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Contos-->7. O HOMEM SEM IMAGINAÇÃO -- 21/03/2003 - 07:43 (wladimir olivier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Lourenço não se deixava cativar pelas obras espíritas, muito menos se viessem categorizadas como mediúnicas ou psicografadas.

Em conversa com os amigos do centro, sempre apoiava os descrentes, afirmando que os autores de carne e osso possuíam estilo muito mais vivaz e consentâneo com a realidade da mente humana, conforme o desenvolvimento social em que viviam.

— Os amigos da espiritualidade, concluía, perdem muito de sua originalidade e poder evocativo, ainda que assinem as obras com nomes respeitáveis e famosos.

Se insistissem em opor-se a tais idéias, vinha com muitos exemplos elucidativos, demonstrando conhecimentos de superior procedência. A verdade é que era estudioso, além de ser professor de literatura no curso colegial.

Tantas vezes retornou ao tema que, em certa oportunidade, recebeu um repto de um dos admiradores das obras psicografadas pelo Chico Xavier:

— Se você acha que os vivos podem mais que os mortos na escrita de caráter literário, tome um tema qualquer que se encontra nos textos atribuídos a Emanuel ou ao Irmão X ou a André Luís, deixando de lado os poetas, e redija, pelo menos, uma página com maior brilho e inteligência. Vale até parafrasear.

Lourenço não disse nem que sim nem que não. Saiu resmungando que nunca fizera referência a si mesmo como escritor e desapareceu do centro por mais de três meses.

É a história do que lhe aconteceu nesse tempo que constitui o núcleo de nosso comentário psíquico.



Lourenço aceitou o desafio em termos. Buscou dentre as obras sugeridas aquela que lhe parecia a mais bem acabada, ou seja, de Emanuel, “Paulo e Estêvão”.

Observou as inúmeras referências históricas e concluiu que o autor espiritual não fizera trabalho de pesquisa, simplesmente, mas mergulhou no passado, nos tempos em que fora contemporâneo das personagens, reproduzindo, às vezes de forma sentimental, outras vezes bastante realista, as cenas, os discursos e os diálogos.

Pretendia bem caracterizar o nível artístico, sem ser tendencioso, entretanto sua conclusão abonava a tese que defendera junto aos amigos. Sendo assim, escolheu o início do romance histórico para refazer, satisfazendo os pruridos estéticos, conforme a riqueza de seu próprio manancial fraseológico e estilístico.

Logo se deparou com o primeiro problema: o da época literária que deveria merecer sua preferência, já que a transformação textual exigia coerência quanto aos subsídios idiomáticos. Sentiu que o texto primitivo estava eivado de tendências românticas, proporcionando ao coração preponderância sobre a razão.

Estabeleceu que seu momento deveria nortear a nova redação e fincou pé na diretriz da contemporaneidade.

Logo, porém, lhe surgiu uma dificuldade intransponível: a substituição vocabular. Se desse nomes atuais aos objetos, não faria corresponder àqueles que eram tão naturalmente colocados na paisagem. Passou para a descrição psíquica, dentro do mesmo contexto, e quedou embasbacado: as personagens só possuíam vida dentro das perspectivas históricas em que foram dimensionadas.

Definitivamente, deveria contentar-se com o cotejo entre as obras dos vivos e dos mortos, podendo eleger estas ou aquelas como as que melhor lhe caíam no gosto.

Ficou várias noites insone, a decifrar a razão de optar pelas obras dos encarnados, já que partira do princípio de que eram melhor escritas. Chegou mesmo a reler parte dos romances estudados na faculdade, os quais comentava para os alunos, acabando por notar que sempre existia certo ar de mofa, sutil humor, leve tendência à crítica, quando não se desacatava, pelo assunto, pela ação e através dos diálogos, as personagens que simbolizavam a prepotência social, política, moral, filosófica ou religiosa, em destaque.

“Quer dizer”, concluiu, “que os textos psicografados estão comprometidos com a verdade doutrinária, impedindo-se os autores de caçoar dos títeres criados por sua fantasia.”

Percorreu, então, outras obras de sua estante, até encontrar uma em que o médium apanhou ditados de jovens recentemente falecidos, cartas escritas do além, compendiadas e explicadas pelos parentes.

Reparou de cara que não eram escritores profissionais: eram pessoas comuns que utilizavam os recursos lingüísticos de que dispunham em vida. Alguns manejavam suas linguagens particulares com rara habilidade, preenchendo as idéias com comparações e outras figuras de estilo, sempre abonando os termos do jargão de seu grupo social.

Diante de um texto mais caracteristicamente representativo da tendência ao pessoal e ao episódico, comentou:

“Eu poderia apreciar esta redação como obra paralela à que se configuraria para efeito da divulgação entre o público em geral. Só vou admitir esta excrescente manifestação como a reprodução fidedigna do pensamento embutido nos modismos de uma juventude inculta.”

Esqueceu os “modismos” e se concentrou na expressão “juventude inculta”. Digo mal: passou a refletir a respeito da cultura, relacionando-a às vidas anteriores dos autores espirituais:

“Se esse cara teve o desplante de elaborar um texto em condições de ser entendido apenas pelos parceiros de correrias motoqueiras, não se deu ao trabalho, portanto, de uma obra que varasse as épocas, para tornar-se um patrimônio cultural da humanidade.”

Achou descabidas as críticas, já que não dera o mesmo valor a umas e outras obras:

“Falou o que disse como quem chupa um sorvete. Lambido o palito ou a colher, não se poderá extrair novo prazer, havendo o gajo de procurar outro manancial.”

A única conclusão a que foi levado pela imagem gelada deixou-o aborrecido:

“Ponho-me em profundas considerações a respeito da veracidade do valor dos textos psicografados e não sou capaz sequer de uma só metáfora expressiva. Como sou canhestro!”

