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Contos-->Um segredo ACADÉMICO -- 14/02/2003 - 10:01 (joão manuel vilela rasteiro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


.....Do velho relógio da torre, melhor dizendo, da cabra da velha torre, caíram so-
bre a cidade, a velha Coimbra encantada, as oito badaladas daquela madrugada de Julho.
Maria pulou da cama, espreguiçou-se e caminhou para a cozinha ainda a tentar manter o
sonho que a noite quente tinha fornecido. Preparou com alguma rapidez o pequeno almoço,
que tinha pressa de chegar à Universidade, faltavam apenas cinco dias para o exame e o
seu receio aumentava de dia para dia, já que nem conhecia o professor, apenas estudara
pelos apontamentos da Anabela e a prova escrita onde tirou um nove, fora realizada e
acompanhada pela professora Assistente da cadeira.
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.....Da enorme mochila, Maria tirou livros e fotocópias e como uma escrava foi devoran-
do cultura,sim que ela já era funcionária pública e sendo trabalhadora estudante, era-o
fundamentalmente pela cultura, embora também ambicionasse algo mais ao nível profissio-
nal.
.....Maria era uma mulher lindíssima, já tinha vinte e sete anos, mas era este o momento
em que o escultor terminou a obra. Com uns seios encantadores que quase sempre convida-
vam,até devido ao botão habitualmente desapertado da blusa, umas pernas que as saias
justas e apertadas realçavam e uns olhos misteriosos, tudo isto aliado à beleza dos seus
cabelos acastanhados, fazia com que raramente os homens não olhassem para trás, quando
com ela se cruzavam.
.....Existem mulheres muito bonitas, até há quem pense que uma mulher é sempre bela. Há
as esguias como bambus, há as roliças como algodão, há as doces como se paradas, há as
quentes como bolas de fogo e há as curvas como se descêssemos montanhas. Cada mulher com
seu encanto. É só olhar. E Maria parecia ter um pouco de todas elas. Quando entrava na
Faculdade de Letras, logo o segurança lhe mandava um pequeno piropo conjuntamente com o
seu melhor sorriso. Mas Maria que possuía muitos segredos, iria DeSvEnDaR um segredo, que
por agora é segredo. Um segredo, considerado por muitos como Académico.
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.....Como nas fotografias - dizia a tia de Maria, D.Estrela, que neste Domingo de Julho a
tinha vindo visitar, tinha tido a coragem de largar a sua linda Viseu, para conhecer um
pouco da encantada Coimbra.Como nas fotografias - repetia a tia de Maria, ao olhar com
olhos de espanto, o doirado da biblioteca Joanina, a mais famosa de Portugal, cuja cons-
trução terminou em 1720. A decoração das três salas principais é feita de oiro sobre fun-
do azul ou vermelho, daí o permanente espanto da tia de Maria. As pinturas dos tectos são
de autoria de António Ribeiro e as grandes mesas que a mobilam, em madeira exótica(ébano e
ganduru), vieram do Brasil.
.....Enquanto se aproximam da parede do topo, onde se encontra uma extraordinária moldura,
com um grande retrato a óleo de D. João V, Maria reconhece uma velha amiga, a Emília, que
se tinha licenciado à cerca de três anos, mas que infelizmente continua sem conseguir dar
aulas. Começou por caminhar na sua direção e sorrindo cumprimentou-a.
.....-Olá Emília, como é que vais?
.....Um pouco surpreendida, Emília com uma voz forte e cristalina acabou por responder:
.....-Olá Maria, já lá vai algum tempo.Então como tens passado, o trabalho, e os estudos,
já acabaste?
.....Maria fez com a cabeça um gesto negativo, enquanto franzia as faces.
.....-Olha, ainda não consegui fazer a cadeira de Literatura Italiana.Vou fazer exame terça-
feira, mas com o trabalho...há sempre tantas coisas para fazer...
.....-Não digas disparates, vais fazê-la com uma perna às costas, vais ver.
.....Maria ia olhando com alguma persistência para a tia, que com gritinhos de espanto ia an-
dando de um lado para o outro.Fitando novamente Emília, com a sua voz doce e tímida disse:
.....-Sabes, eu nem conheço o professor, nem sei o tipo de perguntas que ele faz, ou até o
tipo de respostas que ele gosta de ouvir.Eu tenho estudado...mas não sei, vou um pouco à sor-
te...e como sabes, tenho sempre receio nas orais, não sei...
.....-Quem é o professor?
.....-Acho que é o Luis Vaz Portugal, dizem que o gajo é raro passar alguém no exame oral, prin-
cipalmente em Julho, deve ter alguma pancada, não sei...
.....-Isso é verdade, é o Luis Vaz Portugal?-pergunta Emília com os olhos a brilhar e um grande
sorriso estampado no rosto, aliás chegou mesmo a dar uma sonora gargalhada que ecoou pela sala,
levando as pessoas a olhá-la.
.....-Mas porque é que estás a rir dessa maneira?
