Bem cedinho acordava
e de pés descalços pisava
na fria grama orvalhada.
A mãe precisava de ajuda
para matar a sede e a fome
da criançada miúda.
O campo em verde e branco
amanhecia um encanto.
E quando o sol acordava
lambendo tudo que era canto
de dourado tingia o branco
do algodão que apanhava.
Na cabeça o velho chapéu
fazia sombra listrada
Com um graveto riscava
a listra de sombra na terra
deixando toda encantada
aquela que de artista brincava.
Sob o chapéu, um lenço branco
de pontas rotas, lanhado
protegia e enfeitava
o rosto de suor banhado
emprestando à menina
tão pequena e franzina
doce ar de caboclinha.
Ao meio dia, uma alegria
Ajeitava um banco num tronco
-que não tivesse formiga -
E do caldeirão amarrado
Para evitar acidentes
Comia toda contente
Como chamavam, a bóia fria.
À tardinha, quando o sol fugia
nas mãos pequenas a tralha juntava
O corpo doía, se queixava
mas apertando na mão as moedas
corria, pulava, dançava
de viva alegria estampada
Mas espiando pela fresta
Sonhou ser uma fada
para mudar seu destino
cobrir o corpo com linho
beber delicados vinhos
muito bem acompanhada
Deixou o campo, virou gente
desenhou a primavera
bebeu da fonte
Sonhou que era suficiente
E hoje, quando olha dentro de si
bem lá no cantinho
vê o resto do linho, do vinho
e muita coisa entende.
Abraçada ao corpo
com emoção, reve
seu campo orvalhado
num canto do coração
sobre o velho lenço deitado
no ninho feito da palha
do velho chapéu que usava
nas colheitas de algodão.
Compreende finalmente
que a dor que ora sente
não é só de saudades
Mas por não ter antes entendido
que o que uma cabocla vê e sente
pode ser diferente
mas não é menos bonito.