Buscou “canhestro” no dicionário e aceitou como próprias de seu estilo todas as acepções ali consignadas. Acrescentou um número maior de sinônimos e injetou o veneno de sua bolsa nas próprias carnes.



Dois dias depois, resolveu que deveria orar contritamente pela presença dos protetores e, de lápis em punho, perante uma folha em branco, dispôs-se a psicografar o que quer que fosse, para, pensava ele, proporcionar aos amigos da espiritualidade mais uma oportunidade de manifestação proveitosa para os seres humanos.

Rapidamente escreveu:

“Qual é o papel dos médiuns na confecção das obras?”

A pergunta pegou-o de surpresa. Queria respostas, por isso, desenleou-se da pretendida confraternização etérea, concentrando-se nos objetivos da perquirição.

Ao cabo de meia hora, estava absolutamente lúcido, incapaz de distinguir qualquer forma de pensamento que não fosse sua.

Derivou os raciocínios para a admiração que lhe causava o trabalho do médium mineiro, aquele mesmo cujas obras havia tentado parafrasear. Achou que o papel de tão humilde seareiro espírita fosse, verdadeiramente, de um escrevente de superiores qualidades, além das demais formas de captação das informações promanadas dos guias espirituais.

Foi quando teve uma intuição:

“Os problemas que venho enfrentando se devem à inconsciência do Chico, ou seja, ao fator primordial da melhor fórmula de participação do encarnado no ato mediúnico. Aposto que o exercício da vigilância do valor dos escritos se atribuiu aos companheiros de mesa, aos amigos da federação ou aos próprios editores, sob cujo controle as peças devem ter merecido correções doutrinárias para se ajustarem às diretrizes estabelecidas pelos espíritos superiores ao Codificador. Se eu pegar um volume de outro mediador, um volume daqueles que julgo detestáveis pela fraqueza da composição literária e pela fragilidade lingüística, provavelmente serei capaz de notar as falhas acentuadas e as escorregadelas fatais.”

Disse e fez. Foi à estante e buscou uma das obras mais vendidas no meio espírita, sucesso absoluto entre as leitoras: um romance que Lourenço não recomendaria aos alunos nem por decreto federal.

Mergulhou na leitura conhecida, só repondo o livro na estante após terminar. Refletiu:

“Não posso afirmar que tenha sido o médium quem, animicamente, escreveu a obra. Tanto quanto atribuí ao espírito nomeado a redação das obras do Chico, também neste caso devo admitir a procedência espiritual do texto, caso contrário, teria de aceitar que os encarnados fossem marionetes nas mãos sagazes de espíritos malfeitores...”

Suspendeu a linha de pensamentos. Achou que estava sendo, no mínimo, ingênuo, uma vez que tudo quanto estivera cogitando também poderia ter origem estranha, quer por força de seu próprio espírito ignorante, quer pelo desempenho sutil de obsessor desencarnado.

Enlevado, permaneceu alheio à realidade durante mais de duas horas. Não dormiu, havendo descoberto que mantivera um braço erguido e apoiado na estante. Este, sim, estava adormecido, necessitado de enérgica massagem para restabelecer a corrente sangüínea.



No dia seguinte estava de volta ao centro. Logo o do repto estava a interrogá-lo:

— Como é, querido confrade, teve tempo de realizar a obra?...

— Vamos abreviar o “papo”. Eu mudei de opinião quanto aos textos mediúnicos. Eles são tão importantes quanto os de origem “carnal”. Perdoem-me a minha falta de palavras mais adequadas. Simplesmente, eu devo dizer que me vi perante minhas limitações e aceitei o fato de que sou um sujeito completamente sem imaginação. Explico. Fui incapaz de imitar as páginas que tentei atualizar. Outras nem tentei, as que não me dizem nada quanto ao estilo ou à tendência específica da divulgação doutrinária. Mantenho a preferência pelas obras humanas, mas devo confessar admiração por muitos autores do além, e por seus médiuns, enquanto outros, autores e médiuns, não me atraem pela pouca profundidade temática. Não estranhem este discurso. Eu o preparei cuidadosamente, tanto que vou prevenir a próxima questão, qual seja, a razão de haver afirmado que não sou dotado de imaginação. Acontece que busquei realizar comparações e metáforas através das quais iria confeccionar as páginas sugeridas. Fui incapaz, o que significa que não tenho veia artística para construir imagens, figuras, tropos. O que me deixou entusiasmado e pronto para esta manifestação foi haver descoberto duas coisas essenciais para mim. A primeira foi o iniludível acompanhamento de meus raciocínios pelo meu protetor e guia espiritual. Sem ele, não teria chegado a nenhuma conclusão positiva. A segunda reside no fato de que, preocupado com estarmos sendo obsidiados, os médiuns e eu, não abria os olhos para o fenômeno psíquico do negativismo transformado em preconceito, ou seja, estava exercendo o ofício de obsessor de forma gratuita, inconsciente e tola. Que todos possam ler de tudo, desde que adultos e vacinados. Sempre haverão de encontrar livros que preencherão suas necessidades, elegendo aqueles autores que melhor correspondam a seus anseios, literários ou não. Na qualidade de professor, irei instruir os jovens a que se adestrem no uso da língua padronizada pela norma culta, lendo os autores consagrados. Quanto aos amiguinhos da mocidade espírita, vou incentivá-los a ler as obras de nossa pequena biblioteca especializada e a levantar idéias e conceitos positivos. Se discordarem de algum ponto de vista ali consignado, iremos discutir até esclarecer a dificuldade. Vocês não acham que foi exatamente assim que procedi?

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