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Contos-->NADA É POR ACASO -- 11/04/2003 - 00:57 (DENIS RAFAEL ALBACH) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nada é por acaso

Nada é mais absorvente que a fumaça do cigarro. Existe uma história por detrás da fumaça do cigarro. Depois de solta no ar, dispersa-se em retirada, levada pelo vento mais sutil e se desfaz como as nuvens de qualquer tarde de qualquer outono. E a gente fica vendo ela se separar até desaparecer aquela camada que morre. E é uma cena incontestável ver a morte da fumaça do cigarro. Qualquer pessoa pode soprá-la. Qualquer um pode matá-la. E há algo trágico em tudo isso: Fica apenas uma lembrança que vai queimando uma saudade por nunca mais poder restituir ou trazer de volta a fumaça do cigarro que se vai. O amor tem o mesmo fim.
Fica um certo cheiro esquisito na roupa. Estranho. Extravagante. Causa ânsia muitas vezes. Absurdo. A gente sabe que sempre acaba no mesmo fedor. Como um estrago, mas tragamos outra vez. E nessa ânsia incontrolável, acostumamo-nos com ela e o vício imortal não há remédio que cure. O cigarro é uma doença na alma, que uma vez satisfeita a primeira necessidade, vira hábito que seguirá até os fins dos dias. E depois a gente volta para casa, sente a fumaça do cigarro na roupa e a colocamos ao lado da cama para olhar a peça solta por ali e trazer à lembrança a pessoa que se foi. E nos apegamos àquela roupa com o imenso desejo de tê-la sempre por perto, ainda que nos faça sofrer. A verdade é que nada a tire do lugar que a deixamos a não ser nossas próprias mãos para levá-la ao lugar em que formos. A peça de roupa tem um significado particular. Forte. Único. Ela é como o próprio coração que por algum tempo queremos deixar intocável. Ali. Ao lado da cama como recordação da pessoa que não volta mais.
É cruel e sufocante entrar no vício do amor. É uma rodada de muitas repetições sem saber o intuito do fim. É um jogo que sempre se tem outra carta para repor a jogada perdida. E amanhecemos por entre tantas as rodadas com a esperança de voltar para casa acompanhado. Lá, sentimos o mesmo cheiro conhecido da fumaça do cigarro que vamos tragar. O amor tem a mesma forma que a fumaça do cigarro e produz o mesmo efeito. É um mal que vicia e quando não o abandonamos, ele nos abandona primeiro.
Perdia-me em meus pensamentos contando o fim do meu amor perdido. Era meu estilo abstrato de juntar-me às recordações na espera que o devaneio e as preces de novas ilusões aliviassem meu estado febril. Cada um fazia a sua parte e tinha seu jeito de tentar ressuscitar sua paixão mais forte. Eles amolavam Deus com sua preces e penitências sagradas sempre na mesma tentativa de adquirir melhores dias na terra e no céu. Eu tinha meu jeito de espantar meus demônios mais fortes: fumava e escrevia em meu diário.
Escrever é mais fácil que nadar. A água quando mais quente que o corpo vai aos poucos sufocando e tirando a respiração. E todo esforço fica mais pesado nas vãs repetições. É perigoso se afogar junto das águas sem um salva-vidas por perto. Tragar era mais fácil. Quando o vício fosse matar mais um pouco, um novo cigarro nos alimentaria por mais algum tempo. Escrever era uma saída. Não tanto para o corpo, mas, para a alma. Não acreditava somente no que é perdido. Mas na repetição. Todo viciado repete seus hábitos. E os hábitos repetidos tornam-se concretos algum dia. Se fosse pelo vício do cigarro, um câncer ou uma doença. Se fosse pelo vício do amor, a eternidade pode ser a resposta mais revolucionante que existe. Era nisso que acreditava: que o amor mais intenso e mais bem amado, mesmo estando perdido no tempo e no espaço, não é para todo o sempre perdido. A fumaça do cigarro quando se absorve, creio, certamente para um lugar é levado onde nossos olhos não alcançam e a ciência não registra. Assim o amor também se faz. Se você amar alguém com a maior intensidade que sua alma possa captar, um dia, outra vez, você o encontrará na forma mais concreta que possa existir no sobrenatural.
Contava já o oitavo ano que me lembrava dela e relatava em meu diário secreto. A sua perda notável corrompia-me dia por dia. E o retrato sempre no mesmo lugar, posto à beira da cama, não envelhecia com o tempo. A figura dela sorrindo naquela imagem que registrei na minha mente para sempre, para sempre a levaria porque o que é para sempre, jamais chega ao seu fim. Todas as coisas que fazemos é para sempre. Se não o fosse, seria vã nossa existência. Mas poucos percebem isso: a história colocada no papel, ainda que, logo a seguir, abandonada na última gaveta, depois de existente já não tem mais fim. Se os papéis forem queimados outro dia, existe vida na fumaça que o vento leva. Pode parecer imperceptível, mas a fumaça que a brisa apaga, mesmo sendo qualquer fumaça, não morre na primeira esquina. Tudo tem um porquê de existir. E se até o vento mais forte não destrói a fumaça que o fogo faz, nem a eternidade acolhedora desfaria um amor que alguém uma vez amou.
A dona de casa que leva as compras do supermercado a fim de preparar o almoço da família numa manhã de segunda-feira, pensa ser banal colher a batatinha que pula da sacola furada, por causa do peso, e rola pelo chão da rua abrigando-se no primeiro bueiro. Tem uma história o rolar da batatinha. Nem uma folha de árvore cai ao chão sem que Ele não permita. Mas para a dona de casa apressada, preocupada com o almoço dos filhos e do marido, deixa passar banal a batatinha que rola e deixa passar aquela cena como algo superficial. Portanto, para o rapaz do outro lado da rua, que ao olhar a batatinha rolando, lembra daquele seu amor guardado que tanta falta ainda lhe faz. E ao ver a batatinha, recorda aquele almoço especial, daquele dia, na casa dela onde ela lhe serviu batatinha frita com bife frito e desfrutaram um almoço delicioso. Logo após aconteceu a cena de amor na cama do quarto ao lado. Ele corre ao primeiro orelhão na esquina, na frente do barzinho, para ligar para ela dizendo-lhe que sente saudades. Ele não quer mais saber da batatinha dela, mas encontrá-la é mais forte. Eles retornariam como as histórias de final feliz, e os céus registrariam algum dia a história de mais um amor pelo rolar de uma batatinha. Nada é por acaso.


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