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Contos-->Ate onde fomos -- 08/08/2000 - 08:30 (gilberto luis lima barral) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


“Até onde fomos” – conto-fragmento da novela “Passeios perdidos pelos bares da década perdida”.


Ela lhe trazia de volta alguns objetos que naqueles bons dias ele havia deixado em sua casa. Eram presentes seus a ela, na verdade ele não se lembrava de serem tantos. Talvez merecidos. Chovia torrencialmente nesta noite escura, cheia de ventos e sons cortantes em que terminavam o romance. Temeroso depois da despedida, se é que houve alguma, ele quis seguí-la e protegê-la, ao longe ao menos, no caminho de volta que ela faria. Não eram mais namorados desde alguns dias, mas como não puderam devido ao grande amor se desfazerem do caso de uma vez por todas levaram alguns dias nessa coisa de levar discos de volta, entregar camisetas, devolver retratos até chegar no momento verdadeiramente doloroso e “necessário” da última visão. Quantas lágrimas a consumir ainda. O amor não cessa de doer. Nos revela um mundo solitário, desesperançado, desprezível e profundo. Primeiro nos leva a um lugar tranquilo, depois às sombras.

E o que não faltava eram sombras e vultos naquela caminhada. Chovia, e ao veio das caudalosas enxurradas nas ruas vinham se somar as águas do pranto abissal, interminável de Trissina. Ela berrava, gritava, grunhia, rasgava-se. Atrás dela vinha o ex-namorado que ao longe podia escutar a lamúria. Ele não tinha visto ainda ninguém tão desesperado e perdido. Quis correr à frente da moça para ver se não se lhe acometera uma cegueira, ou a loucura. Uma situação ímpar de prantos tão doloridos, mórbidos e vertiginosos. Poderia se antecipar no percurso e tomar Trissina nos braços e calar sua tristeza num abraço ou um beijo. Vinham tentando isto a alguns dias mas não se livravam de tamanha dor. Ali sob aquela chuva dos diabos a coisa se amplificava. Era o fim. Na verdade tinham mesmo marcado aquele encontro com perspectivas de um novo retorno, qual nada iludiram-se. A uns cincoenta metros da casa da moça Martov parou e ficou ao longe observando-a entrar no prédio onde morava. Não estava tranquilo. Acabava de terminar uma relação.

Dois dias depois já não chovia mais na cidade. Martov saiu para as ruas e viu as pessoas do mesmo modo, inteiradas em suas vidas. Se viu possuidor de uma vida também somente não sabia o tamanho e o sentido dela. Numa banca de jornais leu numa manchete que uma famosa artista se desfazia de seu quinto casamento. Achou aquilo um disparate, mas ficou feliz em saber de outras histórias parecidas com a sua. Pode ver que não era tão singular assim. Como anunciavam nas calçadas um corte de cabelo baratíssimo resolveu experimentar um destes. Se aparecesse com um corte novo quem sabe não suscitasse comentários. Alguma explicação. Explicar é bonito: um dia a mulher pediu ao seu amante que deitasse sobre seu corpo e lhe olhasse nos olhos assim nasceu o amor, dizem alguns. Há muito o jovem não se via no espelho. Pode se ver de frente e de costas na barbearia. Não estava tão moço. De certo modo a vida lhe tinha sido generosa, percebeu que os esparsos cabelos brancos e as incipientes rugas lhe tornava mais imponente, mais belo?


Saiu e pôs-se a circular pelas ruas da cidade. Pensou que talvez sua beleza a pouco refletida no salão do barbeiro pudesse encantar alguém. Não compartilhava da teoria de que quando alguém parte é porque outro vai chegar mas andava disposto a experimentar a vida novamente. Afinal depois da tempestade vem a bonança. As ruas limpas, o cheiro gostoso das árvores encharcadas. O céu inclusive aberto num azul claro como que alvejado. E se a beleza talvez encante então quem sabe lhe ofereçam um passeio, quem sabe os ombros. Rodou, andou muito e uma descida a um lugar familiar inundou seus mais recentes planos levando-o a ir parar sozinho no bar onde sempre chegava com Trissina. Suas relutância e retidão foram esquecidas. Ali o coro dos amigos embevecidos em álcool e fumo proporcionava paliativas e animalescas gargalhadas. Sentindo-se em casa e aturdido discursava sobre o ódio. Nunca mais essa história de um olhar de uma mulher sobre o homem e pedidos de amor.

