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Contos-->Traição -- 20/08/2000 - 00:34 (Vânia Moreira Diniz) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos



TRAIÇÃO
março/2000

Janaína era uma médica de excepcional talento. Com um consultório em clínica Geral que lhe absorvia quase todo o tempo, seu dom especial era no campo da pesquisa. Por natureza tinha uma tendência e um gosto inerente para isso, o que lhe facilitara muito a sua profissão.
Nascera para se dedicar à medicina como se já tivesse marcada para tal.
Sozinha em sua sala, como era raro acontecer, aproveitava para deixar que seu pensamento vagueasse sem destino. Achava que isso descansava a cabeça, depois de um dia de trabalho.
O barulho que escutou próximo tirou-lhe um pouco a concentração do pensamento e ela ficou meio alerta.
Sorriu, então porque reconhecera a voz da melhor amiga.
Cristina entrou com a sem-cerimônia de sempre, cumprimentado-a com um sorriso enquanto passava as mãos em seus cabelos.
- Está cansada?
- Não muito. Nada que um bom descanso não vá resolver.
- Sabe o que eu acho? Você sabe, mas não concorda.
- Cristina, que quer que eu faça? Essa é minha vida. Eu a escolhi. Não posso me queixar. Você está sempre achando que estou errada, que está tudo errado.
- Não é isso. Puxa vida! Você ainda é jovem! Vai viver para o trabalho até quando? As pessoas precisam se divertir. Admiro-me muito que uma médica não saiba disso.
Janaína olhou para a outra sem responder, porém entendendo o seu modo de pensar. Era difícil para as pessoas compreenderem-na e a amiga especialmente preocupava-se com ela.
Tinha trinta e nove anos e sabia o quanto era admirada em vários aspectos, inclusive fisicamente. Mas isso não a levava a ficar deslumbrada. Lutara para vencer na sua profissão e procurava ser muito racional consigo mesma.
Muitas vezes o lado particular de sua vida parecia não existir e ressentia-se com isso.
Sentiu que tinha se distanciado de Cristina, mergulhada em reflexões, que na verdade, não levavam a nada.
Sorriu para ela e convidou-a para jantar.
Apesar da noite divertida com amigos, Janaína sentia-se muito cansada. Talvez estivesse precisando mesmo de umas férias. Sua vida apesar do amor que lhe dedicava não deixava de ser cansativa.
Independente, há muito que não morava com os pais. E isso a deixava um pouco mais aliviada, pois apesar de amá-los e admirá-los não conseguia viver em harmonia com eles por mais de 10 dias. No fundo de si mesma sabia o quanto a tinham magoado profundamente, mas fora há tanto tempo... Tempo, entretanto que tinha sido o mais importante de sua vida e que ela não conseguia esquecer.
Quando o telefone tocou estava tão imersa em pensamentos longínquos que se assustou. Pensou que fosse Raul inventando algum pretexto para falar-lhe como sempre fazia mas o som da voz desconhecida chegou-lhe aos ouvidos de forma agradável.
Quando pode concatenar seus pensamentos entendeu que segundo ele, era alguém que já havia deixado um recado em sua secretária eletrônica. Precisava falar-lhe urgente e era assunto estritamente profissional. Marcaram para o dia seguinte em seu consultório e a moça procurou esquecer a voz extremamente sonora.
Teve uma noite tranqüila e sem sonhos aparentes e quando acordou a manhã anunciava um dia quente e cheio de sol.
Janaína sentiu que apesar da previsão não estava animada e lamentou essas depressões momentâneas para quem parecia pelo menos aos outros ser uma mulher realizada. Precisava esquecer seus próprios problemas, hoje, pois teria um longo dia.
Logo ao passar por sua secretária ela anunciou-lhe que seu primeiro cliente já estava esperando na ante-sala e não conseguiu parar muito tempo para pensar. No primeiro horário da tarde foi anunciada a visita do homem com quem ela havia marcado um encontro ali, o Dr. Marcelo e que já havia esquecido. Voltou-lhe apenas à cabeça o som daquela voz que lhe parecera agradável no meio da noite.
