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Artigos-->CARLOS MARTINS E LÊDA WATSON NO CANADÁ -- 10/06/2019 - 17:18 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
 



CARLOS MARTINS E LÊDA WATSON NO CANADÁ



L. C. Vinholes



Durante os mais de 12 anos que trabalhei na Embaixada do Brasil em Ottawa, como adido encarregado do Setor Cultural, tive oportunidade de organizar inúmeras exposições de artistas plásticos brasileiros contando, na medida em que o tempo passava, com o cada vez mais expresso apoio e a valiosa colaboração das instituições canadenses, notadamente a Biblioteca Nacional do Canadá, a Biblioteca Pública, o Museu Nacional de Antropologia, o Centro Nacional das Artes, todos em Ottawa, e a Biblioteca Morissette da Universidade de Toronto.



Das muitas exposições para as quais empenhei-me, a de dois artistas sobejamente conhecidos entre nós tiveram êxito excepcional, a ponto de, posteriormene, merecerem apoio para viabilizar mostras itinerantes de suas obras: Carlos Martins e Lêda Watson. Aqui, os registros e comentários obedecem a ordem cronológica de realização das duas mostras.



 



Carlos Martins - Água fortes: dez anos de evolução



 



De 7 a 20 de setembro de 1984, Carlos Martins exibiu sessenta e seis obras na Biblioteca Nacional em mostra individual intitulada “Água fortes: dez anos de evolução”, organizada pela Embaixada com a colaboração da citada biblioteca que financiou e se encarregou da confecção e distribuição do catálogo e dos convites. Uma relação bilíngue das obras forneceu os títulos, o ano de produção, o número da cópia e a série à qual cada uma delas pertencia. Foram nove séries, a saber: Natureza Morta (11), Interiores (5), Lagos do Jardim Botânico (5), Journées em Portugal (11), Paisagens (7), Jardim Botânico (2), Diversos (5), Dez Cantos (10) e Trípticos (10).



Após a inauguração da mostra realizou-se seção de cinema no auditório da Biblioteca, com a exibição de 3 filmes documentário sobre a escultura primitiva e o barroco brasileiro: 1- A Árvore dos sonhos, de 20 minutos, realizado entre 1975 e 1978 por Carlos Augusto Calil, contando a história de Geraldo Teles de Oliveira, o GTO, natural de Itapecirica, MG, nascido em 1912, e mostrando a singularidade e criatividade do artista em uma “atmosfera de misticismo, repleta de mensagens religiosas e espirituais”; 2 - As cabeças do Rio São Francisco, de 11 minutos, registra a supertição que se iniciou em meados do século XIX com as obras conhecidas como “Carrancas” que, segundo a tradição ribeirinha, servem para espantar os maus espíritos que habitam os rios. O diretor Eduardo Rüegg documentou especialmente o que foi criado por Francisco Biguiba Dy Lafuente Guarany (1884-1985), Mestre Guarany, líder dos escultores do São Francisco; e 3 - O Aleijadinho, filme de 22 minutos, de Joaquim Pedro de Andrade, sobre Antonio Francisco Lisboa (1730-1814) o gênio mulato - arquiteto, gravurista e escultor -, que consagrou a grandeza da arte barroca brasileira do período colonial do Brasil. Como é sabido, ele ganhou o cognome de Aleijadinho, em virtude da doença que atacou seus pés e mãos, mas que não foi suficiente para interromper sua magistral produção.



Do catálogo da exposição em Ottawa, ilustrado com duas gravuras, Interior com Espelho e Visita, e complementado com a biografia do gravador, constavam pertinentes comentários assinados por José Neistein, filósofo, esteta e crítico de arte, e Fayga Ostrower, a grande mestra da gravura brasileira.



De Neistein, que conheci em Assunção, Paraguai, como diretor da Casa do Brasil e que depois dirigiu o Instituto Cultural Brasil-Estados Unidos da América do Norte, é a seguinte apreciação:



 Nas suas recentes, embora atemporais imagens iconográficas do passado, Carlos Martins cria um repertório visual da natureza morta, e interiores, paisagens, impressões de viagens, experiências poéticas, e registros da natureza. As imagens falam por elas mesmas quando vistas individualmente, mas tornam-se dotadas com novas propriedades dinâmicas quando combinadas umas com as outras, como nos trípticos que podem ser multiplicados indefinidamente, de conformidade com as regras do jogo.



Basicamente, sua técnica não difere muito daquela do século XVII dos mestres europeus. Sua inclinação por condensação e miniaturização coincide com muito do que vemos na tradição de Rembrant e Callot, até a maneira que ele permite que o ácido corroa o metal, combinando detalhes precisos e elementos aleatórios, pureza de linha e de massas, perspectiva e branco-escuro.



