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Cartas-->A Propósito de Escrever Bem -- 04/12/2002 - 18:30 (Domingos Oliveira Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
ESCREVER FAZENDO ARTE
(por Domingos Oliveira Medeiros)

São muitos os livros e os manuais que tratam da arte de escrever. Todos eles, no entanto, trazem em comum a orientação no sentido de que, basicamente, escrever bem significa clareza, concisão, encadeamento lógico de idéias e estilo agradável, para ficar nos aspectos mais enfocados. Alguns compêndios ressaltam a necessidade de observância das regras gramaticais, sintaxe, concordância, ortografia e daí em diante. Outros manuais são mais específicos e se voltam para determinados setores onde a escrita exerce papel preponderante, como é o caso, por exemplo, da imprensa, no mundo nervoso dos jornais e revistas.

E, provavelmente, pela condição estressante do meio jornalístico, geralmente de periodicidade diária, onde as notícias correm à velocidade do vento, é preciso escrever com rapidez. Portanto, a concisão assume a primeira posição na largada das prioridades. Tanto que a famosa regra, há tempos estabelecida no meio jornalístico, funciona até hoje. Diante dos fatos e da notícia basta aplicar a regra: o que? quando e onde? Como e por quê? quem e para quê?

Não é por outra razão, que, cada vez mais, há maior quantidade de notícias numa mesma página de jornal. Por isso, cada vez mais, somos menos informados; os assuntos nos chegam mais resumidos. Às vezes, é comum retirar da notícia todos os detalhes importantes, deixando que o supérfluo tome conta da situação. Principalmente, quando o supérfluo dá margem ao aumento das vendas.

E existem, todos sabemos, vários estilos de escritas e de escritores. Há escritores que acumulam estilos diversos e outros que ainda não encontraram seu estilo. Há pessoas, por exemplo, que escrevem como quem pinta um quadro. Preocupam-se tanto com os enfeites, os adereços e os mínimos detalhes, que acabam como alguns quadros que estamos acostumados a contemplar: não nos dizem absolutamente nada, embora sejam bonitos de se ver.

Por outro lado, há pessoas que escrevem para si mesmo, sem se dar conta disto. E há, felizmente, os que escrevem pensando nos outros, colocando-se no lugar dos leitores e aprimorando a escrita de modo a facilitar o entendimento da mensagem, sem tornar a leitura fastidiosa e difícil de digerir.

Há também os que sofrem de várias doenças de cunho obsessivo. A virgulite, por exemplo, é considerada crônica quando o uso da vírgula é facultativa e o escritor faz questão de grafá-la.

Uma doença próxima da virgulite aguda é aquela denominada “mal da crase”. Esta doença é geralmente associada ao tipo de teclado que o escritor utiliza para escrever seus textos. Geralmente, além do teclado, esta doença confunde-se com a preguiça de cada escritor. Estudos contidos na literatura médica indicam que, em determinados tipos de teclados, a utilização de cada crase requer, no mínimo , três movimentos: um para apertar a tecla do maiúsculo, outro para apertar a tecla da crase, e outro para apertar a letra onde a crase ficará assinalada. Isto significa que, num texto com necessidade de vinte crases, por exemplo, o escritor fará sessenta movimentos, só para a crase. Por isso, acredita-se que a doença esteja se propagando com maior rapidez.

Além do mais, os escritores que se recusam a fazer uso da crase alegam que na metade dos casos as pessoas que conhecem o assunto entenderiam o texto, mesmo sem a presença da crase obrigatória. A outra metade dos casos, ficaria assim identificada: no primeiro caso, os leitores que, por razões diversas, jamais perceberiam a falta da crase. Do mesmo modo que a maioria das pessoas quando assistem a um concerto, ou seja, raramente se percebe uma ou outra nota desafinada, sem que isso seja motivo para prejudicar a apresentação e o brilho da orquestra. E o segundo caso, ficaria por conta das várias situações onde a crase é facultativa. Ou seja, por todas essas razões, o melhor mesmo, e mais prático, para esse tipo de escritor, é não faz uso da crase.

Um dos casos mais significativos é o do escritor prolixo. Tem vários níveis de prolixidade. Algumas até, por questões de vaidade, de quem possui um certo narcisismo intelectual. Mas isso até que a gente suporta. Embora seja uma doença aguda, ainda tem cura.

O incurável e insuportável é quando a prolixidade se torna crônica. É o caso de quem, por exemplo, escreve um texto na nossa Língua Portuguesa, e quando a gente vai dar uma lida tem-se a impressão de que se está diante de um verdadeiro poliglota, pois o texto, de tão incompreensível, parece ter sido escrito em vários idiomas ao mesmo tempo. Mistura de Sânscrito, passando por diversos dialetos do mundo inteiro, com um pouco de turco, sírio e alguma coisa escrita na antiga linguagem usada pelos faraós do antigo Egito.

E poderíamos aqui discorrer sobre vários tipos de escritores, de estilos, de manias e de doenças, além dos que já foram citados. Pois há, na verdade de tudo um pouco. Os que escrevem bem, para si mesmo. Os que escrevem bem para os outros. Os que escrevem muito bem mal. Os que não escrevem. Os que são criativos. Os que escrevem sobre temas diversos. Os generalistas e os especialistas. E os que não escrevem, mas falam mal dos outros.

Em todo caso, é preciso escrever. Sempre. Sem medo de errar. Todo mundo erra. Não existem, afora os gênios, quem escreva melhor do que outro. É apenas uma questão de nível. De degrau. De onde estamos hoje e qual será o próximo passo. Sempre crescendo. Sempre subindo mais um degrau. O importante é dar a mão a quem estiver no degrau logo abaixo. Do mesmo modo que se deve ter a humildade de pedir a mão a quem está no degrau acima. O mais importante é ter o que dizer. São as idéias e as experiências que contam. E quando se juntam ao talento, que existe adormecido no interior de cada um de nós, desperta-se para o profícuo, para a qualidade e profundidade dos textos, vale dizer, das mensagens que pretendemos passar. Quem nunca cometeu, ou ainda comete, um pequeno erro que seja, ou mesmo um engano, que é aparentemente a palavra mais fácil de aceitar, embora diga a mesma coisa, que atire a primeira pedra. Ou não as joguem nos outros. Ou as tirem do caminho para que os outros possam passar.

DOM – 15 de ABR 2002
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