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Artigos-->LIGIA AMADIO ENTREVISTA L. C. VINHOLES -- 12/12/2015 - 15:30 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

  



                                                                                                                        LIDIA AMADIO ENTREVISTA L. C. VINHOLES                                                                                                                                                                                                                                                         L. L. C. Vinholes



Em 17 de novembro de 2007, estive em Niterói acompanhando a gravação de duas obras minhas pela Orquestra Sinfônica Nacional (OSN), da Universidade Federal Fluminense (UFF), para figurarem do projeto Música Brasileira no Tempo, financiado pelo Ministério da Educação, visando prover, em mais de 5.000 escolas, material suficiente para permitir, à crianças e jovens, contato preliminar com a produção musical desde o Império até a segunda metade do século XX. Infelizmente, o referido projeto não teve o desfecho esperado, frustrando aos compositores convidados e privando gerações acessar a uma das importantes colunas da cultura brasileira.



Na mesma ocasião dei uma entrevista à maestrina Ligia Amadio que, focada no trabalho que desenvolvia à frente do referido projeto, não imaginava, naquela ocasião, o que estava por acontecer. Mas este é assunto para outra oportunidade.



No lado direito do palco do auditório, com Ligia e eu cercados por estantes e cadeiras, as da área comumente ocupada por violoncelos e contrabaixos, na companhia de Izaak Mendlewicz (1935-2011), violinista da referida orquestra, “um dos músicos que mais lutou por aquela orquestra” e na época um dos seus diretores, a entrevista começou sem uma primeira pergunta, mas, sim, com uma breve introdução comentando o que me levara ao Japão. Conforme recente informação da maestrina a entrevista liberada em 21 de novembro de 2015, pode ser vista e ouvida em www.youtube.com/watch?v=eFz-kJNQFms. Seu texto digitalizado é o que está nos parágrafos abaixo, disponibilizados para atender à sugestão que recebi, a de aproveitar de mais um canal de acesso à informação.



Nesta entrevista, com o passar do tempo, chamou minha atenção o momento bastante feliz em que procurei explicar o que sempre considerei a grande herança que recebi da minha permanência no Japão. Por outro lado, lastimo a possibilidade de ter criado mal-entendido quando, sem melhor elaborar, afirmei que a música no Brasil é uma música com m minúsculo, o que, de alguma forma, ficou neutralizado quando, respondendo à pertinente objeção feita pela entrevistadora, comentei o trabalho coletivo realização, em abril de 1977, para viabilizar a Exposição de Música Contemporânea Brasileira no Japão, projeto para o qual contei com a colaboração de compositores e instituições reunindo mais de 450 partituras, com obras de todos os estilos e tendências, de 97 autores, com seus nomes figurando na página de rosto do convite para a mostra. Também fico desapontado quando recordo meu entusiasmo com a possibilidade de ver bons professores de música nas nossas escolas, professores com P maiúsculo e verifico que nada aconteceu como nada acontece quando se trata de valorizar os professores, sejam de que matéria for, remunerando melhor, proporcionando aperfeiçoamento e especialização, dando condições físicas de trabalho, com escolas descentes e material adequado.



Agora a entrevista de novembro de 2007.



Vinholes - Em 1961 eu estava no Japão, fui para lá como bolsista do Ministério da Educação do Japão para estudar o gagaku (1) . Mais precisamente, minha intenção era estudar a notação musical da música tradicional do Japão, porque minha esperança era a de que, estudando a notação musical das obras que eles ainda tocavam, adquiriria conhecimentos para fazer a leitura daquelas obras que não eram mais tocadas, porque a leitura havia sido esquecida. Eu pensava que poderia criar parâmetros que me permitiriam ler aquilo que não havia mais possibilidade de leitura.



Ligia Amadio – Não havia uma notação, é isto, que nós soubéssemos reconhecer, decodificar?



Vinholes – A notação deles é uma notação feita com ideogramas chineses. Alguns instrumentos com uma notação fonética que eles também tem e com algumas pequenas indicações laterais, como eram os neumas (2) antigamente, com relação ao texto. Isto é o que fui estudar lá no Japão. Em 1961 tive oportunidade de ingressar na embaixada a convite do embaixador da época, Décio de Moura, e fui cuidar do Setor Cultural e de Imprensa. E aí me conservei trabalhando por muito tempo. Vim ao Brasil, porque dominava o idioma japonês, como intérprete do Governo brasileiro, para a visita dos príncipes, hoje imperadores, Akihito e a princesa Michiko, e, como dizer, fui desenvolvendo esta relação com o Japão.