.....Emília mantinha o largo sorriso, aliás algo trocista e disse:
.....-Maria lembras-te da Ana? Ela fez exame com esse professor e realmente só fez a cadeira em
Setembro, sabes porquê?
.....-Não!Dizem que ele é exigente...
.....Emília agarrou as mãos de Maria e fez-lhe uma festa na face. Riu-se outra vez e colocou uma
expressão desdenhosa. Impaciente por saber o que se passava, Maria inquiriu:
.....-Diz lá, porque é que te estás a rir tanto?
.....Olhando para Maria com um sorriso de troça, Emília fazia a festa sózinha. Como dizem na minha
aldeia, atirava os foguetes, apanhava as canas e fazia a festa. No seu género, aquela Emília não
deixava de ser engraçada. E muito bonita também.
.....-Sabes que esse professor tem a mania que é um D. Juan, ele gosta que as alunas estejam de mini
saia e perna traçada, decote largo e transparente. Quase sempre as manda voltar em Setembro, se pos-
sível com a mesma roupa e aí quase sempre levam um dez ou um onze.
.....À medida que falava, ia levantando a voz e esbracejando os braços como um bando de pássaros le-
vantando voo. Maria ainda duvidava ou pensava que era uma brincadeira, aliás habitual em Emília.
.....-Lá vens tu com as tuas brincadeiras.
.....-Não, é verdade, a sério, e ainda por cima ele não gosta de ser contrariado, nem te digo, é o
quero, posso e mando.
.....Maria morde os lábios e aparentemente treme um pouco. A tia continuava no fundo da sala, numa
catarse divina, como se o mundo e a sua beleza, estivesse toda naquela biblioteca. Maria olhou Emília
fixamente, os seus olhos haviam perdido o brilho dos minutos anteriores e numa voz seca disse:
.....-Há homens muito presunçosos. E este então...estou a ver. Um professor universitário...é incrível.
.....Emília parecia mais divertida do que nunca.
.....-É mais um tarado,não podemos chamar-lhes sempra as mesmas coisas, é um tarado e mais nada.
.....Maria manteve-se séria e nervosa, sem que aparentemente a amiga notasse alguma coisa, ou pelo menos
não o demonstrou.
.....-É realmente o que ele é, tarado, presunçoso e estúpido. Olha, lá estarei, vamos ver o que acontece.
.....Todas estas considerações e outras - certamente elevadas, concebidas sobre o critério luminoso da ju-
ventude e cultura académica se discutiram ao longo da tarde na biblioteca Joanina. Maria ainda levou a tia
a visitar a velha torre e a velha cabra, tendo por fim, a tarde maravilhosa da tia, terminado na Sé Velha
esse verdadeiro testemunho da arquitectura românica e onde em 1366, por ordem de D.Pedro, se jurou que a
bela Inês de Castro tinha sido sua esposa.
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.....Maria acorda cedo, fecha sem ruído a porta atrás de si,entra num autocarro, desliza depressa pela Rua
Padre António Vieira, pára diante do edifício claro da Faculdade das Químicas e dirige-se em passos largos
à Faculdade de Letras debaixo de uma leve ironia, que as estátuas que guardam as Letras, sopram à passagem
dos estudantes, sobe as escadas até ao sexto piso, porque o elevador está ocupado e ela está demasiada im-
paciente, grandes cartazes anunciam um congresso, em todos eles está o nome de José Saramago e em letras
mais pequenas o de Nazaré de Sant Ana e enquanto caminha ao longo do corredor que dá acesso ao Anfiteatro V,
o local sagrado onde decorrerá a oral, repara que os cartazes escritos sem pontuação estão a descolar.Maria
olha para o relógio, são oito e cinquenta e cinco, o exame é só às nove e meia, mas o enervamento de Maria
é já total. Senta-se em silêncio no banco existente em frente do Anfiteatro,o rosto duro e imóvel, vagueia
pelo corredor, ao fundo aproxima-se a Rita. O confuso ruído daquela casa, grande como o mundo, deixa o corpo
inerte e vazio.
.....Eram cerca das dez e vinte, quando chamaram Maria, esta entrou devagar, o professor estava sentado de
mãos cruzadas sobre os joelhos flectidos e olhava de soslaio a professora Assistente, ou talvez a curva do
pequeno horizonte do Anfiteatro, parecendo hesitar entre romper o silêncio ou deixá-lo seguir livremente o
seu curso. Maria ainda pensou ao ver o professor que tudo eram histórias da Emília, é certo que ele estava
muito elegante, com um belo fato preto, camisa de seda branca, o cabelo penteado para trás, aparentemente
impregnado de brilhantina, mas a verdade é que já aparentava uns cinquenta e poucos anos.No entanto o homem
e a mulher são animais de hábitos e decerto Maria não era excepção a esta regra, de tanto andar todos os
dias vestida de uma forma bastante atrevida, nem por um momento Maria pensou em vestir-se de forma diferen-
te, acabando por fazê-lo um pouco maquinalmente. Maria sentou-se e esperou que o interrogatório começasse.
