COMEÇANDO BEM O DIA
Mais uma segunda-feira.
Acordar no melhor do sono, ligar o chuveiro e duvidar do banho.
Espreguiçar. Despir. Banhar.Despertar enfim.
Preparar a mamadeira do pequeno, enquanto a cafeteira eficiente exala cheiro
de família e o forno avisa que o pão está quentinho.
Vestir o caçula, ao mesmo tempo em que o creme é absorvido pela pele e
aguarda a maquiagem.
De repente, o olhar no espelho. O sorriso de aprovação e a lembrança do
mesmo olhar em outro rosto na última sexta-feira. Sim, é naquela mesma hora
que aquele vizinho desce de elevador. A hora de encontrar aquele homem
atraente, cheiroso, barbeado, de olhar cândido e indiscreto no decote, que,
por alguns segundos, emudece, desvia os olhos e sonha.
Hora de cruzar com aquele outro, que leva bem cedinho o cachorro peludo para
o passeio matinal. Olhares, instintos, recatos.
Sair para o trabalho, depois disso, é leve e agradável.
Sentir-se bonita, satisfeita, desejada.
A condução, as árvores, o sol e os devaneios.
A mente viaja mais rápido que o ônibus. O motorista percebe o ar blasé e
parece penetrar no sonho.
E a porta do elevador se abre e ele está lá, alto, elegante, todo de branco,
propositalmente (ou não?) os botões desabotoados da camisa, como que saindo
apressado, mas com o peito desnudo e oferecido bem ali, arfando a cada
inspiração.
Aqueles olhos infinitamente solitários, de visão paralela, encontrando-se
num ponto qualquer dentro dos seus, mesmo que por um instante. Um mundo de
loucuras na cabeça. Um universo de sensações do que poderia ser.
Chega o térreo, ele vai para a garagem, ela para a rua. Suspiro.
Ao abrir o portão externo, corre o outro, com o cão peludo, esse mais velho
e não menos interessante. Sempre que passa por perto aspira seu perfume em
profunda inalação. Entra, agradece, dá o bom dia certeiro, a admira, mas o
cachorro quase o puxa pela guia. Novo suspiro e ganha a rua.
A cada boteco, a cada ônibus que passa, um frisson de animais farejando
fêmea. Um desespero de macho em sua obrigação diária. Ela anda, sente-se
estrela de propaganda de sabonete, leve, esvoaçante, perfeita. Algum
rebolar em seu salto alto e seu gingar de quadris.
O ônibus vem longe. O motorista a reconhece e pisca os faróis. Mais um
exemplo de espécime desejável, atlético, moreno e com aqueles olhos,
perdidos olhos num infinito de sedução.
E ela acorda de seus delírios com uma brusca freada. Assustada, olha ao
redor. Esta quase no ponto (não ela, mas a condução, porque ela está mais
do que no ponto). O motorista a busca pelo retrovisor e sorri com os
olhinhos.
Ela retribui gentil e volta ao prédio.
Lembra do outro prédio em frente e do vizinho debruçado no parapeito,
aguardando que ela escolha a roupa do dia. Espera cauteloso, ansioso,
deliciado. Ela sabe. Passeia defronte à janela de sutiã e calcinha. Veste-se
lentamente: primeiro a calça comprida, depois a blusa, os sapatos, brincos,
relógio, cordão... penteia os cabelos e disfarçadamente o observa por
entre os fios. O vê sorver sua parcial nudez inocente e segui-la com os
olhos e o desejo.
Pronto, chegou seu ponto. O motorista a cumprimenta e a estupra
inconscientemente, a submete. Ela permite e salta.
E vem música em sua mente. Romântica, gostosa, preguiçosa, como o sol que se
espraia e se espreguiça antes de dourar mais um dia.
Ela chega ao trabalho e parece não ver nada ao redor. Canta baixinho sua
música do momento. Todos espantados como ela pode chegar ao trabalho numa
segunda-feira tão cedo, tão linda, tão feliz e cantarolante. Ela sorri,
cúmplice de si mesma. Ninguém sabe que acabara de fazer sexo com três homens
maravilhosos e ainda ter sido vigiada por um voyeur. Como o dia poderia ser
melhor?
Lílian Maial
http://www.geocities.com/lilianmaial/
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