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Contos-->O dinheiro falso -- 15/03/2003 - 10:29 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



Essa quem me contou foi um baiano chamado Odilon, no tempo em que eu morei em Abadiânia, Estado de Goiás. Naquela época eu estava me recuperando de um câncer, que não sei bem se era no estômago ou na alma. Como eu tinha às tardes livres, ficávamos batendo autos papos. O Odilon tinha nascido em Salvador, mas veio muito jovem se instalar em Brasília. Comíamos muito prato típico, ele era um ótimo cozinheiro e havia adquirido o hábito do chimarrão, o qual até hoje aprecio muito. De todas as coisas que o gaúcho criou, depois das gaúchas, o melhor foi o chimarrão.
Uma tarde dessas, ele me contou esta estória, tão rica em detalhes, que eu resolvi escreve-la. Não vou acrescentar em nada, ela vai na integra, como se saindo debaixo do bigode do nosso careca baiúxo, na sombra de uma mangueira.
Quando meu pai era solteiro, morou um tempo em Barbacena, na Minas Gerais. Foram uns vinte anos. Numa tarde chorona, viu lá na curva, depois da coxilha, um pangaré se aproximando. Era pouco comum surgir um vivente por aquela região montanhosa, cheia de pedras. Decerto é um caixeiro viajante vendendo as novidades da capital. Vi o moço se achegando, meu pai largou o cabo da enxada, e por garantia pegou a CBC 40. Vai que fosse jagunço. O moço foi aumentando, aumentando; o rosto fino, bigode, barba rasa, terno preto com cartola, apareceram de todo.
_ Calma vizinho, sou de paz.
Parou o cavalo, mas o pai não largou a espingarda, cara dura e firme.
_ Posso me aprochegar?
_ Qual é a sua graça?
_ Marculino Luzzardo dos Anjos a sua mercê.
Meu pai arribou o homem. Notou em seus dentes alguns postiços dourados, que em contraste com o sol, geravam um reflexo de farol.
_ Mas apeie seu Marculino, o que o amigo faz por essas bandas?
O homem apeou. Mas nem por isso meu pai baixou a guarda. Nunca se sabe, né!
_ Estou à procura de uma porçãozinha de terra pra compra e sossega.
_ Vige! Terra é o que não falta por aqui. Vai encontra de rodo.
_ Que beleza; mais e o preço?
_ Pouco ou nada. É pechincha. Muita gente quer ir pra capital. Dizem que está instalando indústria por lá, coisa do novo governo, um gaúcho chamado...
- Getúlio Vargas.
_ Isso, veja Vossa Mercê que moramos aqui na roça nem soubemos o nome do Presidente.
_ É tanta mudança que da pra entender.
_ Mas então, como eu te dizia por causa do tal de emprego os meninos tão tudo indo embora. Ontem mesmo o Tiozinho, que morava lá na Serrinha arrumou as trouxas e picou a mula. Diz que seu filho ia jogar no Cruzeiro, e trabalhar numa fábrica. Eu sei o que é fábrica!
_ Mas, e qual mais ta à venda. A do Senhor?
_ Eu não, moço. Eu não sei lê nem escrever. O que que eu vou fazer naquele cidadão? Fico aqui fazendo alguma espingardinha, ganhando uns pilinha aqui, outro acolá, tocando minha toada. Meu viver é a roça.
Meu pai era armeiro, fazia espingarda. Todo mundo conhecia ele na região. Arrumava arma, cartucho e contava estória. Ficou em Barbacena até o dia em que deu na veneta de vir pra Brasília. Largou tudo e veio.
Mas, o Marculino pousou na casa do pai e na manhã seguinte saiu à procura de terra pra comprar. A notícia se espalhou, até fila fazia em frente da casa de meu pai de gente querendo vender. Diz que deu até briga. Mas no fim, o Marculino comprou a terra do Ernesto Torpulha. A quantia o meu pai nem lembrava, mas algo como vinte mil réis, pagos na bucha e em dinheiro. A escritura faria uma hora que se encontrassem em Belo Horizonte, por que ali não tinha Cartório. Veja você, tudo na confiança.
A terra ficava na beira de um regato chamado Sapo Mel. Tinha muita mangueira antiga, além de um monte de outras árvores, fazendo sombra de dá inveja. A casa era de madeira, tinha ficado preta de tanta chuva e umidade, mas tinha um porão e sobrado.
Marculino fixou na terra. Quando questionando sobre sua atividade respondia:
_ Sou vendedor de livros, livreiro sabe...
O povo simples daquele lugar estranhou momentaneamente, mas depois engoliu. Marculino era só, tocava viola e logo formou amizade. Todos de Barbacena conheciam seu Marculino. Até que pra época cantava bem. Os seus ídolos eram Tonico e Tinoco, meninos começando a carreira.Quando o pessoal achou que era chacota, lá foi seu Marculino com sua mula pela cidade vendendo, sabe o quê?
_O que:
Livros. Era verdade, pensaram. Ele vende livros mesmo.
Meu pai quando viu o caixeiro saindo, não aguentou e deu com a língua nos dentes.
_ Seu Marculino, me desculpe repara, mas aqui ninguém compra livro, não.
_ Are. Mas claro que compra.
_ Ninguém sabe ler direito. A num se o padre Dionísio e a professora Joana, o resto aranha mal e mal o nome.
_ Aprende seu Geldásio... aprende.
E passava de casa em casa oferecendo Rui Barbosa, Machado de Assis, Castro Alves, Camões, Manoel Bandeira, e muito mais. As pessoas manifestavam as mais diversas reações.
_ Tchi seu Marculino. Isso mais parece a Bíblia.
_ Tem oração, tem?
_ Quanta letra seu Marculino, isso não é comigo não!
E assim ia. Mas o homem todo dia fazia suas visitas e recebia as mesmas recusas. De vez em quando a Dona Joana comprava algum. O padre só queria livro de santo. Mas Marculino tinha bom coração e até dava quando o cliente não tinha dinheiro. E assim foi, entre almoços e serões conquistou muita gente, que até vieram a ler depois.
Foi num serão na casa de um tal de Josuel Macedo, que conheceu Neudinha. Moça toda encabulada; pele e osso, mas Marculino bateu o olho e gostou. Uma semana depois pediu a menina em casamento. Seis meses e se casaram. Meu pai foi padrinho. Deu um porco gordo de presente. A festa foi grande, Marculino viajou à capital e trouxe, além de livros, é claro, roupas, bebidas muita coisa que os matutos nem sabiam que existiam.
Agora meu pai e mais meia cidade eram cumpadi de Seu Marculino. A mobília da casa foi comprada no local, coisa simples, tudo pago na hora.
_ Cumpadi devia ter muito dinheiro antes de vir para esse fim de mundo? - Questionou certa vez meu pai.
_ Um pouco cumpadi. É que lá vendia muito mais que aqui.
_ Imagino.
_ E o pessoal é mais culto.
_ Curto. São baixinho?
_ Não cumpadi, lêem mais.
_ E o culto?
_ É de cultura, cumpadi.
_ Há.
Logo depois de dez meses Neudinha já tava embuchada. Era coisa pra dois meses. Marculino pegou seu cavalo e foi até Belo Horizonte de onde trouxe roupas pra bebê, e mais livros.
Infelizmente no dia do parto a coisa complicou. De tão pequena e fraquinha, Dona Nerinha não resistiu e morreu. Salvou-se a criança, que recebeu o nome de Vitório Carlos. Meu pai foi padrinho dele, embora tenha revelado isso só pra mim. Marculino ficou muito triste. Dias e dias não tocou mais sua viola e não saiu para venda. Deixou o molequinho com o sogro. Ia todo dia levar dinheiro e comida. Mas trancou-se na casa preta. O povo entristeceu. Todos tinham acostumado com o alegre Marculino, bebendo café e comendo pão de queijo. Como lia muito, tinha estórias de monte.
Mas certa manhã meu pai saiu pra caçar e viu o cumpadi abrindo a porta preta.
_ Cumpadi, me aguarde que eu vou com você.
A casa preta voltou a ter viola e a cidade o vendedor de livros.
Passaram os anos e Vitório Carlos cresceu. Precisava estudar. Marculino escolheu a capital. Ele queria o filho letrado. Com dez anos o menino deixou a pacata Barbacena para os estudos.
Marculino ficou ai naquela vidinha de sempre. Teve um ano que a colheita zebrou e muita gente emprestou dinheiro dele. O homem sempre tinha um troco para os amigos.
_ Passe amanhã pra uma prosa, que eu arranjo.
E era batata. Sem pressa pra devolver, sem documento, no fio do bigode. Alguns devolveram, outros prorrogaram, outros pediam mais. Nunca receberam um não.
Com os estudos de Vitório Carlos, Marculino viajou mais seguido para a capital. Ia ver o filho. As vendas continuavam empatadas. Ele precisa sair para outras cidades da região. Com isso suas estadas em Barbacena eram mais ralas.
_ O menino precisa de muito dinheiro, preciso trabalhar dobrado. E agora, moda de viola só aos sábados.
Apesar dos novos gastos, Marculino mantinha seu padrão de vida, sem tirar nem por. Reunia a turma no final de semana para os causos e viola. Era homem admirado. Não deixava pendenga. Pagava em dia e no pila. Meu pai chegou a questionar de onde viria todo aquele dinheiro. Com certeza teria negócio grande na capital, que gerava toda aquela grana.
Certo dia o menino formou. Muito feliz, Marculino trouxe o advogado para Barbacena rever sua terra.
_ Meus amigos, cumpadi, cumadres, eis meu menino. Doto Vitório Carlos Luzzardo dos Anjos.
Tinha adquirido a magreza da mãe; do pai só a postura. Parecia sério, altivo, vesti-se bem; foi o menino dos olhos da cidade. As mocinhas sonhavam com o “Doto”. As mães também. Os pais já achavam ele meio sem graça, conversa estranha, fora dos padrões locais. Não gostava de música sertaneja. Falava num tal de blues. Combinava com bules. Onde já se viu. Mas na asa do pai andava pra cima e pra baixo na Vila.
_ Vai abri uma banca na cidade _ anunciou Marculino aos cumpadis.
Na verdade Barbacena crescia aos poucos e não tinha nenhum advogado e podia até crescer. E foi. No centro Marculino comprou um ponto e mandou pintar em letras grafais:
“Vitório Carlos Luzzardo dos Anjos”
Advogado
Meu pai nunca viu o “Doto”com cliente, mas o dinheiro não faltava, sempre bem vestido, rodeado de moças e bebidas. Era um bom vivant. De vez em quando a Laurinha ia visita-lo. E as portas fechadas.
_ Estudando cumpadi. O meu menino ta ensinando Direito pra coitadinha. Pensa em advogar.
_ Há!
E os estudos ficaram mais freqüentes. De lá uns dias outra caleguinha foi estudar com o “Doto”. O povo maravilhado com o rebento de seu Marculino. Era exime professor. As moças saiam recitando Constituição, Código Civil, Penal, etc. Quando algum garoto se inscrevia para as aulas, recebia uma negativa, dizendo que tinha muitos processos, estava sem tempo, talvez para o ano seguinte. No entanto o bondoso “Doto” abria vaga para as donzelas, uma caridade. E o povo podia até estranhar, mas as moças iam sempre acompanhadas, nada de maldade. Seu Marculino garantia que era sério e ponto final.
Certo dia, voltando de Belo Horizonte em um cavalo jovem - tinha morrido o pangaré- Marculino caiu, bateu com a cabeça nas pedras; foi encontrado alguns dias depois já quase podre. Levado para Barbacena, comoveu a Comunidade.
O “Doto”estava em uma de suas aulas, meu pai foi designado para anunciar o ocorrido; foi ao escritório e como a porta tava entreaberta, não se preocupou em bater. Achou que Vitório Carlos não se chatearia, inda mais num momento como aquele. Quase que o velho fica durinho quando viu a cena: o “Doto”e suas pupilas numa semvergonhice de dá dó. A Laurinha segurando a Ritinha, enquanto o professor metia nela.
_ Não é que é virge mesmo.
Papai voltou pra trás, não acreditando. Era uma pancada. Mas encorajou e bateu, afinal tinha que fingir que nada vira. O escândalo agora ia manchar a honra do finado. Depois veria o que fazer. Saiu pra fora e como fora chegando, gritou:
_ Seu “Doto!”, abre por obséquio.
Silêncio.
_ Abre, é urgente.
Lá saiu o safado, com a cara deslavada, atender meu pai.
_ Fale padrinho, o que traz o Senhor aqui nessas horas em que me atenho a estudar mais um processo porreta por dano.....
_ Eu sinto interromper seus estudos, mas é sobre seu pai.
_ Ué, o que tem ele?
_ Bem... foi encontrado morto na serra da Mantiqueira
_ Como!
_ Ele caiu do cavalo e bateu com a cabeça. Nove pau.
_ Virgem mãe!
Apesar de mulherengo, o menino amava de verdade o pai. Foi levado para a casa, onde, cheio de piedade, o povo preparara o funeral. No velório, que adentrou à noite,. compareceu a cidade toda. Mataram boi, assaram carne, as mulheres fizeram regado à cachaça, da boa, direito de Betim. Algumas garrafas estavam no cavalo, quando o Marculino caiu.
As alunas foram em peso. Lá estava a Laurinha, a Aninha, a Paulinha, a Francisquinha e a mais jovem, a Ritinha; esta que teria de recuperar a lição por ter sido interrompida. Foi um festão, tudo em honra ao falecido.
O enterro foi no dia seguinte, o padre caprichou no sermão e as beatas na choradeira. Meu pai também sentiu, mas me confessaria que cada vez que via a Ritinha lembrava dela de pernas abertas segurada por Laurinha, com o “Doto”introduzindo o lápis. E quando olhava para as outras ficava imaginando quantas vezes.
Credo! que pensamento feio. Teria que confessar logo depois da missa.
Enterrado Marculino, a cidade voltou a viver. O “Doto” ficou socado por um mês, numa tristeza só. Mas como a vida tem que continuar, continuou. O seu Venâncio, pai de Ritinha, comentou:
_ Eta cabra bom. Tal como o pai, mal enterrou o dito e já tá dando suas aulinhas. Hoje mesmo a Laurinha, filha de seu Edgário, convidou a minha menina pra continuar as aulas.
_ E ela foi?
_Foi, voltou feliz da vida com a lição!
_ Sei.
Meu pai guardou segredo, em memória do cumpadi. Mais dia menos dia a coisa ia estourar, ele que não ia precipitar. Tudo ia bem.
Depois de algum tempo de lida, meu pai notou algumas mudanças nos hábitos do “Doto”. Antes ele era quieto, não era dado a gastança. Mas de uns tempos pra trás, deu à esbanjar. Comprou muita coisa, mobília nova, roupa, presentes pra todo mundo. Deu um vestido lindo pra Ritinha, em honra aos elevados esforços no aprendizado de direito. Meu pai ganhou um Shemidt Inglês prateado, que depois passou pra mim. Tinha lá na casa em Brasília.
Matutava o velho. “De onde vem essa dinherama toda”. O cumpadi devia se muito rico!
Vitório Carlos, viajava muito. Ia à Belo Horizonte, de mês em mês. Deixou suas aprendizes tão desamparadas, que elas começaram a terem outros professores. A Ritinha queria aula todo dia. Bota menina estudiosa. Na falta de direito ia agricultura, veterinária, comércio em geral. Embora fosse pecado mortal, alguém comentou que, até o padre deu umas lições a mocinha. Jesus!
Certa feita, numa das voltas da capital, o povo viu uma fumaça andando pelo moro. E um barulho nunca ouvido antes. Aproximando mais, meu pai viu uma espécie de carroça motorizada surgir por detrás da montanha. Parecia um trem pequeno, berrando pela coxilha. Muitos correram pra dentro de suas casas; outros pegaram em arma. Meu pai catou o Schimidt e ficou em guarda.
Mas aos poucos viu o bicho chegando. Era o “Doto”.
_ O que é isso afilhado?
_ É o carro, padrinho.
_ Carro?
_ É, veículo, transporte.
_ É vivo?
_ Nada ... tem que ligar.
Era o calhambeque; carro de luxo, tido por poucos. Só Barão tinha igual. Custava um dinheirão. Mas o “Doto” tinha.
Naquela noite o povo todo foi ver a novidade. Muita gente não acreditava. Diziam que era coisa do Diabo. Só tinha em São João Del Rey.
_ Nossa Senhora da Piedade nos proteja - exclamou o velho Belarmino - o que há de se do carro de boi; é o fim dos tempos.
Dramas à parte, o fato é que naquela noite o “Doto” repetiu inúmeras explicações. Todos queriam sugar o máximo daquilo. Barbacena já acenava para o progresso. O prefeito decidiu homenagear o carro com a medalha D. Luis Antônio Furtada de Mendonça.
O dia raiava quando o povo começou a ir embora, com a promessa de voltar depois. Naquela semana o “ Doto” levou suas alunas para passear no campo. Voltava uma turma e ia outra. A cidade toda andou.
Andou tanto que acabou o combustível, a gasolina que tinha trazido tinha acabara e não existiam postos às léguas de distância. O “Doto” voltou empurrando. O carro ficou por meses no porão da casa preta parado, inerte, morto.
_ Melhor cavalo!
Certa manhã quando o sol começou a esquentar, meu pai viu descendo a Serra da Mantiqueira dois homens estranhos. Provavelmente viajantes de passagem.
Chegaram e pediram:
_ É aqui a cidade de Barbacena?
_ É sim senhor.
_ O Senhor conhece um homem chamado Vitório Carlos Luzzardo dos Anjos?
O pai olhou para os sujeitos e sentiu o cheiro de bode. Teve a sábia idéia de dizer:
_ Mais ou menos.
_ É seu conhecido?
_ Olha, ele tem uma casinha lá no Sapo Mel, coisa pouca...
O homem que parecia ser o chefe se adiantou, olhou gelado no fundo dos olhos de papai.
_ Me indica o caminho, já!
_ Sigam a beira do rio e não tem como errar. É uma casa velha, preta.
Pegaram nas rédeas e galoparam. Meu pai seguiu atrás, à distância, só na butuca. Escondido em uma toceira de bambu pode ver quando os homens chegaram. Ao vê-los o “Doto” tentou fugir, nas foi agarrado pelos gorilas, que desceram o cacete no pobre. Apanhou mais que tamborim. Meu pai pensou em finalmente usar o Schemidt, mas a coragem foi pouca, inda mais quando viu um belo par de algemas nas mãos do “Doto”. Era a polícia.
O homem mais magro entrou na casa e pegou uma máquina velha, parecia com um moedor de carne e espatifou com o machado de lenha.
_ Agora não vai mais falsificar dinheiro:
E mais cacete.
O garoto mais parecia um hematoma. Meu pai não arredou. Os homens colocaram combustível no carro, jogaram o “Doto” no porta malas e partiram, não sem antes carregarem tudo o que podiam. E lá foi o menino como um saco de batatas na traseira do calhambeque.
Meu pai entrou na casa e começou a revirar. Encontrou uma cortadeira de papel que dava o tamanho exato de uma cédula de dinheiro. A máquina quebrada, parecida com um moedor, não soube para o que era. No quarto tava uma montanha de livros, revistas e jornais antigos. Dentre os jornais um com a foto do falecido Marculino. Como não sabia ler, levou aquela edição para o padre ler.
O padre sentou e amarelou.
_ O que foi seu padre?
_ Minha nossa Senhora!.
_ O que ta escrito ai? Por Jesus.
_ Nem queira saber. Que coisa.
_ Lê seu padre.
_ Então segura:
“Procura-se por toda a Bahia e Minas Gerais por Marculino Luzzardo dos Anjos, acusado de falsificação de dinheiro. Quem souber de seu paradeiro, comunicar a polícia de Salvador ou Belo Horizonte.”
Meu pai gelou. Os dois ficaram calados por um tempo. O jornal era de vinte e cinco anos atrás quando, seu Marculino chegara em Barbacena, desde aquela época que ele vinha falsificando grana e ninguém tinha notado. O padre pediu para meu pai guardar segredo, ia ser um alvoroço se a população descobrisse. Foram até a casa preta, recolheram tudo e queimaram. Nenhum vestígio. Imagine se a polícia viesse até a cidade e cobrasse tudo o que o “Doto” tinha investido ali? Até a igreja viria abaixo, afinal o cumpadi tinha feito grandes donativos para a Paróquia. Resolveu-se inventar uma mudança repentina para o “Doto”. No sermão de domingo o padre leu uma carta escrita pelo “Doto”, nela ele mudava-se para Belo Horizonte, para trabalhos urgentes nas empresas de seu pai. Saiu sem se despedir para não entristecer o povo. E mais, deixava seus bens para a Santa Madre Igreja. Isso não tinha sido combinado, mas meu pai calou e consentiu. Quem sabe Deus perdoaria pela mentira. E foi o melhor a ser feito.
Meu pai resolveu ir embora daquele lugar. Vendeu o sítio, montou no burro e foi para Brasília. No caminho passou por Belo Horizonte, onde soube de uma história de um advogado do interior que tinha sido preso por falsificar dinheiro. Diziam que o seu pai já fazia, mas coisa pouca. O seu filho, no entanto, foi ganancioso, mas a ganância fez o rebento querer mais. Soube que ia para farra e fechava boate. Pagava tudo em dia. Até que decidiu comprar o calhambeque e foi pego.
Tinha sido, levado para a prisão onde teria sido torturado para contar quem mais tinha daquele dinheiro. Diziam que o bicho morreu apanhando, mas não abriu o bico.
De qualquer forma, como seguro morreu de velho, papai saiu de fininho, sem nunca mais voltar pra Minas.
Quando Odilon terminou já passava da meia noite. Tinha me fixado tanto em sua história que mal vi o tempo passar.
_ E isso, é verdade? Perguntei.
_ Sei lá, meu pai dizia que sim.
_ Bom, de qualquer forma é uma boa estória.
Odilon riu. Meses depois ele voltou para Brasília e eu nunca mais o vi.

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