Mario Lago morreu. Não sei bem por que sempre achei o Mário Lago parecido com meu pai. Meu avó na realidade, mas esta é outra história.
Tinham mais ou menos a mesma idade. Meu pai não era propriamente um boêmio. Não escreveu nenhuma música famosa, não atuou no teatro, não era comunista e não trabalhou na Globo. Não era carola, mas também não se dizia ateu.
Seu palco era outro, a guilhotina de sua pequena tipografia. Suas noitadas, na época, chamavam serão, trabalho extra até tarde da noite. O serviço não podia ser perdido e o prazo devia ser respeitado. Sua arte era a de se equilibrar no orçamento modesto, pagando escola particular para mim e minha irmã.
Luiz, este era seu nome, fumava muito como o Mário. Talvez mais, posto que o enfisema e o càncer chegaram trinta anos antes. Que eu lembre Luiz também não cantava. Mas era romàntico. Aos domingos, muito cedo, preparava um café preto e levava para Francisca. Na cama, dividiam o Correio do Povo, no tempo em que o Correio era um grande jornal. Nos dois sentidos. Não sei bem como, mas já houve tempo em que pequeno empresário assinava jornal de prestigio e ia trabalhar de terno, gravata e chapéu. Elegante.
Luiz era alto e magro como o Mário Lago. As carecas eram parecidas. Luiz, quando Francisca viajava, sempre preparava um feijão mexido impecável. Feijão mexido, todos sabem, é a reforma do feijão que sobrou do almoço, devidamente engrossado com farinha de mandioca, toucinho e alguns temperos. Na realidade, fica uma paçoca braba. Mas era bom. Eu nunca soube se ele gostava de feijão mexido ou se não sabia fazer outra coisa. Eu gostava. Se Luiz não compunha nada, duvido muito que o Mário Lago soubesse preparar um feijão mexido como aquele. Pena que feijão mexido nunca fez a fama de ninguém.
Se Mário tinha Amélia, Luiz tinha Francisca. Elas sim, com muita coisa em comum. Não sei bem por que sempre os achei parecidos. Talvez as orelhas grandes.
Escrito em 31.05.2002
|
