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cronicas-->Crianças ouvindo -- 15/07/2000 - 08:55 (Marcia Lee-Smith) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Esta história é uma prova de que os adultos devem ter muito cuidado com o que falam perto de crianças. Porque as coitadinhas não sabem todos os termos, e muitas vezes sofrem por ouvir coisas que não entendem.
Isto aconteceu comigo, e sei quanta dor me custou.
Fui criada até meus nove anos de idade num lugar muito grande. Espaço que não acabava mais, campos a perder de vista, o canavial ondulando com o vento.
Pensava que o mundo se resumia àquilo. E aquilo era tudo o que eu queria. Mas, vã esperança...
Um dia, eis que minha mãe diz a meu pai:
―Sabe, estas meninas, estão crescendo, precisam de uma escola boa, de conhecer gente, estão virando uns bichos do mato.
Eu não concordava, porque tinha até uma excelente professora particular, que extrapolava o currículo. Sabia mais do que devia. Mas não sabia todas as palavras...
Em dezembro daquele ano, fomos morar na capital, num apartamento.
Meu Deus ! Então eu entendi o significado de passarinho em gaiola. Chorava todos os dias. E achava que por detrás daquela mudança deveria haver um motivo mais sério. Mas eu era daquele tempo em que criança não podia perguntar muito...
Ganhei um piano, e aulas de piano. Aulas de inglês, de dança. Um colégio de primeiro mundo, e um clube maravilhoso.
Mas meu córrego nos fundos da casa ainda habitava meus sonhos. As árvores para subir, a carona no trem que cortava o canavial...Eram tantas as saudades...
Um dia vi que meu pai chamou mamãe para uma conversa no quarto, e decidi ouvir atrás da porta. Deveria ter levado uma surra, teria doído menos que doeu...
E papai dizia:
―Sabe, vamos ter de dar um jeito de parar com esta sangria desatada...
Mamãe respondeu:
―Concordo plenamente, mas acho que agora o pior já passou, agora é só manter como está...

E papai retornava:
―É, minha querida, mas em outubro eu devo fazer uma amortização, vamos nos prevenir.

Quase desmaiei ali mesmo, mas tive tempo de chegar ao meu quarto. Depois de recuperar-me da tonteira, caí em pranto. Então era isto ! Papai estava tendo hemorragia. E achava que morreria em outubro.

Fiquei catatónica. Minhas notas na escola caíram. Tive minhas primeiras insónias antes dos dez anos de idade. E principalmente, comecei a fazer mais companhia a meu pai. Eu gostava tanto dele ! Não disse nada à minha irmã. Ela era mais nova, poderia não resistir. E olhava mamãe, ainda tão bonita, ficando viúva.

Papai anunciou que não teríamos férias naquele ano.
"Novidade", pensei...
E outubro chegou, papai andava preocupado, tenso.
Mas depois, ele ficou animado, começou a pensar no meu aniversário, no natal. O que teria acontecido ?

Dois anos se passaram. Eu tinha olhado em todos os dicionários, mas não conseguira entender. E papai continuava vivo, tivemos férias, mamãe estava grávida de novo !

Na missa eu rezei muito. Agradeci a Deus o milagre.

Já estava com meus onze anos, então, quando conheci um professor de português muito especial. Era uma pessoa maravilhosa. Resolvi contar-lhe meu segredo. Foi uma gargalhada só. Mas aí eu tive minhas primeiras aulas de economia e negócios. Sangria desatada nada mais era que gastos exagerados....Amortização era apenas uma forte redução na dívida.

E eu sofrera dois anos. Decidi nunca contar a papai. Mas contei, muitos e muitos anos depois, e ele, com seu jeito carinhoso, falou:

―É...acho que agora está meio tarde para dar-lhe uns tapas, não?


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