O professor fez uma ligeira reverência, sem no entanto mexer um músculo da cara e disse:
.....-Bom dia, então preparada?...Vamos lá a isto!
.....Então o CaRrAsCo serenamente perguntou, recostando-se na cadeira, onde a cultura nos olha superiormente.
.....-Explique de forma resumida, a importância de Dante Alighieri, para a literatura Italiana?
.....Maria avançou para a resposta entre medrosa e atrevida, e atirou-lhe de forma atrevida:
.....-Dante Alighieri, foi o expoente máximo de uma época e de uma cultura.Imortalizou-se não só com essa fa-
bulosa obra "Divina Comédia", mas também porque esteve na base da criação da Língua Fiorentina.
.....-Que obra escreveu conjuntamente com Bartolomeo della Scala?
.....-Foi a obra "De Vulgari Eloquenti", que é uma espécie de sistematização e olhar histórico das letras
Italianas da época.
.....Enquanto respondia, Maria ia acalmando e rezando para que não lhe fossem colocadas perguntas sobre Pe-
trarca, onde ela estava muito pouca à vontade. O professor ou porque era adivinho, ou porque era bruxo ime-
diatamente lhe perguntou:
.....-Fala-me das diferenças existentes no amor em Dante e Petrarca, de forma pormenorizada...então?
.....Agora sim, Maria estava em grandes dificuldades.
.....-Eles ambos adoram...ou melhor, ambos admiram a mulher.
.....-Sim, mas por exemplo ao nível da liberdade amorosa, quais as posições de Dante e Petrarca, como é que
eles se situam?
.....-Talvez a influência de Deus...não sei...
.....A aflição de Maria levou o professor a encher-se de coragem e num impulso, ditado sem dúvida pela deter-
minação que a vontade sugere à tentação, abeirou-se de Maria e murmurou:
.....-A menina desculpe...É tão bonita como a Laura de Petrarca ou a Beatriz de Dante, tem um corpo que faria
a delícia a qualquer poeta...então e não sabe explicar o amor?
.....Mas aí, Maria a quem Petrarca voltava a enervar, olhou de frente o professor, os seus olhos ficaram com
um brilho amarelo, olhando fixamente e imóvel como as lobas ou as baratas quando querem atacar e com voz du-
ra, disse:
.....-O professor com o corpo que tem e a cultura que transporta, sabe explicar a velhice?
.....-Pelo amor de Deus, não interpretes mal! Era apenas um elogio, tal como Dante ou Petrarca eu admiro as
mulheres e você...tu...és realmente muito bela e atraente.Acredita, eu gosto mesmo de mulheres...
.....Maria sente-se elevar. Não sabe como dizê-lo, nem se o facto de o dizer agora, sem dor nem indignação,
numa pura lavagem da máscara, significará apenas que ele não passa, que nunca passará de um pobre professor,
aliás, de um pobre homem ridículo e absurdo. Mas não suportando por mais tempo o apelo das vozes, grita:
.....-Eu também gosto de mulheres...muito aliás!
.....O livro caiu com estrondo no chão. Não adianta culpá-la de nada. Coitada da Assistente, como meteu dó,
além de deixar cair o livro que parecia estar a ler, teve de ir a correr ao bar, buscar um copo de água com
açucar, já que o professor Luis Vaz Portugal tinha tido uma pequena quebra de tensão. Inclusive, as duas últi-
mas orais, incluindo a da Rita...penso que a outra foi a do Alberto, só terminaram por volta do meio-dia e fo-
ram realizadas pela professora Conceição, a Assistente do professor Luis Vaz Portugal. Foi ainda ela, que veio
à porta do Anfiteatro anunciar as notas, naturalmente incluída a de Maria, a quem o amor forneceu um dez.
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.....Maria saiu rapidamente da Faculdade e em passo decidido passou pelas estátuas, para as quais lançou um
pequeno sorriso, o qual não foi correspondido. Parou junto às Escadas Monumentais e deixou o silêncio resvalar
por entre os dedos das mãos abertas. Fechou os olhos, ignorando a luz que se insinuava através das pálpebras como
agulhas finas. E bebeu, bebeu com força o silêncio, a luz, o sol, os sonhos. Um sonho antigo.
.....Os sonhos estão ainda firmes nos seus gonzos bem oleados que apenas se abrem para uma doce nesga de noite azul.
E Coimbra, apesar de ainda todo o seu acadeísmo, de cheirar ainda a lente, foi quem melhor acolheu a liberdade que
se buscou. Ainda se sai de Coimbra sem medo de enfrentar o mundo, com a alegria e a saudade e principalmente com a
coragem dos que estiveram sós...como afirma o poeta Carlos Oliveira:


(...)
Aos que virão depois de mim
Caiba em sorte outra herança:
o oiro depositado
nas margens da lembrança.








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