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Teses_Monologos-->As cafuas -- 20/08/2002 - 12:32 (Fernando Tanajura) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AS CAFUAS

Eu, menino de cinco anos, caçula de três irmãos, tornei-me ouvinte da Escola D. Pedro II porque minha mãe costurou um vestido cor-de-rosa cheio de babados e bicos para a filha da professora Maria Embiruçú, a mulher do prefeito. Meu pai, um parvo ferroviário, salário curto complementado com as prendas domésticas que Maria Tanajura fazia com gosto e orgulho para enfeitar as filhas dos mais abastados, calado ficou. A mulher do prefeito, primeira dama da cidade, professora primária que sabia tocar piano, caiu na minha graça sapeca e convenceu a costureira, minha mãe, a me levar para a escola como ouvinte, num tempo em que não havia jardim de infância, pré-primário nem outras novidades do ensino moderno. Também Gerson, o ferroviário, nem Maria, mulher de prendas domésticas que fazia vestidinhos de crianças, orgulho de toda a cidade, não tinham dinheiro nem beiras para mandar o caçula folgazão para tais novidades de ensino. Assim deixei de brincar com novelos de linha Corrente que coloriam de matizes os meus sonhos. De repente, me vi perdido no meio de mapas, cartazes e calendários da sala de aula.

Eu, sapeca menino folgazão, ouvia tudo como um bom ouvinte deve ouvir e viajava nos mapas, nos dias, nos meses e no acumular dos anos. Que vem depois do ano de 1948? Sabia a resposta correta: 49. Depois década de 50, anos dourados a empurrar as rebeliões de 60, parecidas tão longe do ano 2000.

Eu, rapaz ainda aprendendo as coisas da vida, fiapo de gente, lembrando a cafua que meu irmão me amostrou na escola, quando ainda era ouvinte: quarto pequeno e escuro, lugar miserável, cheio de morcegos, onde ficavam de castigo os alunos que não sabiam a lição. Futuro perfeito, 70, propagado num milagre que não sei se existiu, trazia sempre a lembrança da pergunta de infância, quando ainda menino de Nazaré: que serei eu no tempo que o Milênio chegar? Já solto nas estradas dos mapas, cidade maravilhosa, com os restos dos cartazes da marcha dos cem mil dos anos 60, contando novos dias nos calendários dos porões do DOI-CODI, mandado para as cafuas da repressão por saber demais a lição das coisas e pensando se chegaria com lucidez até o ano 2000.

Eu, me devorando em todos os anos 80, talvez renovando e revivendo, posso dizer: renascendo com todo o preparo para florescer quando virem os 90, vertigem do tempo até o ano 2000.

Eu, homem já maduro, ou nem tanto, quiçá peco pelos fios do passado, roendo os ossos do ofício, juntando o Leste ao Pacífico em pleno ano 2000, longe das cafuas que não me amordaçaram, pensando que, quando ainda era ouvinte, repito, na Escola D. Pedro II em Nazaré das Farinhas e a professora me argüiu, querendo resposta firme de sete números primos, negócio que eu não sabia, e fui logo mandado à muque pra cafua, coisa que, com astúcia, me rebelei e fugi, pois só sabia dos primos queridos que brincavam comigo debaixo do abacateiro onde os pássaros faziam seus ninhos. Ficava à margem do rio Jaguaripe vendo as águas correrem para o mundo, averso a quaisquer cafuas, e aprendendo com os pássaros a voar pelos anos da vida, quando bem entendesse, neste mundo de meu Deus, em completa liberdade.


© Fernando Tanajura Menezes
(n. 1943 - )


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