Ligia Amadio – Mas a estética da sua música, assim como a de Koellreutter também, tinha muito contato com a estética da música oriental e, mais especificamente, com a música japonesa.



Vinholes - É, isto aí é uma coisa que é preciso ser observada e comentada com muito cuidado, porque talvez o que me fez aproximar da linguagem japonesa não foi tanto seguir uma estética que eles conheciam, que eles aplicavam, mas sim conhecendo uma linguagem totalmente diferente, que é a linguagem tradicional da música tradicional do Japão, me libertei, essa é a sensação que tive, da tradição que é a da formação da nossa cultura que é cultura europeia: uma tradição de dualismos, de contradições, de valores positivos e negativos, disso aí tenho a certeza que me libertei e, talvez por isto, aquilo que produzi com a técnica tempo-espaço e aquilo que comecei a produzir com os parâmetros que estabeleci para a criação da música aleatória, isto aí teve, sem dúvida alguma, a influência indireta que veio desta liberdade que ganhei quando assimilei o que eles faziam em termos de criação estética, filosófica e religiosa. Enfim, nisto aí tem uma afinidade grande, sem dúvida, é a grande herança que recebi da minha permanência no Japão, mas sobre o ponto de vista de composição, evidentemente a distância é muito grande. A parte de tempo-espaço, as obras que escrevi com (a técnica) tempo-espaço, são poucas, são 22, elas são profundamente seguidoras de princípios rígidos, diríamos cerebrais, matemáticos, puros, que não têm sintonia com o que aconteceu depois com a música de caráter aleatório, que sempre digo que não sou compositor de música aleatória, como muita gente diz e está escrito em muitos lugares, criei parâmetros que possibilitaram o surgimento da música aleatória brasileira, porque a música que surge com esses parâmetros não é minha. É minha, é daqueles que usam os instrumentos e de uma figura que criei que é a figura do colaborador (3), que é aquela pessoa que senta em frente aos músicos e que mostra os cartões, cartões esses que substituíram as partituras, as notações tradicionais. Então, este triunvirato, estes três, são os responsáveis pelo que surge depois da utilização dos cartões: a música.



Ligia Amadio – Quais foram os compositores que mais te influenciaram por essa nova linha de pensamento? A música aleatória, segundo o seu pensamento. Claro. Aqui no Brasil? Vinholes - Não. Aqui no Brasil não tive a influência de nenhum.



Ligia Amadio – Não, não. Os que seguiram depois após esta introdução de conceito.



Vinholes – Não posso dizer que houve algum seguidor das minhas ideias, não. Porque surgiram tentativas e realizações de caráter aleatório de vários compositores. Gilberto Mendes mesmo, grande amigo que tenho, a quem devo muito o fato das minhas obras terem sido apresentadas no Brasil, nos festivais de Santos, o Gilberto também tem este filão de aleatoriedade na sua grande obra.



Ligia Amadio – Ah! sem dúvida.



Vinholes – Sem a menor dúvida. Mas tem um caráter diferente, tem um caráter diferente. É a pessoa que citaria, porque dos outros não conheço tanto a produção para fazer algum comentário. O fato é que, há questão de umas duas ou três semanas, tomei conhecimento de que tramita no Congresso a possibilidade de nós termos a indicação de um professor de música, mas um professor com P maiúsculo, capacitado, com experiência, em cada uma das escolas do Brasil.



Ligia Amadio – Que maravilha. Vinholes – Acho que será um passo realmente sensacional que computo inclusive mais importante do que o da época do Villa-Lobos, porque na época do Villa-Lobos e isto tenho (dito) em alguns dos artigos que escrevi para o Diário de São Paulo, na final da década de 1950, nos anos 1956-57, eu acho que o programa, o projeto Villa-Lobos, o canto orfeônico, tinha muito de política, tinha muito de atendimento dos interesses do governo da época, e alguns dos professores de canto orfeônico, evidentemente, seguiam a cartilha de Villa-Lobos, mas não entendiam a cartilha de Villa-Lobos. Espero que desta vez tenhamos professores, como eu disse, com P maiúsculo, pessoal preparado, com conhecimento, com experiência, para que não se percam tantos anos mais, como tem se perdido até agora. Infelizmente a música no Brasil é uma música com m minúsculo, é uma música que, evidentemente, é levada inclusive para fora como se fosse uma grande bandeira da nossa cultura, o que não é a realidade. Espero que se possa corrigir, e acredito que isto é viável.



