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Contos-->O sonho -- 15/03/2003 - 10:30 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


Milardes, era uma cidadezinha encravada no meio do sertão brasileiro, onde, além de seus moradores e do carro do correios semanal, apenas esporádicos forasteiros resvalavam por aqueles lados. A cidade sobrevivia da criação de cabras, e como não eram tantas, seus habitantes passavam a maior parte do tempo batendo papo nos bares.
O maior evento da cidade era a feira semanal, onde se negociava desde alimentos em geral, até móveis e utensílios, novos e usados. A moeda principal era troca. Como toda cidade do interior, não faltavam a praça e a igreja católica . O padre, já estava a vinte anos na Paróquia, conhecia todas as almas daquele confim, fora responsável por todos os casamentos, batizados e enterros da localidade.
A alguns anos, surgiu naquele lugar um homem chamado Serapião Lutero. Quando o padre soube o nome do sujeito, quase entrou em pânico. Logo associou o nome a Martinho Lutero. Benzeu-se e foi ter uma conversinha, para saber das intenções do sujeito na Vila.
_ Além de plantar hortaliças, fundar um Centro Espírita.
Caiu duro.
Mas com algumas explicações e muita insistência, a disciplina de Kardec se implantou na Vila. Na verdade, até o Reverendo ia de vez em quando para as reuniões, expandir o evangelho de Jesus Cristo. Com alguns anos, Milardes, era a única cidade onde uma igreja e um Centro Espírita conviviam pacificamente. O velho Serapião era casado e tinha um menino chamado Emanuel, nome dado em homenagem ao mentor de Chico Xavier. O menino tinha sete anos quando da chegada do pai na localidade, hoje era um matuto com dezessete . Trabalhava nos correios, seu ofício o permitia ter uma vida vadia, subindo e descendo às ruelas, entregando e pegando as correspondências no domicílio. Por este detalhe, Emanuel era conhecido de todos como “menino do correio”. Dentre seu itinerário, estava uma parada obrigatória na barbearia para um dedo de prosa com seu proprietário e confidente Pedro Álvares Cabral da Silva, nome recebido em homenagem ao descobridor do Brasil. Seu Cabral, tinha verdadeira afeição pelo moço, que conhecia desde a chegada da família na Vila. Os papos corriam sobre temas variados, desde religião, futebol, artes, livros e o inevitável: “mulheres”.
Seu Cabral, além de bem informado, conhecia como ninguém tudo o que rolava na Vila. Conseqüentemente, o “menino do correio”, conhecia os fatos e relatos da pequenina localidade.
Naquela manhã, tinha novidade na Vila,. O seu Cabral mal agüentava a chegada do carteiro, para detonar a fofoca. O café esfriava na xícara, quando a brita foi esparramada pela freada do traseiro da bicicleta. O som característico denunciava a chegada do menino.
_ Atrasou hoje, garoto.
_ É que o Zezão me mandou pelas bandas do Giruá.
_ Faze que só lá?
_ Entrega um telegrama para um tal de Osvaldo Martins, um sujeito que nunca vi antes por aqui. Acho até que é engano.
_ É não menino...
_ Como tu sabe?
_ Ochente, então o menino não sabe do povo que comprou o Giruá?
_ Não foi o Sub-prefeito?
_ Que que é isso. Ele é rico mas nem tanto.
_ Ué, então quem foi?
_ Esse ai do telegrama.
_ É?
_ É?
_ Mas ele não mora nesta região, mora?
_ Não, vem de Sun Paulo. Esteve aqui, fais mais de mês, olhou a Giruá e comprou na hora.
_ Nossa, o homem é da grana.
_ Se é; o subprefeito disse que o cabra vai fazer uma invernada com mais de mil cabeças de boi.
_ Nossa mãe!
_ Pois é, finalmente um endinheirado resolve olhar pra esse pedaço de chão.
_ Ele vem sozinho?
_ Não, vem com a família, a mulher e uma filha de dezesseis anos. Quando esteve aqui, ela parecia uma bonequinha.
_ Ochente, menina nova na Vila!
