A primeira vez que soube-se feliz foi com a cara enfiada em um livro da coleção Sítio do Picapau Amarelo do Monteiro Lobato. A sensação de liberdade ao transitar pelo mundo da ficção a fazia verdadeiramente feliz.
Na escola sentia-se irremediavelmente presa ao mundo real, Ã s chatices burocráticas de somas de notas e temas de casa repetitivos; segundo ela, faltava cor e emoção. Deixava a mente vagar livre pelo universo do imaginário e as notas iam de mal a pior.
Felicidade era voltar para casa e ler entre as árvores em seu próprio sítio, ou em um canto qualquer, sentada no chão, em pé, andando pela casa, na cama antes de dormir...
O gosto pela leitura fazia parte da família que, unida, viajava, lia, rodeava-se de amigos que também faziam da cultura seu entretenimento predileto. No meio de toda a agitação, ela ali, sempre mais observando que participando. Era como se tudo a sua volta se traduzisse em enredo e personagens.
Conflitos foram surgindo em sua mente e histórias inteiras se desenrolavam em seu interior. Conforme a felicidade de refugiar-se em sítios, castelos e florestas encantadas foi sendo engolida pela necessidade de agir no mundo real, abriu-se um abismo entre seus dois mundos, até que algo aconteceu e eles uniram-se, subvertendo a linearidade da história para que fosse possível a esperança de um final consistente.
O café acabou, o jornal continuava fechado sobre a mesa. Após muito tempo havia deixado a mente vagar pelo mundo interior e aquele "re-acordar" significava um universo ainda a explorar.