Ligia Amadio – Mas eu não estou de acordo. Acho que a produção musical brasileira é uma das maiores, das mais importantes do mundo.



Vinholes – Que não é conhecida.



Ligia Amadio - Que não é conhecida, não é divulgada, não é valorizada, mas é uma produção de uma importância capital.



Vinholes – Sem a menor dúvida. Estou de acordo, mas vou lhe dizer porque. Quando em 1977, melhor em 76, quando decidi fazer a divulgação da nossa música no Japão, eu era responsável pelo Setor Cultural, fiz uma carta circular aos compositores brasileiros, a todos aqueles que eu conhecia, pedindo, inclusive, que entrassem em contato com aqueles que eu não conhecia, mas que eu sabia que, certamente, existiriam por aqui afora, e tive o prazer de reunir mais de quatrocentas e cinquenta partituras de 97 compositores. E foi feita uma exposição que teve repercussão forte no Japão, inclusive com a presença de compositores (japoneses) do gabarito de (Toshi) Ichiyanagi, que foi aluno de John Cage, por exemplo, de (Yoriaki) Matsudaira, de (Makoto) Moroi, de (Yoshiro Irino e Sadao Bekker), todos eles foram conhecer as nossas partituras.



Ligia Amadio – A música brasileira.



Vinholes - É. Todo este material, depois, levei comigo para o Canadá onde não foi viável fazer uma exposição, apesar de estar sempre à mão para os que quisessem consultar. Mas como eu não queria trazer de volta para o Brasil, porque tive a liberdade e autorização dos compositores para que usasse da forma que achasse melhor, fiz uma enquete, um levantamento de opinião, com as universidades canadenses, perguntando a elas em que tipo de música elas se interessariam, se coral, se instrumental, se de câmara, de duos, etc. E responderam e, de acordo com as respostas que deram, distribuí estas mais de 450 partituras, inclusive com um livreto, com um pequeno livreto que fiz também no Japão, aproveitando os catálogos que o Itamaraty, com o apoio de Paulo Affonso de Moura Ferreira, o pianista Paulo Affonso que foi presidente do setor brasileiro da Sociedade Internacional de Música Contemporânea (SIMC). Tirei daqueles catálogos as biografias e, inclusive, a amostragem das partituras, e distribuía junto com as partituras este pequeno livreto. Estou de acordo que nós temos uma produção muito grande no Brasil, mas a produção que nos interessa não é divulgada, quando me refiro à música com m minúsculo é este tipo de música que se divulga tanto no Brasil, inclusive em eventos que levam o nome do Brasil e que se esquecem de que existe uma outra música que deveria ser igualmente divulgada, mas que não tem apoio, que não tem vez.



Ligia Amadio – Vinholes, para concluir, queria dizer que nós aqui tivemos uma honra tão grande de recebê-lo, que nossos músicos, a princípio, digamos, a sua música ela tem um nível de sutileza muito grande, então como estamos às vezes acostumados a outro tipo de linguagem, ela demora um pouco para ser captada, para ser vivenciada, mas notei que, ao longo dos ensaios, eles foram ficando cada vez mais compenetrados do sentido do que você queria transmitir e, no final, estavam todos absolutamente encantados e envolvidos com este trabalho. Então eu queria muito lhe agradecer. Vinholes – Olhe maestrina, vou lhe dizer uma coisa,



Ligia Amadio – Obrigada. se agradecimento deve ter o momento de ser apresentado, é da minha parte. Não só por esta oportunidade que foi criada, dos meus trabalhos figurarem deste grande projeto que você está encabeçando, mas inclusive por me dar uma oportunidade que tomo a liberdade de usar, que é agradecer, hoje, àqueles compositores que atenderam ao pedido de enviar partituras para a exposição de 77. Faço meu agradecimento de coração, porque foi realmente um momento singular no trabalho que realizei no exterior.



Ligia Amadio – Meus parabéns.



Vinholes – Agradeço inclusive aos músicos que aqui trabalharam para a gravação, porque não imaginei que embora todas as peça tenham sido apresentadas no Brasil e no exterior, também não imaginei que, depois de trinta anos, elas fossem objeto de trabalho, de interesse por parte de uma univesidade, por parte de uma orquestra do gabarito da orquestra que está dirigindo e que tive o prazer de conhecer hoje.



Notas:



(1) Gagaku = música elegante = música da corte do Japão.



(2) Sinais da notação do canto gregoriano: virga, tractulus, gravis e púnctum.



(3) Expressão sugerida pelo pianista Paulo Affonso de Moura Ferreira.


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