_ É, mas não assanha não. É donzela e séria...
_ Que é isso seu Cabral, eu nem conheço a moça ...
_ Bem por isso, não confunda com as neguinhas da Rua da Pérola.
_ Não sei do que está falando.
_ Há seu menino, pensa que ninguém sabe das estripulias suas depois das reuniões no Centro?
_ Ora, eu não nego que de vez em quando, dou umas idas a rua da Pérola, mas ai a dizer...
_ Legal. Vou acreditar...
_ Mas quando esse povo chega?
_ Nesses dias..
_ É seu Cabral; estamos evoluindo.
Após algumas xícaras de café, Emanuel pegou sua bicicleta e voltou ao trabalho.
O dia correu como sempre, ida e vindas, levando esperanças dentro de envelopes lacrados, àquela gente sofrida, encravada no sertão nordestino.
Naquela noite, sem maiores explicações Emanuel não foi para Boate Rua das Pérolas. Decidiu acompanhar seus pais para casa. Surpresa dos familiares, habituados à boemia do garoto. Mas ninguém perguntou nada. Ao Chegar em casa, dirigiu-se ao quarto e caiu na cama.
Ao adormecer, Emanuel viajou. Estava agora na Rua Principal, quando ao longe na curva levantou-se poeira, indicando a chegada de um veículo. O carro dos correios já tinha passado pela manhã. Então seria algum viajante extraviado ou um fugitivo da cadeia de Fortaleza. O garoto pode ver a placa, SP 0199, Araraquara, São Paulo. Era um grande caminhão Mercedes, seguido de dois outros carros menores.
A chegada em comboio, foi recepcionada com alvoroço pelo subprefeito. Era a família que tinha comprado o Giruá.
Desceu um senhor aparentando quarenta anos, fraque e bigode raso. Parecia um camboy do filme “Era uma vez no Oeste”. Recepção calorosa, vivas, boas vindas. O sub-prefeito parecia uma criança diante de um brinquedo novo. Em seguida, desceu o resto da família. Uma senhora lá pelos trinta e cinco e uma jovem encantadora. Devia ter quinze anos, cabelos loiros, vestido branco e longo. Emanuel aproximou-se do cortejo, vidrou na menina. Era diferente. Não tinha a beleza da Lourinha ou da Lady Gril. Parecia rodeada por uma névoa, que em contraste com o sol e a poeira, formava uma áurea igual às imagens da Virgem Maria. Imaginou como seria complicado um daqueles amassos no Tijucão. Era o tipo de garota que de se olhar já bastava.
Rapidamente saíram em direção ao Giruá. O monza que levava a moça passou em sua frente. Pode ver a menina se se encostar à poltrona, olhos brilhando, feliz por estar aí. O rapaz ousou um sorriso, ao qual foi correspondido. Inacreditável, a menina tinha notado o abobado. Que sensação diferente! Muito melhor que uma noite no Tijucão. Mas observando friamente, ela sorriu para todos os que ali estavam, maravilhados com tamanha simpatia.
Atrás dele, estava o Mirão. Alemão alto, entroncado, mal encarado, temido por todos, famoso pelas diabruras que aprontava. Ninguém o enfrentava. Na rua das Perolas as meretrizes tremiam quando colocava os pés por lá.Os pais aconselhavam suas filhas a manter distância dele. O sujeito rodeava a cidade de um lado pro outro, atormentando a Vila. Ele fixou na menina um olhar frio, devorador.
_ “Gostosa”!
Emanuel, estava agora no Centro Espírita. Era noite e a casa lotada. Seu Serapião preparava-se para o inicio, quando alguém tocou seu ombro. O garoto virou-se levemente. Era ela. A forasteira. Vestia uma blusa de crochê transparente, com uma calça em linho que moldava suas formas; e que formas! Já não era mais a princesinha do Conto de Fadas, aproximava-se mais da Lady Gril, com milhões de virtudes à acrescentar.
_ Posso me sentar ao seu lado?
Imaginou : “tem que implorar”?
_ Claro...
_ Obrigada...
