Usina de Letras
Usina de Letras
231 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62152 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10448)

Cronicas (22529)

Discursos (3238)

Ensaios - (10339)

Erótico (13567)

Frases (50554)

Humor (20023)

Infantil (5418)

Infanto Juvenil (4750)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140788)

Redação (3301)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1958)

Textos Religiosos/Sermões (6177)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->A TOCHA HUMANA -- 23/03/2003 - 09:18 (LUIZ ALBERTO MACHADO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Estupefato fiquei sob o ardor inclemente do sol de meio dia em pleno mês de junho, normalmente aguaceiro de inverno. Era véspera de São João e tudo já deixava claro que algo inusitado estava por acontecer.
Ademais, também era tempo das comemorações de emancipação política do município de Alagoinhanduba. Pleno feriado, dois dias encarreados só para os festejos onde tudo era envolvido com as casas ornadas com flores de variegados matizes nas janelas e o povo em polvorosa doido pela festança. Aquela correria pro ouriço.
Logo cedo, acordava o povo o desfile da banda de fanfarra, anunciando o outros eventos e desfiles de alunos das escolas agrupadas aos pelotões, malabarismos, autoridades num palanque engalanado, gente como a peste, prestigiando a efeméride.
Os tiros de bacamarteiros na praça central, dava por iniciado ao tradicional ajuntamento de gente nas calçadas.
As ruas ornamentadas de bandeirolas dum canto a outro de todas as ruas da localidade, expressavam o ar de festa que estufava o peito da patuléia alvoroçada, doida para ver a marcha garbosa dos meninos dos ginásios, os rapazes dos colégios e os marmanjos da polícia.
O palanque das autoridades tinha mais caboeta que se engalfinhava por aparecer mais que o outro, acotovelando-se para ficar ao lado do maioral. Lá estavam o prefeito banguela, o usineiro desconfiado, o deputado zarolho, o bispo sabido e o estafe da babaovice com suas melindrosas madames mais pintadas e enfeitadas que as alegorias caricaturais das escolas. Um verdadeiro carnaval de exposição.
Uma fogueira gigantesca, daquelas de alcançar o céu, queimava lenha no centro da praça principal. Outras tantas nas calçadas e uma outra numa rua ao lado, onde se daria a competição mais apreciada e afamada, a de pula fogueira.
Era a hora da cerimônia mais respeitada do lugar. O momento que cada um se revestia do orgulho de ser alagoinhandubense até na alma, debaixo d´água ou torrando num fogaréu.
E num instante tudo turvou, virara noite, escurecera. Os bombos silenciaram, o desfile paralisou e até a respiração foi suspensa. Só os galos cucuricavam meio engagados no poleiro, numa tristeza tumular.
Não havia, por ali, que se soubesse, notícias de qualquer eclipse lunar se sucedendo por enquanto, muito menos aquilo era hora noturna. Não havia uma só estrela no céu, tudo muito opaco.
Aos poucos, uma inhaca insuportável alcançara os septos nasais, num bulício de fato nauseabundo. Que fedor filho da puta! Não havia fôlego atlético que conseguisse se poupar daquele mau cheiro; um desastre sem precedentes aquele.
Ninguém descobrira, até então, por enquanto, a causa de tão fedorento mau estar, visto que nenhum valetudinário seria capaz de tal fedentina. Será? Era bosta pura, daquelas bem catingosas de dias armazenados no bucho de prisão de ventre.
O negócio enfeiou e a negada pôs-se a correr para longe daquela tragédia, pisoteando o que se estirasse pela frente e comendo a quilometragem com sede de distância.
A cidade ficara, duma hora para outra, deserta. Não havia um pé de gente para remédio. Tudo escafedido para as lonjuras limítrofes.
Meia hora depois de tanta carreira, quase que todo mundo morre sufocado duma só vez, o oxigênio tornava a respiração normalizada e, devido fétida emanação, a comunidade se evadira do lugar, buscando ar puro longe dali mesmo. O que se sucedera, afinal?
Depois de quinhentas mil continências, milhões de providências tomadas sob o rigor das autoridades, vasculhara-se em todos os logradouros e constatava-se, para infelicidade de todos, que nenhuma imundície se instalara pela redondeza para causar tamanho transtorno.