Tomado no alarido não percebeu a entrada de Trissina, glamourosa no bar. Metida num calça básica de tecido sintético acetinado preto que lhe realçava os soberbos volumes e numa t-shirt coladinha rosa choque nem parecia a desolada moça de outros dias. Estava numa versão matadora. Sempre esteve, necessário afirmar. Foi para os fundos. Lá onde estava Roci, o preterido, um amiguinho como dizem, sem chances nem piedades. Chegando-se até ele lhe disse em alto e bom som.

- seja mais homem comigo!

Roci tomando-a pelo braço os conduziu para fora do bar. A moça estava alegrecida pelo álcool, via-se no rímel, batom e esmalte mas não de perder os saltos. A expressão com que anunciara sua chegada era uma incógnita insolúvel para o amiguinho desde o primeiro encontro. No dia da proclamação desta sentença o preterido tomava um refrigerante e comia torta de frango, Trissina fumava, ele não se inteirou das intenções. Como de resto não se inteirava de nada. Talvez tivesse a cabeça oca. Martov percebendo aos poucos o quadro, a movimentação, a cena e os protagonistas dela se aprumou. Concomitantemente o casal já à porta do bar tomou o rumo do cinema do outro lado da rua, onde Trissina viria dormitar o filme inteiro. Martov ficou à espreita ensimesmado esperando pela saída deles.

Não sabia porque fazia aquilo se já tinham terminado os seus namoros. Ciúmes? Despeito? O certo é que estava colérico. Embriago de conhaque, cerveja e cigarros a coisa aumentava. Que estava agindo sob paixão isto era certo mas não era romântico. Estava se lixando para o amor. Pouco seguro de si como era agora lutava era contra o ódio. Se segurava de não se perder. E sozinho ali,


bêbado a espreitar das sombras e aos poucos em monstro se transformando. Ninguém via a mudança era por dentro. Havia os sintomas da alucinação e medo nos seus olhos dilatados, estáticos e opacos emoldurados pela face enrubescida no etílico. Queria se afastar dali. Precisava se afastar dali. Mas nada a cada instante virava mais monstro ainda.

O casal saiu do cinema, Martov carcomido o seguiu, queria ver onde daria aquilo. Embora, cortados os cabelos à tarde, as orelhas e pescoço estivessem mais à mostra sua cabeça não se refrescava. Hoje estava ele, para se ter uma dimensão mais específica da coisa monstro, transfigurado tal Trissina chorosa a duas noites atrás. Ela sempre maravilhosa nesta noite passada de término de namoro esteve horrível, chorando, babando, descabelando, falando coisas sem sentido algum, toda desbaratada. Como Beatrice Dale em Betty Blue ao se lhe arrancar um olho. Com o diferencial do silêncio absoluto deste momento de agora. Martov continuava na sua perseguição em movimentos aveludados, imperceptíveis. Logo chegaram nas imediações do prédio onde morava a moça.

Trissina entrou no prédio, Roci a seguiu. Ultrapassando o edifício e se colocando entre plantas diversas de um jardim apropriado à arquitetura do território daqueles moradores Martov pode ver a luz da sala do apartamento ser ligada. A cortina não o deixava ver o casal lá dentro. Aproximou-se e ficou quase que sob a janela, o mais perto que podia se deixar chegar. Logo depois acendeu-se uma lâmpada na cozinha. Demorou-se alguns minutos, muitos. O coração e o cérebro se estreitavam juntos. O coração apertava. O cérebro se enviseirava. Cometeria uma merda qualquer. Afinal era um monstro feio mesmo. Feito de álcool, fumo e paixão. De dentro do apartamento veio o cheiro forte do café cozido ao calor da água fervente. Martov respirava tenso. Mais longos minutos vieram. A lâmpada do quarto não se acendia. Isto aliava um pouco a tensão instalada naquele lugar. Não demorou e uma luz clareou a entrada do prédio. A porta se abriu para Roci sair a passadas lentas porém equilibradas. Do meio das sombras da noite o sorriso de Martov pode brilhar intenso quase delator aos olhos de Trissina que acompanhou o amigo até a portão de saída. O amiguinho, o preterido tinha ido embora sem penetrar no quarto daquele amor. O monstro foi se voltando a humano no caminho de volta para casa.




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