A loirinha postou-se ao banco. Emanuel acompanhou a cena quadro a quadro. Refez em vários zoom, câmara lenta, câmara mais, tira teima, e ao final, imaginou um enredo nada condizente com o momento. Enfim, concordou com o Mirão.
_ Meu nome é Jaqueline, e o seu?
_ Emanuel - que sorriso!
_ Nome famoso.
_ É, meu pai que escolheu, dada a grande admiração pelo Chico.
_ Seu pai é o dirigente?
_ Sim.
_ Então prestemos atenção, ele vai começar.
“Eu não creio. Que encanto”
Iniciou a reunião, fez-se a oração, a leitura e as discusões. Mas Emanuel só via a loirinha. Estava hipnotizado. Despertou quando seu Serapião, convocou os presentes, anunciando a novidade.
_” Prezados irmão! Hoje a nossa casa alegra-se, juntamente com toda nossa localidade, haja visto a chegada da Família Martins. Esta Família Espírita, vem somar a Vila e ao nosso Centro, sendo conhecedores da Doutrina, em muito vão contribuir conosco. E sem mais delongas, apresento a todos a Família Martins, composta pelo Senhor Osvaldo, Senhora Isadora e a bela Senhorita Jaqueline. Queiram vir até à frente, para que todos tenham a Honra de conhece-los”.
Um a um foram se levantando, iniciado pelo pai, à mãe e ela. Todos encantadores, embora o encanto maior ficou com a loirinha.
Seu Osvaldo agradeceu brevemente, dizendo-se encantado com a Vila, com as pessoas, com o Giruá; colocando-se a disposição da comunidade. Era um orador nato, sabia prender a atenção dos ouvintes.. Com certeza, muitas distintas das Senhoras, invejaram a sorte de Dona Isadora.
A reunião encerrou com Jaqueline proferindo a oração final. Emanuel bebeu cada frase, até seus sentimentos mais vívidos foram esquecidos.
Era uma Deusa.
Deusas transam?
Na saída a surpresa:
_ Venha a minha casa amanhã, para nos conhecermos melhor?
_ Claro...
_ A que horas?
_ Depois do expediente.
_ Combinado então!
Beijinho no rosto, sorriso e o garoto caiu sentado, não acreditando. Sentiu o banco, quando viu na entrada a macabra figura de Mirão, seguindo a moça com aquele olhar aterrador.
Agora, Emanuel estava no Giruá, via grandes árvores, vasta grama e, ao longe a linda Jaqueline, que então vestia uma blusa colegial, tênis, meia e mini-saia, escapando um admirável par de coxas. Com certeza, não eram 17:00 horas, no máximo 14:00 horas. Diante de tal convite, valia um mal estar, comprovado por um exame médico. Nada que a Agência Brasileira de Correios e Telégrafos não pudesse suportar.
_ Oi...
_ Olá, chegou cedo?
_ Pois é, o seu Bernardo me liberou antes.
_ Sério?
_ É ...
_ Que chefe legal!
_ Pois é...
Mentira! Santa mentira. Perdoável.
Sentaram-se em um banco, distância segura. O rapaz estava branco. Não saia nada. Novamente tomou a iniciativa .
_ Desde quando é Espírita?
_ Sempre fui. Meu pai fundou o Centro, e eu fui seu seguidor. E você?
_ Também. Desde que me conheço por gente nunca freqüentei outro local. Sou uma rata de Centro.
_ Rata não: gata!
_ Obrigada...
E assim foi. A tarde passou voando. Só interrompida de vez em quando, pela Dona Isadora, que gentilmente ofertava um suco, lanche ou simplesmente um dedo de prosa.
Até que:
_ Você tem namorada?
_ Eu?
_ É...
_ Não...
_ Sério?
_ Não... quer dizer sim. Por quê?
_ Ora, um rapaz tão bonito era de se esperar que tivesse alguém.
Foi seu auge. Acostumado às falsas declarações da Loirinha e Lady Gril, despontava uma chance de quem sabe... talvez... de repente...sei lá.
