Bidião e o Zé do Brasil
Certa vez, eu estava a caminhar de bicicleta pelo calçadão da orla mais privilegiada de Maceió e decidi parar para tomar uma água de côco no recanto da Sereia. Lá pras tantas, avistei um senhor que se aproxima com o olhar quase pra fora do globo ocular, com um chapéu na cabeça e gritou bem ao pé do ouvido: "olá, Bidião! Tudo tranquilez"? Dei um pulo de susto e vi que conhecia aquele cidadão de algum lugar. Foi quando lembrei que era um cidadão que, ao frequentar as missas dominicais, fazia uma confusão no meio da nave principal da igreja, enquanto proferia a homilia. O nome dele era Zé que ora se dizia ser do Brasil, ora se dizia ser de Portugal. Entretanto, eu deixava o pobre cidadão comentar sobre o conflito de dupla cidadania, pois isso o angustiava e ao mesmo tempo, o aliviava. Percebia no Zé, uma certa grandeza e com ele eu me identificava. Zé tinha momentos de uma saudade que se misturavam com uma alegria de pertencer a Terra Cabralis. Não desejava retornar de vez à Portugal, mas gostava vez em quando, de pensar na possibilidade de um dia, visitar o país que considerava ser sua mãe. Começamos a prosear, foi quando resolvi pagar para o Zé, uma água de côco. Entre um gole e outro com aquele bocão, Zé comentava sobre seu gosto pela literatura portuguesa, em especial, recitava alguns trechos de poemas de Fernando Pessoa. Já era noite quando Zé do Brasil, fez sua despedida citando uma frase do poeta português:"navegar é preciso." Fez uma última recomendação de leitura, embora esperasse pela recomendação óbvia de um livro de Fernando Pessoa. Tratava-se de um livro intitulado "O pescador e o mar", de Ernest Hemingway. Nos despedimos e fiquei a pensar que talvez Zé do Brasil fosse algum escritor literário que em algum momento na vida, tivesse sofrido um golpe muito forte do destino e que, por extinto de sobrevivência o fazia manter uma remota possibilidade de um dia, retomar à sua origem: Brasil ou Portugal, nem mesmo saberia responder, mas seria uma esperança de viver a navegar ainda que fosse contra a corrente.
Pedro Bidião |