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Humor-->Nossa Boca Maldita -- 19/11/2002 - 10:30 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A ESQUINA DA USINA
(por Domingos Oliveira Medeiros)


Cheguei por estas bandas por acaso. Sem qualquer objetivo ou intenção premeditada. Como qualquer andante ou vagamundo. Cansado, deixei as malas no hotel - cheias de sonhos e de utopias – e fui tomar banho. Troquei de roupa e saí para dar um passeio pelas redondezas e conhecer melhor o lugar.

Buscava um local para publicar meus artigos, meus ensaios, meus textos jurídicos. Parei numa banca de jornal e dei uma olhada no roteiro dos filmes e das novelas que estavam em cartaz. Mais adiante, fiquei admirando a turma de cordelistas e de outros poetas que divulgavam suas poesias. Ouvi piadas do bom humor. E fiquei atento aos discursos que muitos faziam, tratando de vários assuntos, de vários temas. Todos interessantes. Passei pelo parque de diversões e pude ver, na parte de fantasias e leituras infantis, muitas crianças brincando de sonhar e sonhando de brincar. E aproveitei para dar um pulo na parte de adultos, cheia de erotismo para todos os gostos. E comecei a ficar encantado com o lugar.

Mas estava sentido falta de uma coisa. Que na minha cidade era muito comum. A esquina. Aquele lugar situado em um canto qualquer, formado por duas ou mais ruas que se cruzam. E continuei minha caminhada. Até que me deparei com ela. Estava logo à frente. E era muito parecida com todas as esquinas que conheço. Chamavam-na de “Quadro de Avisos”. Talvez no sentido de que todas as informações e boatos corriam, primeiro, por ali. E só depois, quando fosse o caso, as simpatias, antipatias, os namoros, as opiniões, as discussões e os esclarecimentos ali gerados, passavam a ser tratados por correspondência, encaminhadas para o endereço, bastante sugestivo, de CARTAS.

A esquina sempre tinha muita gente passando. Gente que ia e que vinha de todos os lugares e de todas as direções. Gente que sumia e que depois aparecia. Gente de toda a espécie. Advogado, alpinista, jornalista, professor. Gente com currículo e sem currículo. Anarquista e comunista. Economista e administrador. Nazista, fascista e escritor. Mentiroso e gozador. E gente de muito valor.

E eles falavam de tudo. E de todos. Era um burburinho só. Às vezes ninguém se entendia. Tamanho era o barulho. Tamanho era o embrulho. E a confusão que se fazia. Mas tinha uma coisa boa. Educação, pelo menos. Ninguém falava ao mesmo tempo. Pois apesar do tormento. De alguma tentativa. A máquina assim exigia. Era um de cada vez. Falar dois de uma vez não podia. Se não nada se ouvia. Pois a mensagem chegava. Só depois que se apertasse. A tecla chamada “Envia”.

A esquina era, na verdade, um espelho da Usina. Espelho que, no mais das vezes, refletia a cultura daquela lugar. Com suas desavenças, ironias, elogios, erros e acertos, vaidades e veleidades. Superficialidades e profundidades. Gente de toda a espécie. Um resumo, portanto, do pensamento e da cultura local.

Passei a freqüentar a esquina quase todos os dias. Sempre que me sobrava um tempinho, lá estava eu na esquina dando os meus palpites. E recebendo o troco que me cabia. Até que um belo dia, descobri o seu segredo. A língua que se falava. A língua que se usava. Era muito variada. Mas todo mundo se entendia. Não era conversa fiada. Todos tinham sua língua. E língua de vários tamanhos. Para qualquer necessidade. Prá qualquer utilidade. Tinha gente de língua grande. Que falava sem pensar. E gente de língua curta. Que ficava sem falar. E gente que me dizia. Que sua língua passava. Em todo e qualquer lugar. Tinha gente que lambia. Tinha gente que usava. Sua língua em português. Ou num discreto francês. O alemão também tinha. Quase sempre aparecia. Alguém com essa linguagem. E tinha gente falante. Por todos os cotovelos. Mandando lamber sabão. Em francês ou alemão. Sempre que a raiva batia. Por erro de acentuação. Inglês então nem se fala. Era a fala que mais tinha. Gente de nossa língua. Mas que era americano. Morando no exterior. Que sem o menor pudor. Falava mal do Brasil. Chutando o pau da barraca. Pessoa que não sabia. Da famosa academia. Do camarada Osaka.

E gente fazendo dieta. Sem comer carne vermelha. E nem o fruto do mar. Virava às costas prá lula. Mas havia o que gostava. Pelo menos do cheirinho. Pois era disso que falava. O companheiro Lumonê. Com ares de que entendia. Muito mais do que você. De tanto que praticou. A ginecologia.

E para encerrar a conversa. Não vamos deixar de fora. O espanhol de La Sierra. Que nunca tem tempo prá nada. Mas só vive aqui na esquina. Com sua língua ferina. Falando de todo mundo. Com o seu saber profundo. E nem se chama Raimundo.

Agora vou indo embora. Já conheci a esquina. Do assoalho que escorrega. Que nunca ninguém esfrega. Que nunca fica limpinho. Pois tem sempre um pichador. Prá deixar o seu sujinho. E alguém que suja a esquina. E que é logo xingado. Prá receber o castigo. Não é coisa de amigo. E o sujo falando mal. Do outro que é mal lavado.

Domingos Oliveira Medeiros
21 de maio de 2002-Repique

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