Teria sido, então, um peido do céu? Ou uma explosão de alguma arma química bostal? Ou o quê? Com tal indagação, depois de muito se investigar pelos quatro cantos do mundo, desconfiaram, claro, todos já desconfiavam do Abinagildo, este sim, Abinagildo Mendes Sobrinho, um sujeitinho tísico, manemolente e tíbio, pífio e tacanho, todo macambúzio depois de uns ventinhos nababescos, que possuía o mau costume de, de vez em quando, emitir aquela emanação volátil do corpo, daqueles verdadeiros desmancha prazeres. Eita bicho da cloaca podre, meu.
Ora, eu jamais que acreditara, entretanto, depoimentos muitos me fizeram crer naquela possibilidade de ter exatamente partido dele aquela podridão em plena festa. Era tiro e queda.
Pois é, muito me estranhava Abinagildo morar isolado, fora dos domínios da cidade, numa casa de alvenaria, sem vizinhos, no ermo de um morro. Dava até pena vê-lo assim em abandono completo, tadinho. Tadinho, nada, vamos nessa.
E muitas me contaram da razão de sua soturnidade, às vezes até lipemaníaco pela maldição que carregava.
Depuseram-me aos mínimos detalhes suas presepadas corroborando seu exílio compulsório, seu desterro determinado. Tudo isso alimentava a vingança popular que lavou a alma naquele dia de festa.
Pois bem, fuxicada solta, soube que uma delas entre as tantas outras, deixou o prefeito Desidério Silvino roxo de raiva, puto da vida!
Relataram-me que foi no dia em que o Biriteiros Esporte Clube, escrete da maior representação futebolística da província, calor da torcida local, recepcionara em uma partida amistosa, o Clube Náutico Capibaribe, do Recife, atual hexa campeão pernambucano e vice campeão brasileiro, não se sagrando campeão por ter enfrentado o Santos Futebol Clube, com Pelé e companhia.
O apito do juiz dera início na partida e o chute batendo o centro num foguetório colorido que tomou conta do estádio. No meio disso, os fogos de artifício foram acompanhados de uma podridão, um horrível eflúvio no ar, de suspender o jogo. O Náutico excomungara aquela cidade, arribando imediatamente daquelas imediações sem ao menos sequer fazer um ataque na defesa do Biriteiros. Só deu tempo bater o centro, pronto, tudo por água abaixo. O prefeito, incontinente, mandou prender Abinagildo que, culpado, se escondera longe para livrar-se do flagrante delito e da enfezada raiva da torcida local que prometera linchá-lo numa repulsa pública geral.
Não era por menos, era mesmo um vício de nascença, já consultado médico especialista sobre o assunto, obtendo-se por diagnóstico tratar-se de rebento nascido de vento ruim, procedente de maus bofes.
Nossa, a ciência não explicara direito, mas o de branco, asseverava que estava diante de um fato inusitado, pelo fato de que a tripa gaiteira do dito cujo deveria de ter algum defeito na fabricação da bosta ou o desgraçado já nascera podre mesmo, necessitando, invariavelmente, de uma intervenção através de clister para desobstruir-lhe a bosta retida. Só que o fabricante de bosta conseguia ser o maior peidão que já tivera notícia, fato até que se tentou colocar no Guiness mas não foi possível por ser tratado como verdadeiro despropósito. Muito embora, hoje, depois do ocorrido, uma banda de gente da cidade se orgulhava de ter o maior peidão de todos os tempos. E até já se viu muito bate boca entre os que reverenciam a figura santificada do Abinagildo com os que detestam qualquer lembrança de sua maledicente podridão.
- Vôte! Ele nem cuidava da alma porque o corpo já era podre mesmo!
Os enfurecidos do contra, numa reunião acalorada na câmara de vereadores, discutindo se homenageariam ou não tal figura polêmica, narravam na tribuna que nem davam por menos e lá vinha aquela ventosidade emitida pelo ânus de modos que, uma vez, até o locutor do telejornal tapara o nariz e que a televisão suspendera a transmissão alegando em letras garrafais: SUSPENDEMOS NOSSA PROGRAMAÇÃO POR MOTIVOS DE FLATULÊNCIAS INSOLENTES NO AR! E o que é pior era a descaradisse dele Abinagildo: Perde-se o amigo, nunca a piada nem o peido!
Uma vez, contam enraivecidos, que numa praia vizinha, uma dor de barriga nele, levou o indecente a fazer as necessidades na água marinha, causando verdadeiro maremoto. O cara afundou-se na água para excretar, dando-se a perceber a bosta undívaga se aproximando das pessoas com uma quentura de ferver a água. Pois é, cagando, soltou um daqueles que as principais manchetes estamparam ferindo o rigor jornalístico: PEIDO CAUSA CATÁSTROFE NO MAR. Toda aquela imensidão adquirira uma cor escura com ondas de mais de vinte e cinco metros de altura, trazendo prá mais de dez mil surfistas no maior auê radical da paróquia. Eita, bôba torreiro! Este estava com a bexiga lixa.