Nesse sentido, a obra de Carlos Martins se enquadra igualmente na tradição de Vasari, com sua fascinação por retratar e de Pallacio, com seu encanto no clássico e ideal da perspectiva arquitetônica.



Mas o seu uso do monocromático, degradação da cor, seguidamente em contraste com preto e branco, é muito do nosso tempo. Assim como são do nosso tempo as evocações líricas e surrealistas de fachadas vazias, e o emprego da geometria e da figura humana; da atmosfera mitológica do tranquilo silêncio interior; da paisagem industrial; das nostálgicas paisagens do paraíso perdido; dos elementos naturais acoplados aos traços da arquitetura e de geometria pura; de uma interpretação gráfica e caligráfica da natureza, a ponto de incluir a caligrafia, ela mesma, como componente plástico”.



O texto assinado por Faiga, embora extenso, merece ser reproduzido na íntegra uma vez que se trata de análise de validade não vencida, merecendo ser conhecida não só pelos que se dedicam às artes, mas também pelos que se enriquecem apreciando-as. Vejamos:



                “As gravuras de Carlos Martins são como lagos de água pura - pacífica, translúcida e então profundamente misteriosa.



Primeiro, Carlos Martins o gravurista. Será possível começar por elogiar sua técnica apurada, a qual faz de cada trabalho uma pequena joia, de tão fina é sua habilidade. Mas embora isto pareça obvio não pretendo ocupar-me deste aspecto, exatamente porque chamando muito atenção à técnica pode ser uma maneira sutil de ignorar ou desprezar o profundo sentido de uma obra de arte. A refinada habilidade tão aparente nestas gravuras serve, na realidade, para mostrar o papel que a “técnica” deve desempenhar em uma obra de arte - seja ela gravura ou outro tipo de criação artística -, o papel de um mero instrumento. Obviamente um artista deve aperfeiçoar a técnica, aperfeiçoá-la, especialmente, ao ponto de aplicá-la de uma maneira completamente espontânea, uma vez que ela será ao mesmo tempo seu instrumento e o meio pelo qual ele expressa conteúdo pela sua imagem. Assim, ao final, podemos apenas dizer mesmo notando o perfeito aperfeiçoamento de um altamente complexo artesanato como é a gravura: o que pode ser mais natural e inevitável do que isto!



Dado o aperfeiçoamento técnico de Carlos Martins, o gravurista, podemos ir em frente e considerar Carlos Martins, o artista. Esta é uma diferença básica. Por algum tempo um bom artista precisa ser sempre um excelente técnico, sendo que o oposto não é verdadeiro. Obviamente não é necessário dizer que este excelente técnico necessita aperfeiçoar todas as técnicas do mundo, mas apenas aquelas que ele vai usar para criar seu vocabulário pessoal e seu tom de voz.



 Estas gravuras sintonizam perfeitamente com os sentidos usados com as ideias expressas. Tendo dito isto, podemos ir em frente falando a respeito do que é realmente importante em arte: isto é, o sentido do conteúdo expresso dado a nós pelas imagens. Este conjunto de trabalhos mostra o desenvolvimento de uma sensibilidade a qual tornou-se mais rica e mais livre com experimento e com gradual conquista - a verdadeira conquista na vida. Carlos Martins formado em arquitetura e ainda conseguiu transcender a visão puramente arquitetural, a qual é rara. Geralmente, a arte produzida por arquitetos é descritivamente e analiticamente fiel aos objetos e espaços, mas não ascendem a uma interpretação livre das emoções do artista”. Carlos Martins alcançou seu mais livre nível de expressão artística, aparentemente sem esforço. Talvez tenha sido impelido pela necessidade íntima de expressar sua essencialmente poética visão da vida -  ou assim imagino. (por ‘poética’ entendo o que a palavra alemã ‘Dichtung’ significa: isto é, a concentração da experiência à uma essência que destila o que é real na vida). Embora nas obras de Carlos Martins nada pareça avançar há, na realidade, desafios e respostas – mas estas aparecem em um mundo contemplativo. Este mundo inclui fragmentos da realidade do dia a dia, fixando-os, concentrando-os e contrastando-os de maneira que, tudo a um só tempo, estes fragmentos deixem de ser dia a dia e prosaico, tornando-se marcados por uma nova identidade metafórica. Seus mundos tornam-se misteriosos. O artista transforma-os do que é imediato ao que é eterno.



 Podemos reconhecer o mesmo processo de concentração da significância nas múltiplas camadas da imagem ambos no nível do traçado dos objetos e naquele da composição e do real uso da técnica. A visão da essência de um estado existencial é traduzida em espaços íntimos e precisos, assim como são os comumente expressos pela organização da natureza morta, e então transformados novamente no aveludado de um preto essencial, o preto que pode ser apenas gravado, nunca desenhado ou pintado. Desta forma o artista cria uma intensa sensação de reflexão, um silêncio no qual alguém é capaz de ouvir a si mesmo.



