Quiçá Deus exista mesmo
Mas nunca o demostrou
Porque o mundo avantesmo
Destoa do que criou
E do bem que imaginou
Que não é nem pode ter
A contradição do ser
Em permanente volteio
Bom e mau, lindo e feio
Se nasce tem de morrer...
Quiçá Deus deixe correr
A vida como um rio
Ora em onda de varrer
Ora em caudal macio
À espera que o rodopio
Da nascente até à foz
Acorde em todos nós
O cerne da inteligência
E enfim a existência
Plena se logre após...
Quiçá Deus por mão atroz
Esteja ainda a fazer
O mundo e como algoz
Que tortura com prazer
Não nos permita entender
Qual o seu objectivo
E obra em definitivo
Porque sabe de antemão
Que o ser humano é em vão
Um passageiro motivo...
Quiçá Deus não tenha activo
Nas contas de seu projecto
Para evitar que o passivo
Ultrapasse o dom correcto
Da existência em concreto
Que teimamos procurar
E que algures vai culminar
Na almejada perfeição
Que o humano sem noção
Nunca soube edificar...
António Torre da Guia
in. "Eterna Procura"
Contributos para o raciocínio