Aglomeração. Alucinação. Som acima da média considerada normal pela audiometria. Decibéis exagerados. Multidão considerável. Homens e mulheres. Jovens e adultos. De todas as opções sexuais, melhor dizendo. Perfumados. Arrumados. Bem vestidos. Bem passados. Com os sapatos engraxados.
As emissoras de rádio e de televisão antecipavam o confronto. As notícias davam conta do exército esperado. Ouviam-se os primeiros acordes incentivando a população, principalmente os jovens, para comparecerem ao campo de concentração. Civis e militares foram convocados para colaborar com o evento..
Aquartelados, os pequenos soldados se preparavam em meio a um oceano louro de cervejas e outros líquidos e tantos outros sólidos, que chegavam à cada dez minutos, durante o pequeno intervalo concedido.
Como é comum, nesta ocasiões, para relaxar, antes de partirem para o embate definitivo, houve farta distribuição de camisinhas e de seringas descartáveis. Soldados rasos, sem farda e soldados à caráter, inclusive armados, compunham o cenário.
Estavam bem armados. E mal intencionados. Cães e porretes segurados pelas mãos, acompanhavam os passos ligeiros dos soldados. Os soldados da medicina também foram convocados. Os hospitais reforçaram os plantões. A polícia, o corpo de bombeiros e a defesa civil foram acionados. Seguranças e inseguranças por toda a parte.
Já se fazia sentir o aumento da demanda por material estratégico: gesso, mercúrio cromo e éter, entre outros afins. Fraturas, sangue e curativos, constavam da lista de primeiras necessidades. Tudo preparado. Todos atentos e ansiosos.
Começava mais uma festa de carnaval fora de época. Festas de trios elétricos. Que nasceram na Bahia e inundaram o país. Em qualquer cidade deste país a festa acontece. Com data previamente marcada. Uma data para cada lugar.
É sempre a mesma coisa. Mais uma festa popular. Mais um dia de cão. Visto por um lado. Do outro lado, ao som de bandas baianas, o som de todos os ritmos, cheiros e cores. Corpos suados e saltitantes. O olhar preso na guitarra e no cantor em cima do trio elétrico.
A guerra começara. Poeira, suor e lágrimas. Sorrisos e alegria geral. Harmonia e desarmonia. O corpo a corpo era a tônica da festa. Ninguém falava nada. Ninguém ouvia nada. Empurrões, socos e pontapés. Porrada, mesmo. Desespero e covardia.
Loucura. Incompreensão. Desorganização. Nada ficou no lugar. O suor e alguns respingos de sangue, talvez, escorria pelo chão pisoteado e, agora, abandonado.
Havia um silêncio no ar. Uma ventania de decepção e de cansaço. Um ar de desilusão e mal-estar. Vômitos e dor de cabeça se faziam sentir por todos os lados. Pedaços de fantasia rasgados, sujos e mal passados. Não havia dinheiro no chão. Nem drogas e nem drogados. O sol já era quente.
Apenas eu e o bloco de lixeiros, no outro dia, envolvidos com aquele ambiente de fim de festa. De liberdade absoluta. De curtição e de lixo. Muito lixo. Eles, os garis, trabalhando. E eu olhando e refletindo. Em nome de quê? Por causa de quÊ? A troco de quê? Da Liberdade? Da prisão em que se encontravam? De qual liberdade, afinal, estariam eles se referindo? A liberdade quando exige fuga constante, não é liberdade.