Levantou a cabeça quando sentiu o barulho da porta e parou entre assustada e surpreendida, mas logo viu que não se tratava de quem pensava.
- Está sentindo alguma coisa? Mas ele também a olhava intensamente.
Janaína havia se levantado, já recuperada, para cumprimentar o homem que acabava de entrar.
Uma emoção imensa havia tomado conta dela no instante que olhara o rapaz, pois era estranhamente parecido com Roberto. Os mesmos olhos e cabelos negros, o sorriso largo, a tez morena e a voz sonoramente agradável.
Procurou esquecer esse pensamento constante e apertou a mão que se estendera para ela. Conversaram longo tempo. Ele acabava de assumir a direção do Serviço de Estudos e Pesquisas do Hospital Central e se interessara realmente pela seu trabalho sobre os efeitos da alergia em pessoas nervosas. Combinaram encontrar-se outras vezes e ele fora embora com relutância dos dois.
No fim da tarde, o Dr. Marcelo telefonara convidando-a para jantar e ela aceitara.
Quando Cristina chegou ela se preparava para passar em casa rapidamente. Admirada a amiga sorriu sinceramente feliz.
- Não acredito. Deve ser alguém muito especial. Você nunca aceita convite algum!
- Não sei, amiga. Até eu estranhei. Será que fui precipitada?
- É claro que não. Divirta-se. E esqueça o passado.
- Eu tento, Cristina e olhe que não tenho muito tempo para isso. Mas esse passado distante me persegue realmente. Eu deveria ter sido mais forte. Deveria ter lutado contra meus pais ou outra pessoa qualquer para que fosse feliz.
- Não adianta ficar assim. Você só tinha dezessete anos. Não se cobre. Nessa idade nem sempre conseguimos ser fortes. Já estive pensando Jan. Será que não foi uma ilusão de criança que a juventude fantasiou? É possível que conserve durante 22 anos sentimentos tão fortes?
- Não, Cristina. Roberto foi a única pessoa que eu amei. Não entendo. Depois daquele dia houve tantas tentativas dele. Parece que nunca iria desistir.
- Pois é. Mas ficou desiludido. Seus pais não davam um minuto de trégua. E você estava sofrendo muito.
- Deveria ter ido embora com ele.
-E sua vida Janaína? Ele não tinha um emprego que desse para sustentar a ambos e você era muito criança e depois –Como faria para estudar?
A moça tinha naquele momento uma expressão misto de tristeza e revolta, o que, aliás, carregara durante todos aqueles anos.
A amiga passou a mão pelos seus cabelos condoída. Não entendia tanta persistência num sentimento distante e irrealizado, mas a verdade é que via sua amiga de infância, passando por momentos difíceis de uma maneira constante e não gostava disso. Nenhum homem jamais a interessou durante toda a sua vida e regozijava-se pelo fato dela ter aceito com facilidade esse convite imprevisto.
- Bem, vamos embora. Meu carro está aí fora. Preciso ir.
- Estou quase desistindo, Cris.
- Não vai desistir mesmo. É uma indelicadeza, Jan.
- Está bem. Amanhã nos veremos.
- É claro que sim. Estou muito curiosa. Cedo telefonarei.
Era fim de tarde, uma brisa leve soprava levantando delicadamente seus cabelos e pela primeira vez em muitos anos sentia-se alegre.
Quando Marcelo chegou ela teve certeza que seria uma noite pelo menos agradável e não se enganou.
Tomaram drinks ao som de músicas escolhidas e quando saíram ambos tinham certeza da forte atração que os unia.
Janaína estava fortemente impressionada porque em 22 anos nunca lhe acontecera isso. Apesar de ser ainda jovem e bonita, e conseqüentemente, bastante assediada conservava-se á parte, obrigando que os mais ousados entendessem isso.
Claro que saía algumas vezes e manteve raros e curtos casos, mas logo se afastava dando uma desculpa qualquer e preservando a sua privacidade. Ela mesma sentia-se incomodada pelo seu modo arredio e seus pais não raras vezes faziam críticas que Janaína procurava não levar muito em consideração.
Agora,no entanto, uma tepidez há muito distante tomava conta de seu corpo de um modo sutil porém intenso. E parecia –lhe que o tempo voltara, muitos anos atrás e como numa alucinação rápida misturou a figura de Marcelo com o jovem Roberto que ela tanto amara.
Ao fim do jantar parecia-lhe que se conheciam há bastante tempo.
Mas quando voltou e conseguiu ficar sozinha, apesar de tudo, não estava feliz. Um sentimento esquisito de indefinição dominava-a e apesar da noite especial, não conseguira ficar solta e feliz. Novamente imaginara o quanto era uma mulher diferente e incrivelmente arredia. Sabia que era normal sob todos os aspectos e que na verdade não existia nenhuma frieza sob o ponto de vista sexual. Meu Deus, ela era uma médica, tinha que ser racional consigo mesma e entender que sua vida fora turbilhonada muito cedo e de forma cruel. Não procurava subterfúgios.
Estava precisando urgentemente se submeter a uma terapia porque a última que fizera não surtira muito efeito. Sua vida agitada impediam-na de pensar em si mesma, mas agora sabia que se não o fizesse iria sofrer sérias conseqüências.
Não esperou dessa vez para marcar entrevista com uma boa terapeuta. Sentia-se frágil e logo na primeira sessão, entendeu que não fora nem um pouco precipitada.
Chorou tanto sintetizando sua história para Dra Luana, que ficou surpreendida de quanto ainda lembrava dos detalhes de seu passado.
Tirou quatro dias de licença, pois não podia clinicar tão emotiva assim. E nesses quatro dias resolveu entrar dentro de si mesmo.
Marcelo procurou-a e ela pediu um tempo que julgava extremamente necessário.

Três meses Depois...

Dra. Luana sorriu ligeiramente quando viu, Janaína entrar no consultório.
- Você parece outra pessoa.
- Acha mesmo que mudei tanto assim? Bem, a terapia está sendo conduzida magnificamente, acho.
- Não é a terapia e sabe disso. Ela apenas auxiliou a conscientização dessas mudanças.
- Fico imaginando como três meses podem fazer tanta diferença e tão repentinamente. Passei anos vendo minha vida encaminhar-se de uma maneira igual e tremendamente monótona.
-Você sempre teve medo de mudanças.
- Não creio. Acho que estava ligada de modo indelével ao passado.
- Saberia entender por que?
- Hoje não tenho medo de dizer. Amei persistentemente um homem que existiu no meu passado, mas quero livrar-me disso. Deixarei tudo para trás e começarei uma nova vida real. Sem lembranças.
- Sei que conseguirá.
- Assim espero. Porque agora, não desejo ficar à margem da vida só porque uma fase dela acabou.
- Mas acho que alguém foi decisivo nisso.
- Com certeza absoluta. Marcelo abriu um novo caminho. Ensinou-me a acreditar em sentimentos e sensações há muito esquecidas.
- Vamos falar um pouco disso?
- Por que não? Quero livrar-me de um espectro, Luana. Só eu sei como me sentia doente.
- Esse espectro, contudo, ainda parece viver em certas ocasiões ou estarei enganada?
- Vive. Vive sim. Apesar dos anos deixei que ele dominasse minha vida. Mas agora tem uma diferença. Eu não quero mais. Não quero. E vou ser feliz. Quero sentir-me viva no meu trabalho, com os meus amigos, comigo mesma. Quero ir para a cama com o homem que escolhi e curtir todos os momentos.
- Porque não diz o homem que amo em vez de o homem que escolhi? É inconsciente ou tem medo? Será que não se sente capaz realmente de amar outro homem?
-Não sei se serei capaz. O que realmente tenho certeza é que quero ser feliz com ele, seja amor ou uma intensa afeição.

UM ANO DEPOIS

Janaína estava casada com Marcelo e uma paz muito grande rodeava sua vida quando um dia, sua secretária informou-a que um homem estava na sala de espera desejando falar-lhe com urgência, mas não queria dizer-lhe o nome.
Pediu que o fizesse entrar e paralisou de susto ao olhá-lo
- Sim Jan, sou eu.
Durante algum tempo que ela não saberia avaliar olhou-o sem conseguir dizer nada. Ao fim de algum tempo, disse muito lentamente:
- Que faz aqui, depois desse tempo todo?
- Podemos conversar?
- Não poderíamos. Tenho uma reunião marcada. Mas já agora não tenho tranqüilidade para isso. Vou dizer que minha secretária vá embora e que dê ordens para ninguém entrar.
Meia hora mais tarde estavam os dois sentados um diante do outro e bastou alguns minutos para que a moça soubesse o que anos indagara a todos e a ela mesma
- Encontrei-me por acaso com Cris e ela me relatou o seu casamento. Eu quis procurá-la e ela pediu-me que a deixasse ser feliz. Mas agora sei o que você sofreu durante todos esses anos. Distanciei-me de sua vida, Jan porque seus pais me pediram.
E vou lhe dizer uma coisa da qual me envergonho enormemente, mas já agora é tarde e a única maneira de redimir-me será contando a verdade.
- Por favor, fale logo. Estou ansiosa.
- Estava muito mal. Precisava estudar, ser alguém. Desculpe-me. Seus pais ofereceram-me uma quantidade de dinheiro razoável. Resolvi sair de sua vida.
Durante alguns segundos a jovem médica não entendeu. Parece que perdera a noção do tempo, espaço e fixou o rapaz como se tivesse olhando para alguém insano.
- Janaína, você está bem?
Ela não respondeu e muito suavemente foi se encostando ao pequeno sofá da sala de estar do consultório. Não entendia o que estava acontecendo, fechou os olhos com uma nuvem negra a obscurecê-los.
Nesse exato momento sua amiga Cristina entrou depois de bater sem ser ouvida e olhando a cena correu para o sofá segurando a cabeça de Janaína no colo enquanto dizia para Roberto
- Não basta? Não chegou tudo que fez e o que aconteceu na vida de Jan? Não pode conceder-lhe uma vida normal?
- Queria apenas que ela soubesse. Não chega de segredos? Ela não teria que saber um dia?
- Foi a forma mais simples que você encontrou de aliviar a consciência? Dessa forma?
De repente Janaína levantou a cabeça
- Por favor, Dr. Roberto, vá embora e nunca mais se aproxime de mim. Entendo agora. Entendo até porque meus pais nunca quiseram falar sobre o assunto.
Eu agradeço. Jamais poderia mesmo amar alguém com o senhor. E lhe agradeço, pois agora sei que não devo nenhum sentimento de culpa por nenhuma das atitudes e sentimentos em relação aos meus pais. Vá embora, por favor.
Sem nenhuma ação o rapaz saiu sem ter o que dizer enquanto Janaína abraçada à amiga comentava:
- Cris Porque todos me enganaram? Não importa. Falarei com Marcelo. Preciso de uns dias para absorver tudo isso e depois recomeçaremos a vida. Já passei dias piores em que a escuridão era mais nebulosa e a claridade menos visível. Apesar de tudo tenho que agradecer a ele ter conseguido tirá-lo em um segundo do meu pensamento e entender a relação com meus pais.
As lágrimas desciam indiscriminadas pelo rosto bonito da médica enquanto ela dizia
- Por favor, Cristina, deixe-me chorar. Depois estarei boa. É um diagnóstico cujo restabelecimento dependerá apenas de tempo.
Cris olhava a amiga tão forte agradecendo a Deus esse momento de impressionante dor que iria realmente curá-la.
Vânia Moreira Diniz
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