Escrevi recentemente um poema sobre a solidão, e ele foi objeto de vários comentários, críticas e deu pano para manga. Logo abaixo escrevo o poema, e a seguir teço algumas considerações sobre o tema. O poema diz o seguinte:
MEU LENÇOL
Lílian Maial
O corpo arquejado no leito
E essa agonia no peito
De estar quente
De teus toques
Sem teus dedos.
És o macho sem falo,
És o abraço completo,
E roças rente,
E atritas fremente
Nas fendas e fossas,
Nas carnes, nas coxas
De grossas carências,
Espessas latências
Dos gozos contidos,
Em mudos gemidos.
És linho, cetim, algodão,
Do fundo de mim,
Do sim e do não.
És o apelo do seio,
O escorregar da mão,
A língua que explora,
A dor que se aflora
Do contato tão íntimo,
No segredo do punho cerrado,
Dos dentes rangentes, trincados,
Quando descortinas, suave
A mulher desfalecida
De solidão, entre lençóis.
Tal poema gerou uma série de comentários, mas o que mais me chamou a atenção foi o de um amigo poeta, que disse que se o alvo teria sido ferir, o objetivo havia sido alcançado.
Não, ferir não é bem o termo, ainda mais que ferido está quem está só, entre os lençóis. Mas é contundente a solidão. A necessidade e a falta de contato de pele.
Curioso como o mundo está carente de contato físico.
A virtualidade (por incrível que pareça) fez aflorar as carências de toque, mesmo entre amigos, amigas, pessoas que se conhecem sem a necessidade premente de sexo.
Interessante ressaltar que eu, como médica, ouço constantemente as pessoas me dizendo que eu sou uma das poucas médicas que as tocam, que encostam a mão, que pegam no braço, que mandam tirar a roupa para observar o corpo como um todo. Isso, de certa forma, é até visto com uma certa estranheza, vez por outra (ainda mais com tantos médicos tarados que apareceram recentemente). Eles (os pacientes) se assustam com o toque inesperado. Se acanham com a exposição do corpo (e num momento onde nunca houve tanta nudez no mundo), se incomodam um pouco com a proximidade. Mas depois da primeira impressão, com a seriedade e continuidade do exame, apreciam o cuidado e a igualdade com que são tratados.
Além de médica, a mãe aqui é extremamente animal e instintiva. Só não lambo a cria e como a placenta, pq a superfície de contato é imensa (comparando o corpo a ser lambido e a língua a lamber). Mas meus filhos foram acostumados a contato físico intenso desde o nascimento. A maioria das dores, cólicas (que raramente tiveram) e ansiedades eram tratadas com o corpo no corpo, o aperto da mãe trazendo o corpinho doente para junto do seu, protetor e aquecido.
Mas é a mulher, a fêmea, a namorada, a que mais sente a necessidade do toque, a necessidade do contato com a pele, com os 6 sentidos funcionando integrados, a impagável e indescritível sensação de continuidade pele-coração-mente. Mais curioso ainda, é que parece tão simples, não? Mas então pq a distância da maioria dos casais? Pq o abraço, o beijo na boca, o cheiro no cangote, as carícias mais simples são esquecidas no dia-a-dia?
Não posso achar normal, na minha visão animal, deitar ao lado de alguém que não se me aconchegue. Mesmo sem intenção de acasalar. Bichos se aquecem e se encostam o tempo todo. Homens se repelem, se isolam, e ao mesmo tempo se ressentem da falta de contato. É loucura minha, ou há algo muito errado nas relações humanas?
Nasci bicho e bicho vivo. Mas sofro mulher a falta de gente ao meu redor. Gente de carne, pêlos, cheiros, gostos, ruídos. Se as pessoas se tocassem mais, sofreriam menos.
A quantas pessoas você simplesmente abraçou hoje? A quantas beijou sentindo o sabor da pele, ou sua maciez através da textura sentida pelos lábios? A quantas ao menos tocou a mão?
É sério isso. Mais sério ainda, quando se pensa que a esta hora em que você está lendo o que escrevi, pode ser que alguém esteja apenas aguardando um toque seu, para poder ser mais feliz. E quem sabe você não estaria aqui, se aquelas mãos o estivessem acariciando os ombros e se aproximando apenas numa atitude de receptividade.
Enquanto isso, sob os lençóis...
Lílian Maial
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