É importante ver Carlos Martins não como um miniaturista, mas como um artista em uma câmara de linguagem musical. Ele não grita para expressar-se, ele fala manso.  A pequena escala de suas obras é escolhida exatamente para servir ao seu propósito. Na realidade a escala de suas obras é mais uma de suas qualidades artísticas, uma vez que uma das dificuldades básicas do artista é definir seu limite, para incluir nem mais nem menos do que sua autenticidade e singularidade. Há uma coerência sobre esta arte que aqui é sempre evidente. Entretanto estas pequenas gravuras usam o espaço tão intensamente que nos fazem pensar sobre a possibilidade do seu desenvolvimento em uma escala ainda maior.



Carlos Martins é um artista cujos trabalhos enriquecem e aprofundam nossa sensibilidade. Artistas deste gabarito são raros hoje em dia - e talvez foram sempre.



                                                            Águas-fortes de Lêda Watson



 De 4 a 31 de agosto de 1988, a gravurista Lêda Watson expos suas águas-fortes na mostra patrocinada pela Embaixada do Brasil no Canadá, cumprindo programa do Departamento de Divulgação Cultural do Itamaraty, que mereceu a parceria do Escritório de Eventos Culturais da Biblioteca Nacional do Canadá, órgão criado em 1981 pelo Governo canadense não só para promover a cultura e a arte do país, mas também para manter contato e promover eventos de interesse similar de agências culturais, associações, instituições culturais e outras organizações e particulares de outros países.



 No caderno de Arte/Entretenimento, edição de 11 de agosto de 1988, do jornal The Ottawa Citizen, a coluna Artes Visuais trás extenso comentário sobre a mostra, ilustrado com foto da artista ao lado das obras expostas. Vejamos o texto assinado por Nancy Baele, respeitando os parágrafos do original:



                  Leda Watson nasceu em uma família de artistas. Seu avô paterno italiano ganhou o prêmio de Roma por suas pinturas e seu tio é                          bem conhecido no Brasil como crítico e pintor. Quando criança ela foi encorajada para desenhar e pintar.



“Sempre desejei que meu trabalho fosse aceito pelos seus próprios méritos e não porque o público reconhece meu sobrenome, Campofiorito. Por isto exponho usando meu nome de casada”, afirmou Watson na inauguração da sua exposição na Biblioteca Nacional.



A artista brasileira também insiste que seus trabalhos sejam valorizados a preços internacionais. “Isto significa que minhas obras muitas vezes são mais baratas do que a de meus alunos. Mas sinto firmemente que os valores da arte não devem ser inflados para o mercado doméstico”.



Depois de passar três anos em Paris, onde estudou belas artes na Sorbonne e trabalhou com o gravurista Johnny Friedlander, voltou ao Brasil em 1974, abriu seu estúdio e iniciou a lecionar gravura em metal.



“Estar fora do meu país, faz-me ver as coisas que amo sobre o Brasil mais profundamente quando retorno: as árvores, a paisagem, a qualidade da luz”, afirmou Watson.



 A primeira e a última impressão que se tem sobre sua exposição de 33 obras criadas de 1973 a 1987 é de fluidez, formas sinuosas e silenciosas, cores terrosas. Watson tem um dom lírico para criar padrões abstratos, sugestivos de estado de espíritos. Seus primeiros trabalhos são quase que inteiramente não-representativos. Suas últimas obras introduzem figuras que estão muitas vezes escondidas na vegetação.



A obra mais poética é abstrata, ou uma mistura equilibrada do gráfico e do como-que-sonho. Em três gravuras, uma lua flutua através de uma paisagem escura, como que um fantasma esférico iluminando um rastro de luz. Em outra, um dos primeiros trabalhos Através de trilhas abertas de um enorme abismo, há um sentido de opostos suportando um ao outro, assim como óleo flutua sobre a água. Em algumas das últimas obras tal como em Emoções, onde usa uma figura, o elemento gráfico é muito explícito e distorce o sutil equilíbrio que é a força do Watson”.



 Decidi reproduzir os textos acima por acreditar que, mesmo com a passagem de décadas, não perderam sua validade e, por isto, poderão continuar a ser úteis para aguçar o interesse daqueles que hoje, num presente onde as oportunidades são raras, não ouviram falar destes dois artistas e não conheceram suas conquistas. Por outro lado, voltar a tratar de eventos ocorridos há mais de quarenta anos, dos quais fui curador, é a forma que encontro para, mais uma vez, reiterar meu reconhecimento e minha gratidão pelo apoio que recebi e que, na pessoa da incansável senhora Marie Couturier, diretora do escritório do Programa Internacional do Ministério das Comunicações do Canadá, estendo a todos os integrantes das equipes das instituições mencionadas no parágrafo inicial deste texto.



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