por essas ruas.
Estão belas, estão nuas
andando suave, à noite,
em direção à sua cama.
Descrevem um adágio lúgrube.
O caminho pro desterro,
enterrar o próprio dia.
Enterrar a própria vida.
Acordar pro sono e pra fantasia.
Aquilo que não pode,
mas poderia.
A noite só é fria
À noite, só e fria
com um olhar verde vazio,
ela descreve a frustração
de quem não deve
e não tem nada a temer.
Quisera ter medo de algo.
Ter medo de ver alguém.
Mas vê, mesmo não vendo,
as pessoas que passeiam em sua frente.
As pessoas que passeiam em sua vida.
Todas passam como imagens corredias
sem intenção nenhuma de ficar.
Ninguém fica com ela.
À noite, ninguém vai pra cama com ela.
Nem homens, nem versos
Nem transeuntes dispersos
que passaram pelo seu dia.
A única coisa que pensa
é num dia de amanhã
que talvez também não seja grande coisa.
Mas é um dia.
Mais um dia.
E o corpo cansado,
a vista cansada,
de não enxergar nada.
E a dor nas costas,
e a dor nas pernas.
As belas pernas que caminham funestamente
até o leito da morte do dia.
Ela vai dormir. |