OUSADIA
J.B.Xavier.
Como ousas ser
Tão monstruosamente divina,
A ponto
De tomares para ti
Meu coração?
Como ousas estar
No ar que respiro?
No entardecer que me atinge
Em golfadas de luz fugidias?
Em pinceladas de sangue
Sobre os céus aveludados de meus sonhos?
Como ousas pensar
Que, mesmo por instantes,
Não são teus
Os meus pensares,
Que meus olhares,
Possam olhar um dia,
Ainda que distraidamente,
Em outra direção?
Como ousas
Tocar-me com esse toque de anjo,
Encantar-me, revirar-me a alma,
E irrigar meus pomares de carinho
Que com tanto cuidado
Cultivo pela orla do caminho?
Como ousas entrar
Assim, em meu mundo,
E sem pedir licença,
Assenhorar-se
De meus mais bem guardados pensamentos,
E de todos os meus sorrisos...?
Como ousas
Ser minha paz,
E ao mesmo tempo,
A causa dos meus tormentos?
Como ousas estar
Na luz cintilante
Do raiar de um novo dia,
Fazendo-me ansiar por todas as auroras?
Tomando-me como amante
De toda as horas?
Ah, louca, alucinante,
E bendita ousadia!
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