Usina de Letras
Usina de Letras
46 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62193 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22534)

Discursos (3238)

Ensaios - (10352)

Erótico (13567)

Frases (50599)

Humor (20028)

Infantil (5426)

Infanto Juvenil (4759)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6185)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Uma experiência entre os índios -- 26/03/2003 - 10:27 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



A Serra Negra sempre foi um local proibido para o homem branco. Somente tinham acesso os nativos da tribo Guaicurus ou aqueles autorizados pelos índios. Eram freqüentes as notícias de pessoas violentadas no percurso de dez quilômetros, mais ou menos, que corta a reserva; uma auto-estrada servindo de atalho, encurtando, em trinta quilômetros, a volta que se faz pela serra, facilitando a vida do viajante.
Os prevenidos paravam na entrada da reserve e solicitavam autorização aos índios para a travessia, o que custava, normalmente, dinheiro e bebida. Os pegos de surpresa, raramente escapavam, eram levados para o interior da reserva para serem saqueados e torturados, até que efetuassem o pagamento devido. Ninguém era poupado, inclusive mulheres e crianças.
Eu fui encarregado pelo jornal para uma reportagem sobre a vida das tribos de Serra Negra, deslocado de Recife para a região Amazônica; e desconhecia a fama do local. Minha estadia seria de sessenta dias, mas fiquei apenas dois dias. Porquê? Vou lhes narrar.
Cheguei numa tardinha de segunda-feira num gol velho alugado pelo jornal. Meu editor e o chefe da Funai teriam acertado minha ida com a tribo, só os índios que não sabiam. Por sorte levei comigo uma caixa de vinho, bebida que não dispenso todos as noites, juntamente com viveres para o período todo que ficaria no local. Entrei direto na reserva, sem a identificação necessária; sem percebe que uma série de olhos me vigiavam minha imprudente chegada. Mal andei dois quilômetros, me deparei com uma grápia enorme atravessada na estrada, o que obrigou-me parar. Julguei ser algum acidente natural e desci do carro para retirar o obstáculo. Amarrei uma corda ao redor do tronco presa ao pára-choques e tentei afasta-la dando ré, porém o meu esforço resultou em vão - a danada era grande demais.
O único jeito seria retornar para e procurar um trator, só assim abriria caminho. Precisava apressar-me, dali a pouco anoiteceria. Desamarei a corda e voltei para o carro. Quando pus a mão na ignição, fui cercado por um grupo de índios e uma faca foi posta em meu pescoço, obrigando-me as descer lentamente. Não deu tempo para nenhum protesto, fui amarrado e encapuzado; à base de empurrões me dirigiram, às escuras, por uma trilha de mata.
Andamos por cerca de duas horas e toda vez que tropecei me levantaram aos ponta-pés. Em determinado momento paramos, eu mal fiquei em pé, o meu corpo estava todo ferido pela violência dos selvagens. Fui colocado numa choupana de ripas, amarrado a um poste e com os olhos cerrados.
Algumas horas mais tarde ouvi passos e vozes, numa língua desconhecida. Tudo ao longe, sem aproximação alguma. Pareceu-me que estavam montando guarda na porta de meu cativeiro.
O frio chegou com a noite, mas ninguém aparecera. O meu corpo já estava todo dormente, pela posição fixa, que me proporcionava poucos movimentos. As cordas feriram meus braços, podiam sentir os vergões se formando. Estava bastante fraco, pois desde manhã que não comia nada, além da relativa perda de sangue causada pelos ferimentos. Não me deram nada, nem comida nem água. O cansaço foi mais forte e acabei adormecendo. Tive pesadelos horríveis sendo torturado, comida vivo por animais, dentre outros.
Acordei com formigas picando minhas pernas. Me debati no poste, fazendo bastante barulho, o que chamou a atenção dos vigilantes, que entraram. Parei com esperanças de que fossem me ajudar. Qual nada, postaram-se próximos e começaram a rir alto. Enfurecido, bati mais forte, o que alterou o animo dos Guaicurus, levado-os a me esbofetear várias vezes. Quando pararam, eu estava tonto.
Não tive dúvidas de que iria morrer. Mais tarde, quando um terceiro integrante apareceu, falou algumas coisas, naquela língua estranha, levando os companheiros consigo. Fiquei só. Escureceu novamente e eu adormeci. Acordei-me altas horas com um grunhido de onça. No início me apavorei, mas pensando bem, era melhor morrer logo por um bicho do que padecer daquela forma; eu só queria que fosse rapidamente. Mas o bicho não quis saber de mim, rodeou o cativeiro e foi embora. Quando tudo silenciou voltei a desmaiar.
Lá pelo meio dia, me disseram que este foi o horário, uma mão tocou meu rosto, o capuz foi retirado e as cordas cortadas. Eu não senti nada. Despertei em um hospital de Manaus dias depois. Levei três meses para me recuperar.
Mas o detalhe cômico dessa estória toda, foi o fato de que tudo aconteceu porque o funcionário da Funai saiu de férias no dia de minha chegada e não avisara aos índios sobre a reportagem. Até o jornal dar por minha falta e me procurar, tudo transcorreu como narrei.
Nunca mais passei por Serra Negra e me mantive distante de qualquer índio; na verdade a minha vontade era de jogar uma bomba na tribo toda. Hoje passando por aqui me voltou esta passagem, triste. Se eu pudesse voltar no tempo não votaria em Mario Juruna.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui