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Contos-->Agonia -- 24/02/2003 - 22:15 (Cleber Lussana Sana) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Aproxima-se da janela, ou seja lá o nome que tenha a estreita abertura que se estende do chão ao teto, medindo cerca de 30 cm de largura. Os vidros sujos tornam ainda mais cinzenta a vista do centro da cidade, prédios antigos, na sua maioria em mau estado de conservação, sem pintura ou no máximo com uma pintura já manchada pela poluição. No chão o asfalto negro, com suas linhas brancas retas, aminhocadas pelas camadas de ar quente em deslocamento, que turvam a visão, como se tudo estivesse derretendo.

Essa vista o faz lembrar do calor que está lá fora, longe do conforto do ar condicionado. É um típico dia de verão em Porto Alegre, o mormaço provocado pela temperatura de mais de 35º C e uma umidade relativa do ar em torno de 75% fazem com que a sensação seja a de estar sendo cozido a vapor.

Quando termina o expediente as cinco horas, registra sua saída no cartão ponto, chama o elevador. Nesta hora a espera pelo elevador é uma tortura, enquanto aguarda, divaga sobre como poderiam resolver o problema da superlotação dos elevadores, escalonando a entrada e saída dos funcionários, ou quem sabe separando os elevadores para atender grupos específicos de andares.

Chega o elevador, já quase lotado, entram na sua frente dois colegas, que tinham participado da espera junto com ele mas sem trocar nenhuma palavra, exceto os cumprimentos obrigatórios ao convívio cínico em sociedade. Ao entrar no elevador torce para que este não acuse excesso de peso, não por algum problema com sua alto estima, apesar da barriga saliente, mas para não prolongar a tortura da espera por outro elevador. Nada de apito, a porta se fecha e o elevador parte, com toda aquela gente apertada, a menos de 10 cm um do outro, sem trocar palavras ou olhares. Todos apenas querendo chegar ao chão o mais rápido possível para poderem sair dali correndo para suas casas, ou para o chopinho no bar, ou para o chimarrão no parque, na verdade para qualquer lugar longe da empresa.

Mas o elevador ainda está no 10º andar, e em cada um dos 9 andares abaixo tem mais alguns colegas se torturando na espera da sua vez de chegar ao térreo. Apesar de o elevador estar no limite de sua capacidade, a máquina é incapaz de perceber e vai parando andar por andar, em um ou outro aparece alguém mais impaciente que tenta embarcar, porém a campainha estridente avisa que a capacidade foi ultrapassada e o coitado tem de voltar e esperar outro elevador.

Finalmente o veiculo aterriza, saem todos. Enquanto espera os colegas saírem se atropelando, pensa que parecem uns animais correndo para uma falsa liberdade. Depois que todos saem, dirige-se também a porta, ao abri-la recebe no rosto o bafo quente da rua e não pode evitar a sensação de sufocamento.

Já nos primeiros metros começa a brotar-lhe o suor, nas axilas, na testa, no pescoço, na virilha, antes de chegar ao ponto de ônibus estará completamente tomado pelo suor.

O sinal fecha para os carros, bem na sua frente para um Chevette, vermelho, rodas de liga leve, rebaixado, os vidros cobertos por um filme muito escuro, o rádio toca com o volume máximo uma ensurdecedora "música" eletrônica: "PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM..." enquanto atravessa pela frente do Chevette, dá uma olhada rápida para o carro, com uma mal disfarçada cara de desdém pensa: Babaca. Imediatamente esquece o carro.

Enquanto caminha pensa na amada que está em férias na praia, o coração aperta, não entende como de uma hora para outra alguém pode ter se tornado tão fundamental em sua vida, faz apenas dois dias que não a vê, mas a saudade é enorme e ainda tem uma estranha sensação de que não tornará a vê-la. Tentando se livrar deste sentimento procura pensar em outra coisa, ouve mas não toma consciência da cantada de pneu na sinaleira, nem da música que aos poucos aumenta de volume, vê a banca de revista, lembra que está do lado da rua em que fica o sebo, resolve atravessar a rua para evitar a tentação, ainda mais que está se sentindo tão frágil neste momento de profunda solidão.

Sem pensar muito e novamente tomado pela sensação de que nunca mais tornará a ver sua linda, atravessa a rua, chega ao pequeno canteiro que divide as duas faixas da Av. Borges de Medeiros, para fugir do sol escaldante resolve atravessar também a outra pista, em direção a calçada que fica na sobra das escadarias do viaduto. Quando dá o segundo passo explode em seu ouvido: "PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM", olha apavorado para o lado direito, apenas a tempo de ver o Chevette, se aproximando com as rodas travadas.

Está caído no asfalto, não chegou a ficar desacordado, pensa: "escapei".

O asfalto está quente, muito quente... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "desliga essa música e vem me ajudar o Babaca"... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM..."não está doendo nada, que sorte meu"... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "nossa tá muito quente esse asfalto, melhor levantar" ...PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "lá vem o babaca, pelo menos vai me socorrer" ...PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "Não desligou essa merda de rádio nem agora" ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "Olha só a cara de apavorado do cara"... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "ih...a galera já viu, melhor levantar, não to afim de ficar de palhaço para esse monte de gente" ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "droga não consigo me mexer" ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "O babaca voltou pro carro...Ah! pegou o celular, tá ligando prá onde será?"... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "lá vem ele...desliga essa música cara" ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "não consigo falar também!!!!" ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...

Ei, você está bem? Tá vivo né cara? De onde tu surgiu? Quando te vi já estava parado na minha frente! Não deu tempo de parar ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... te acalma, já chamei socorro... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...Tá juntando uma galera! E essa ambulância que não chega! Fica parado aí cara, nem tenta se mexer que é pior ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...

" Tá bom, não vou me mexer, mas desliga essa música pelo amor de Deus!"

D...d...e...ss...sss...l...i...ii...g...g...gga. Cof. Cof. Cof ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "Droga que tosse é essa! ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "Não consigo falar! Nem me mexer! Será que eu vou morrer? ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "Não!!! Eu preciso ver ela, não!!! Logo agora que a gente pode namorar!!!" ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...

Não tenta falar não cara. Fica quieto aí que é melhor. ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... Essa ambulância que não chega ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... É capaz desse cara morrer ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... Aí eu to ferrado! ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...

"To ficando com frio!" ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "que merda essa música!!!! ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "desliga esse troço mala." ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "tá escurecendo, acho que vou desmaiar" ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "Argh!!!! Parem essa música!!!!

... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "Oi gatinha, como tu veio para cá? ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ...PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... "Fica quietinho gatinho ...PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ...PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ...PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...

... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...Cade ela? Volta!!! ...PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...

... PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM... ...PSA-PSUM PSA-PSUM PSA-PSUM...

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