Fico preocupado com a televisão. É que ela fica cheia de engodo. Tenho medo que ela inche de uma forma que acabe estourando com tanta baboseira, tanta mentira, tantas coisas estranhas, indefiníveis, até notáveis num primeiro momento. E quando você assiste à televisão dita "aberta" realmente você se abre para um mundo capaz de despejar tanto com tão pouco a acrescentar.
Depois de sintonizar os principais telejornais, com suas notícias repetidas mostradas sob àngulos diferentes (e, à s vezes, nem isso é diferente), devo migrar objetivamente para as pretensas educadoras das massas (as novelas) ou para qualquer outro programa com baixos índices de audiência. Então de repente sintonizo um programa religioso. Parece meio fora de hora. Então me lembro que o horário é pago. Claro, pago por uma igreja. Não me proponho a falar da igreja em si, mas do programa apresentado. Numa primeira observação, tenho a impressão que o culto transmitido ignora a concorrência; despreza o conceito televisivo de competição por pontos do Ibope. É produzido para os fiéis. O líder religioso/apresentador sabe muito bem manejar o microfone e olhar para a càmera. Um verdadeiro especialista em marketing. Está vendendo naquela hora. Vendendo o que? Confiança e esperança talvez. Ele fala para o público/auditório se associar à igreja (alguém falou em clube?) e isso logicamente envolve pagamentos. Não poderia ser diferente em tempos de mercantilismos religiosos. E depois falam que o espírito natalino deu lugar ao comércio desenfreado...
Bem, o fato é que a mídia também serve a estes propósitos. Gente sofrida, angustiada, triste, deprimida, com pensamentos suicidas procura aquela reunião religiosa para se aliviar. Aparentemente recebem o que pedem ao líder. Há uma interação perfeita com os telespectadores, em casa, que também podem ligar para um 0300 e terem seus males sarados através das ondas eletromagnéticas do televisor. Tudo no mesmo programa, ao mesmo tempo.
Olho mais um pouco, quase com vontade de desligar, quando o líder exibe preocupação com a audiência. Ele pede que os fiéis falem das curas, especialmente das referentes aos caroços. Caroço é mais difícil de ser curado? Não sei. Só sei que o povo vai citando, um a um, em microfones estrategicamente posicionados por diáconos ou auxiliares, as enfermidades e as dores que não mais lhes afligem depois de uma prece feita pelo líder. Sem esquecer que a oração aconteceu com uma trilha devidamente escolhida pelo responsável do áudio do culto/programa. E o líder continua perguntando:
- Ninguém vai falar de caroço? Nos meus cultos, sempre alguém fala que teve um caroço desaparecido depois da prece!
Para meu espanto (porque algumas coisas espantam!!!), o líder/apresentador/mestre de cerimónias encerra, diante da inexistência de casos de caroço na platéia, com a interessante frase:
- Acho que os anjos não estão curando caroço hoje. Estou brincando. É claro que eles estão curando...
Que alívio! Era só uma brincadeira. Certamente faz parte da apresentação digna de teatro, novela e cinema. Só não teve efeitos especiais. Ou será que teve? A mídia também é isso o que eu vi e outros tantos amigos viram em suas residências. Há uma pergunta que não quer calar, pelo menos para o líder: e o caroço?