Certa feita, fora demitido da empresa onde trabalhava porque suspendia as atividades e baixava a produtividade, vez que no calor do expediente vinha aquele odor de merda choca que invadia todas as dependências da corporação, expulsando clientes e funcionários esbaforidos. E o pior, onde ele ía, o peido vinha atrás.
- Peido desse lata de lixo é fragrância francesa! -, reclamavam todos unanimemente.
Há quem ainda hoje reclame de manhã, de tarde e de noite, diuturnamente, vítimas do seu cinismo, não se podendo manter a compostura ante a falta de decoro do descarado. Peta que fosse, vinha aquele verdadeiro mau hálito anal de torrar os pentelhos do cu, flagrando várias vezes aquele posudo confortavelmente agachado em bacias cheias de água esfriando as pregas, onde assoprava aquele ruído de coisa queimada.
No início, consideram, eram os modestos; depois, mais agudos. Daí, meu, surgiram, então, os de queimar sofás, colchões, cadeiras, não se dando conta dos prejuízos que causara aos amigos em suas furtivas visitas. Perdera, assim, ao longo dos tempos, os mais próximos, motivo que o levou a recorrer de uma ajuda superior, rezando, contrito e no meio da oração, soltou unzinho cavernoso, da imagem da santa protetora tapar o nariz, não agüentando a feijoada de ontem. Fora expulso dali pelo padre, avalie, excomungando até a centésima geração.
Até uma outra disseram vingativos que ele mesmo já fora vítima de sua própria indecência, quando, em sua casa, certa vez, deitou-se em sua cama com o seu abafa banana familiar, um daqueles cobertores de mais de cinco centímetros de largura, daqueles próprios para o frio polar, quando soltou um que ficou, o próprio, bêbo! Pode? Por causa disso, lá, na casa dele, não tinha nem mosca, nem mosquito, nem bicho nenhum, nem muriçoca ficava.
Quem tivesse a oportunidade de ver o álbum de família dele, logo descobria porque ele era enjeitado por todos, vez que, em todas as fotos, mãos apertavam o nariz para não sentir o fedor. Verdade, era um peidorreiro desgraçado. Também pudera, minuciosamente contaram da sua dieta peculiar: feijão, fruta pão, ovo, cebola, jaca, fígado de boi, abacaxi, cachaça de cabeça, isso aos quilos todo santo dia. E era costume após a ceia, almoço ou hora de gororoba qualquer, imaginem, o cara massagear a pança e puuuuuuummmmm! Sorria satisfeito. Depois, chorava aos tombos, sentindo o ardor no procto. E quem estava perto nem podia socorrer, porque não suportava o gás assassino dele.
Dando-se conta de sua peidorrada, ele mesmo encontrou um meio de coibir a fetidez: quando ocorria, riscava um fósforo bem nos fundilhos - repara só que presepada -, a ação era imediata, armado de fogo, investia mão em direção da bunda, fósforo aceso e logo queimava o gás indesejável. Resultado: seis calças, tres cuecas, duas sungas, tres bermudas, quatro calções, tudo com rombo de queimadura na bunda - não é prá menos, né?
Por fim, depois de tantas emboanças e perseguições buscando a cura para o seu desígnio, achou de, por bem de seu senso meio lá meio cá, em plena festividade que ocorria justo às vésperas de São João, percebera, enfim, que chegara a hora da sua salvação, e dera de participar com outros mequetrefes da redondeza, dum festival inusitado de pular fogueira, onde soltaria um que o fogo abrasaria, acabando de vez com aquele mau costume.
Certo de que sairia campeão esperou para ser o último participante.
Pois é, enquanto o povo se espremia na rua central, afagados pela estridulante gritaria do locutor oficial da festa política, ele competia com outros busuntões dali, numa pulada de fogueira, numa das adjacências do local.
Chegou sua vez, nervoso, concentrado, treinou a impulsão, fez carreira e, determinado, é um, é dois, é três e zás! E aquele borborígmo mais parecia um jato queimando tudo. Lá se foi gritando estrada a fora, verdadeira labareda tomou conta dele. Sumiu cidade afora como uma tocha humana.
A festa de São João acabada e ele sumido pegando fogo. Daí, todos vingados e com ar de bem feito, narram histórias da tocha humana, o cara que, ao que parece, foi acometido de uma combustão involuntária de deixá-lo torrado pro resto da vida.
Dias depois, encontraram algo estranho na beirada de um chafariz, não se dando para identificar, mas presume-se seja os restos mortais dele. Ainda hoje está lá, aquele monturozinho de ossada queimada, local apropriado para cuspidas, mijadas e depósito de nojeiras outras impensáveis.

©Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui