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Contos-->O dono da bola -- 15/03/2003 - 10:27 (Clodoaldo Turcato) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


O estádio estava lotado. Toda a linha presente para acompanhar o confronto. Era a primeira partida do campeonato, e o Esportivo caíra justamente contra o arqui-rival, a Linha Gaúcha. Em poucos campeonatos as duas equipes haviam se enfrentado, mas todos os jogos foram de arrepiar, acabando na maioria em pancadaria. Para aumentar a rivalidade, as duas equipes tinham ganhado um campeonato cada; era o ano de um dos dois passar na frente. Para esta edição ambos tinham montado grandes equipes, prontas para papar a taça.
O nosso time contava com um grande zagueiro chamado Doca. O cara era a irresponsabilidade em pessoa. Mas como era apresentável, boa lábia e jogava um bolão, era cortejado por toda a comunidade. Só sabia que o sujeito era um fantástico ator quem convivia com ele, como era o meu caso.
Durante a montagem da equipe, o presidente do time pediu ao Doca que arrumasse um atacante, para suprir a falta do Alcides, que tinha se bandeado para a Linha Gaúcha. O Alcides, coitado, tinha sido vaiado desde a chegada e comentava-se que não acabaria o jogo.
O Doca na hora garantiu que ia arrumar um centroavante, que fariam todos esquecer o Alcides. Cabra goleador, campeão profissional pelo Paisandu, de Brusque, com passagens pela segunda divisão de São Paulo e Rio de Janeiro. Era seu amigo, viria morar na cidade nas semanas seguintes, e jogaria pelo Esportivo. O comentário foi generalizado: um craque jogaria na Rosário; seria o ano da virada.
O tempo foi passando e o Doca só na promessa. Nunca movera uma palha para encontrar algum jogador. O safado a muito tempo estava de olho na Márcia, a gostosa da Linha. Tentara várias vezes ficar com ela, mas a menina saltava longe. Embora tivesse todas as outras, ficar com a Márcia era questão de honra. O pai da moça adorava o Doca. Recebia-o em sua casa com alegria e a vinda do craque, “amigo do Doca”, era uma motivo a mais para Seu Adelino tê-lo na granja toda a semana.
O Doca não perdia chance de ir até lá visitar o velho. Nas folgas de uma conversa e outra, arrastava para o lado da filha, mas ela nada. Ficava com toda a comunidade, menos com o Doca. E toda a semana a mesma coisa.
- E o nosso centroavante, chega a tempo para o campeonato?
- Vem seu Dorvalino.... me ligou ainda hoje, só depende de uns papeis da firma pra chegar..
- Mas é bom o sujeito?
- Bom é apelido, o cara é craque....craque!
E assim era. Mais e mais pessoas cobravam o Doca, pelo tal jogador. Os treinamentos tinham começado e nada do artilheiro.
- Mas será que vêm.
Gerou um clima de desconfiança, começaram a achar que o Doca estava mentindo, que não existia centroavante nenhum. O seu Dorvalino já não recebia-o com a mesma alegria , achava que estava sendo enrolado. A Márcia ficava bem mais distante.
A um mês da primeira partida, saiu a tabela. Primeiro jogo na Linha contra a Gaúcha. Deu um alvoroço na comunidade. O time deles estava forte, com o Alcides na frente, seria difícil ganhar sem um craque a altura.
A coisa ficou feia para o Doca. Precisava encontrar um jogador.
Ocorre que na época foi transferido na Cooperativa um engenheiro agrônomo vindo de Realeza, Paraná. O cara nunca tinha visto uma bola antes, mas era amigo de longa data do Doca. O Doca confidenciou seu problema a ele, pediu se o mesmo não poderia auxilia-lo. Ai bolaram o plano. O Doca apresentaria ele como sendo o goleador, o cara ia no primeiro jogo e logo nos primeiro minuto se machucaria, ficando de fora do resto do torneio. Assim livraria sua cara.
- Mas e os treinos?
- Não esquenta, toda vez arranjamos uma desculpa para você não ir, até o jogo.
- Feito.
E assim foi. Num domingo apareceu o Doca com o tão esperado jogador. Foi recebido com festa, alivio para seu Dorvalino, que já não estava mais acreditando. Naquela noite o Doca foi convidado para jantar na casa do velho, intimado a levar o Aristeu. Eu fui jantar também naquela noite. Olhei pro cara e senti algo errado. Ele não tinha pinta de jogador, e conhecendo o Doca... ficou no ar.
E os treinos começaram, mas para a frustração de todos, Aristeu não aparecia . Dizia estar ocupado na Cooperativa e que talvez no outro pudesse comparecer; o treinador ia a loucura. Eu achei o cara balaqueiro, não gostei do sujeito, fazendo corpo mole. Mas fui único a achar isso, a comunidade inteira aceitava os argumentos do Doca.
- O cara é bom demais, não precisa nem treinar. Entrosa no primeiro jogo.
Passaram-se os dias e a Márcia, que não perdia chance, arrastou assa para o recém chegado, sem que o Doca ficasse sabendo, evidentemente. Fisgou o goleador um dia antes do jogo. Por uma coincidência incrível ninguém viu o casal junto.
Na chegada, atrasada, Doca e Aristeu correram para o vestuário. O time todo esperava ansioso. Doca combinara antes com ele, devia torcer o pé no primeiro lance. Ele lançaria todas as bolas ao ataque, bastaria dar uma corridinha e cair. O time entrou em campo. Alvoroço na torcida. Foguetório. Todos em ponto de bala, querendo comer a bola. O Aristeu aquecia, dava toques laterais , sem esboçar gestos mais fortes. A rádio caiu em cima dele, entrevistando o mais esperado jogador do ano. Faixas foram feitas pela torcida organizada desejando boa sorte ao craque. Era uma beleza. O Doca sentia calafrios, se o Plano não desse certo, adeus.
E o jogo começou.
A gaúcha iniciou no ataque. O Alcides dominou e foi pra cima do Nino, que peitou ele, jogando-o pra fora do campo. Cartão Amarelo. Começava mal. Dois minutos e o Esportivo não via a cor da bola. Mas tinha o Aristeu. A qualquer momento ele pegaria na bola e resolveria o jogo. O Doca jogava todas as bolas para ele, na intenção que ele torcesse logo o raio do tornozelo.
Lá pelos cinco minutos, o Jair sobe pela direita e cruza na direção do Aristeu. O zagueiro resvala, e num fantástico golpe de sorte, o goleador de virada coloca no fundo das redes.
O estádio quase desceu. O cabra era bom mesmo. O Doca não acreditava no que via. O Aristeu ficou fora de si, entusiasmado correu para a torcida, pulou o alambrado e lascou um beijo na Márcia . O Doca que vinha atrás para a comemoração, ficou paralisado. Lá estava sua pretendida nos braços de seu amigo. O cara estava filando a menina e ele nem sabia. Agora com esse gol é que a Márcia no ia quere-lo nem pintado de ouro. Sentiu-se corneado. Mas manteve a pose.
Nova saída, o Aristeu precisava se machucar, mas nada. Com aquele gol tinha complicado seu plano. Não poderia se machucar assim no mais, com a agravante que a Gaúcha estava em cima, poucas bolas iam ao ataque. O Aristeu corria de um lado para o outro, com o zagueiro na cola. Quando se deu conta eram quinze minutos, e o fôlego se fora. As pernas pesavam, e demonstrava canseira. O Gelson subiu pela esquerda, cruzando para área, o Aristeu foi nela, bola na meia lua, fácil, só fazer, errou em bola. Ninguém entendeu. Que furada.
O Doca estava apavorado.
- Aristeu... o tornozelo – gritou.
Foram-se mais cinco minutos e nada da lesão. Numa grande jogada o Doca saiu da defesa para o ataque, tinha dominado meio time. O Aristeu estava livre, só passar e pronto, o segundo gol. Mas Doca sabia que o goleador iria fazer mais um fiasco, então decidiu passar sozinho. Perdeu. A Márcia foi a loucura.
- Seu veado, passa pro Aristeu!
Todo o Estádio foi junto, queriam o couro do Doca. Como que pode, livre não passar por craque do time. Alguns já pediam sua substituição.
Vinte e cinco minutos e o jogo corria, menos o Aristeu que estava travado. Não tinha tocado mais na bola. Mais um pouco e a casa caia. Algumas bolas foram em direção do centroavante, que já não andava.
- Mas que perna de pau - pensei.
A gaúcha foi à frente, e conseguiu escanteio. O Doca viu a saída. Chamou o goleador para ajudar na defesa . Só tinha um jeito, tirar o Aristeu da linha, já que o mesmo parecia não querer mais sair. Aristeu ficou junto a trave, e o Doca nas costas, marcando Alcides.
Bola no alto, Aristeu ergue a cabeça , a bola passa por cima, e ele não vê mais nada. Bum desmaiou.
Ninguém entendeu. Mas pude ver perfeitamente que o Doca saiu da marcação do Alcides, e deu um carinho no meio do Aristeu. O pobre diabo caiu primeiro com a cabeça que com os pés.
- Foi o Valdaméri – gritou o Doca para o Juiz, que estava de costas .
Amarelo. O centro médio advertido foi pra cima, não tinha feito nada, todo mundo viu que tinha sido o Doca. Armou uma confusão danada. Os jogadores do Esportivo, torcida e adversários olhavam pasmos para o Doca, que rapidinho correu para socorrer o amigo, lamentando seu “engano”.
` Enquanto o pau comia, o Aristeu era substituído e levado pra fora do campo. Fora apenas um pancada na cabeça, nada mais. O time do Esportivo manteve a vitória até o fim. Glória para Aristeu, que namorou a Márcia todos os dias da outra semana, para desconsolo do Doca. Mais tarde, me contando esta estória, o Doca me falou que tinha dado a pancada no Aristeu porque o danado não quisera sair do jogo, mas cá pra mim acho que foi ciúme mesmo Naquele ano ficamos em terceiro lugar. A Gaúcha caiu fora na primeira fase. O Aristeu ficou o resto do campeonato contundido, não quis mais saber de futebol, mas manteve a amizade com o Doca. Todos na comunidade o idolatravam, lamentando não te-lo tido até o fim. A Márcia enjoou logo do Aristeu, ficando sozinha. Até hoje Doca guarda o maior desgosto por não ter conseguido ficar com ela.

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