Quando, num gesto mais ousado, pegou a mão da menina, palpando toda a maciez e calor, olhando profundamente nos olhos dela, sentindo a proximidade de um longo beijo, quando ouviu ao longe.
_ Querida, venha, temos que ir para o mercado.
_ Estou indo mamãe...
Novamente um beijo, no rosto, embora o sorriso com fortes indícios de um grande amor.
Levitando, Emanuel pegou a estrada, e na saída do Giruá viu o Mirão escondido entre os arbustos, vigiando a chácara.
_ Matem!
Era a voz de Cabral. Seguida de centenas de outras. Matem... matem...
Emanuel estava na Rua Principal. Um aglomerado de incitados moradores se dirigiam para a área central da cidade, levando pedras, paus, facas e alguns 38. Um pequeno exército.
_ O que foi seu Cabral?
_ Não soube não?
_ Não...
_ Are. Uma tragédia.
_ Mais fale, quem fez o quê?
_ O doido do Mirão invadiu o Giruá, violentou a menininha e não bastando, cortou ela em pedacinhos.
Um soco no estômago. O garoto mal ficou em pé. Recostara-se no poste. O mundo rodava.
_ E o povo quer lincha o infeliz.
O Mirão, tinha invadido a casa do Giruá, quando os pais de Jaqueline estavam no Mercado. Um vizinho ouvira os gritos e chamou a polícia, que levou o sujeito para a delegacia, onde foi tirado à força e levado para a praça. Entre os executores, estavam todos aqueles que, de uma forma de outra, tinha contas à acertar com o assassino. Como a oportunidade não surge todo dia, lá estavam, prontos para cumprir a sentença.
Uma força diabólica invadiu as entranhas de Emanuel. Quando percebeu estava no meio dos carrascos, com uma vara de ferro em riste, desferindo golpes na cabeça de um indefeso Judas..
O facínora,cambaleava, quando quatro braços rodearam o garoto ensandecido. Era seu Cabral e Serapião tirando-o do meio do grupo. Ouviu-se um tiro, desferindo para o alto. Era o delegado tentando dissuadir o grupo de executores. Não adiantou. O delegado foi dominado. Iniciaram-se novamente as agressões. O fim parecia determinado.
Qual não foi a surpresa quando surgem no meio da multidão seu Osvaldo, Dona Isadora e o padre. Correramm e abraçaram a vítima, formando um escudo humano. Diante de tanta coragem, Serapião e Seu Cabral se colocaram diante do grupo e aos berros e empurrões conseguiram abrir o caminho. Com o enfraquecimento do grupo, surgem mais dois policiais e o delegado conseguiu soltar-se e, de arma em punho dispersa o povo.
_ Saiam, deixem esse lugar, senão enquadro todo mundo.
A poeira baixou e a cena que estava diante do garoto era de uma mãe e um pai aos prantos, abraçado ao assassino de sua filha, usando o próprio corpo para protege-lo.
Fim do alvoroço, Mirão foi agarrado e rapidamente conduzido para a cela da delegacia. Emanuel , foi até Seu Osvaldo, olhou, mas a voz não saiu, embora a pergunta fosse: Porquê?!
_ O perdão, meu filho. O divino exercício do perdão. Embora nos seja difícil perdoa-lo, é necessário; afinal, ele já se condenou e vivo terá a oportunidade de se melhorar - Dona Isadora respondeu com voz firme e certa, olhando no olho molhado do garoto.
Uma voz chama. Era mamãe.
_ Emanuel, levanta... vai perder a hora.
Fora um sonho, embora parecesse tão real. Emanuel atribui a excitação da véspera.
Eram oito horas, e lá foi o “menino dos correios”,para sua labuta, não sem antes passar na barbearia para saber das novidades e contar seu sonho.
Ao cruzar a Avenida, viu um grupo reunido perto da praça. Os integrantes eram forasteiros e o que chamou a atenção foi a placa do caminhão, que carregava a mudança : SP 0199, Araraquara – SP.
Uma moça ao vê-lo, dirigiu aquele sorriso já conhecido, estendeu a mão, e apresentou-se:
_ Meu nome é Jaqueline. E o seu?



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