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Contos-->COMENDO DA BANDA PODRE -- 12/03/2003 - 04:05 (Felipe de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Há um mês que não fodo, como pouco, cambaleio pelas calçadas esburacadas da cidade e acima de tudo bebo demais. Eu vivo em pedaços. A prestação. Recolhendo as migalhas do caminho. Destruindo o que ainda existe de intacto no meu interior. Ando terrivelmente só e irritado. Não acho normal viver assim, incrédulo, sem uma perspectiva de futuro.

O meu corpo não me obedece, vivo desgovernado, deve fazer um mês ou dois que não vou prá cama com uma mulher. Vergonhoso mesmo ! O desejo existe. Latente é verdade. Sinto-o oculto no mais profundo de mim mesmo, mas não existe forças para colocá-lo à tona. Na realidade, nos últimos tempos, sem um motivo aparente, ando à toa, sem vontade própria, meio descrente, falando baixinho, como se a qualquer momento eu fosse morrer.

Algumas mulheres, ex-amores, desfilam regularmente na minha memória, um baú de delícias, mas o danado é que não consigo reunir forças bastante para desejar e a vida é feita de desejos. Estou disperso em tudo e, no amor, a dispersão é sinônimo de derrota. Tenho a impressão que inalei um insecticida mortífero e resta-me somente algumas horas de vida.

Talvez esteja doente, amargurado, gravemente enfermo. Não acuso ninguém. Nem calor, nem frio. Não condeno. Existe um mim uma vontade de cavar minha própria sepultura, sou um coveiro atarrefado, cavo para baixo com convicção, na certeza de que os meus restos mortais nunca serão encontrados.

Como disse, estou desgovernado, sem rumo fixo, sem bússola. Não tenho mais coragem de percorrer tanta estrada diante de mim. Sinto-me fraco, desencorajado até dizer basta. Para mim, amar sempre fez parte das coisas naturais da vida, como a fome, a sede ou o sexo : o corpo nu de uma mulher coloca-se sempre no campo das divinidades. É preciso coragem para dizer, mas, atualmente, simplesmente não consigo, qualquer movimento brusco na alma pesa-me enormente.

Eu preciso amar sentindo a alma das mulheres, escavando cada tesouro oculto, desvendando cada ilha desconhecida, descobrindo seus mais puros sentimentos, sentindo que algo de encantado está se produzindo nos nossos destinos. Senão não vale a pena. Tempo perdido.

Abro bruscamente a porta de casa e caio no tumulto das ruas. Preciso reagir. O burburinho da cidade sempre foi um elixir revigorante para mim. Nunca falha. Os sons e imagens oriundos de todas as direções penetram na minha alma. Lâminas afiadas. Uma força estranha começa a me inundar. Estou vivo novamente. É preciso ganhar o pão de cada dia. Arregaço as mangas. Não posso esmorecer por completo. Essa perspectiva sombria de lutar pelo pão cotidiano deixa-me deprimido. Pouco importa. Baixo a cabeça. Feito um touro raivoso na arena, enfurecido pelos gritos alucinantes da platéia, enfrento todos os obstáculos possíveis e impossíveis, um por um, que se encontra diante de mim no decorrer do meu dia-a-dia.

Parto na direção do toureiro na intenção de matá-lo, vou com raiva, porém, sei de antemão que não tenho nenhuma chance, eles são fortes, treinados, armados até os dentes com afiadas e pontiagudas espadas e resta-me somente baixar a cabeça e avançar com os olhos fechados. Vou cego, mas vou ! O alvo ou a direção pouco importa, de toda maneira é impossível atingí-los. Mesmo assim eu vou ! Embora, não acredite em milagres, não tenho outra alternativa, senão, tentar cega e bestamente uma avançada furiosa na direção do inimigo.

Necessito alimentar-me desta magra esperança e do inalcançável batendo na minha porta. Não posso me deixar abater assim, ainda resta-me alguma força, preciso tentar alguma coisa. Evito a todo custo ser massacrado pela vida como tantos dos meus antigos amigos de adolescência. Vou em frente, mesmo se não existe saída, mas vou ! Este é o meu dilema. Sigo tateando aqui e alí, tentado descobrir uma brecha, comendo da banda podre, porém, ninguém pode acusar-me de recuar diante do inimigo.

Acreditava que todos meus amigos de adolescência seriam grandes na vida : artistas, embaixadores, ladrões de luxo, cantores, falsificadores, músicos, expert em qualquer coisa. Nada seria obstáculo para essas mentes abertas e gozadoras. Impossível redigir um cenário diferente. Nunca imaginei derrotadas por uma coisa tão simples e banal : o cotidiano e a falta de oportunidade no mundo dos adultos.

Os anos acumulados de sofrimento e humilhação silenciosa conseguiram finalmente derrotá-los por completo. Uma guerra perdida muito antes de começada. Hoje são homens ranzinzas, derrotados, sem forças suficientes para tentar uma avançada, completamente domesticados, consuetudinários e passando de lado da verdadeira vida. Não resta nada daqueles adolescentes brincalhões, humanos, abertos para a vida. Não resta nada daquela época, nem sequer uma migalha daqueles rapazes e daquele tempo.

Eu tive muita sorte. Fui vacinado muito cedo. Não pedi nada. Pegaram-me na marra, colocaram-me uma camisa-de-força e me aplicaram várias doses do antídoto. Abestalhado a vida foi me empurrando com a barriga e, depois de todos estes anos, finalmente compreendi que é inadimissível recuar ou mesmo estagnar : era preciso ir em frente, sempre em frente. Criar o meu próprio destino. Não pedir nada emprestado. Não aceitar o destino pré-moldado dos meus vizinhos e conhecidos. Nunca fui derrotado neste jogo e rezo todo dia para não perder a minha vivacidade de adolescente.

Conservo ainda intacto os dias felizes em que me sentia completo, pleno, aeriano, feliz com o mundo ao meu redor, quase sobrevoando a vida, como se vivesse uma perpétua aventura ou um enredo de uma história em quadrinhos. Sempre tive essa sensação de que nada de mal poderia me acontecer. Bastava sair nas ruas e um avalanche de boas coisas rolavam na minha direção. Eu era o rei de um mundo minúsculo e colorido, mas era o meu mundo e ninguém tinha o direito de usurpá-lo.
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