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Artigos-->KOELLREUTTER: MESTRE E AMIGO -- 03/09/2015 - 11:33 (LUIZ CARLOS LESSA VINHOLES) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

                                                                                                                          KOELLEUTTER: MESTRE E AMIGO



                                                                                                                                                                                                              L. C. Vinholes



Inicialmente, gostaria de manifestar minha alegria e satisfação por estar participando destes momentos que antecedem ao lançamento oficial da Fundação Koellreutter pela Universidade Federal de São João del-Rei. Satisfação e alegria que são ainda maiores quando vejo entre os presentes amigos e companheiros de tantas ocasiões, todos, de uma forma ou de outra, ligados ao objeto das nossas homenagens. Gostaria, ainda, dentro dos limites dos meus sentimentos, deixar constantes meus agradecimentos pela acolhida que esta mesma universidade, na pessoa do seu reitor, professor Helvécio Luiz Reis, deu à ideia da criação de uma instituição para servir de apoio à perpetuação do nome e da obra daquele que tanto fez pela música e pela educação musical, especialmente no Brasil, e por muitos que, em diversas e diferentes ocasiões e condições, estiveram ao seu lado. Aqui, refiro-me, especialmente, aos alunos e aos amigos. Quero, ainda, agradecer àqueles que decidiram que o imponente Solar da Baronesa, em São João del-Rei, seria o memorial para acolher as mais variadas lembranças do mestre e amigo Hans-Joachim Koellreutter. Não posso esquecer e deixar de agradecer, por antecipação, à senhora Márcia Taborda que, de agora em diante, será a guardiã desta memorável coleção. Como é do conhecimento de todos, Minas Gerais tem tradição em acolher o que, em todas as épocas, chegou às terras do Brasil. Foi assim que surgiu a história da música erudita das cidades mineiras, é assim que se justifica a acolhida à memória daquele que, no século passado, trouxe para nós o que havia de mais novo no pensamento e na criação musical de vanguarda do Ocidente. Não quero valer-me do tempo que me foi concedido para falar dos feitos ou das ideias de Koellreutter. Estou seguro de que este tema merece ponderada dedicação e esforço coletivo de todos os que com ele conviveram. Seguramente, são muitos os que têm maior conhecimento e maiores informações para falar do compositor e do mestre que ele foi. Além disso, também são muitos os artigos e publicações disponíveis que procuram registrar e analisar a obra e o pensamento deste criador e educador. O que me parece ainda possível da minha parte, e que computo igualmente importante, é a lembrança do Koellreutter sempre disposto a colaborar, auxiliar e orientar aqueles que dele se aproximavam. O Koellreutter humano, sensível, amigo e companheiro de lutas e vitórias. Acredito que tenho uma história que julgo bastante singular e que, em grande parte, foi escrita em decorrência da presença e da influência dele recebida. Sem ele, certamente, não seria aquele que sou e não estaria aqui onde estou. O que vou relatar a seguir poderá ser visto como a cuidadosa escolha do material para uma esmerada colcha de retalhos feita como aquelas pelas mãos de nossas artesãs. Escolhi eventos e fatos que de uma forma ou de outra, marcaram nosso relacionamento. Não só nos anos em que fui seu aluno e secretário, mas também naqueles em que estivemos unidos por laços de amizade. Para que saibam do que estou falando, mencionarei, inicialmente, que nosso primeiro encontro, em 1951, mudou o rumo de minha vida. Foi ele que, no quarto do Grande Hotel, de Pelotas, quando lá esteve para reger a Orquestra Sinfônica local, me conduziu ao caminho do conhecimento sobre a técnica contrapontística com exercícios passados por ele que eu fazia sentado em um banco da praça em frente ao referido hotel para voltar logo à lição seguinte. E isto se repetiu duas ou três vezes ao dia durante os quatro dias de sua estada. Foi ele que se interessou e conseguiu do prefeito Mário Meneghetti, da minha cidade natal, a bolsa de estudo que me permitiu frequentar o IV Curso Internacional de Férias da Pró-Arte, em Teresópolis, em 1953. Vale lembrar, ainda, o convite que me formulou por telegrama para ter aulas e ser secretário seu e da Escola Livre de Música da Pró Arte em São Paulo, proposta que me retirou do convívio familiar e me separou para sempre dos meus companheiros e colegas de infância. Foi na capital paulista que nos aproximamos cada vez mais um do outro, sempre guardando a prudencial distância entre o mestre e o aluno, mas, ao mesmo tempo, aprofundando o relacionamento e a confiança de dois amigos, em clima de respeito mútuo e de saudável franqueza. Ali, na Rua Sergipe, nº 271, convivemos de março de 1953 a julho de 1957. Esta última data é a do momento de minha partida para o Japão, ocasião na qual Koellreutter encontrava-se em Salvador, dirigindo os Seminários de Música da Universidade Federal da Bahia. Dele recebi cartas de recomendação apresentando-me aos destacados compositores japoneses Saburo Moroi, Yorimatsu Matsudaira e Naotaka Yamamoto, bem com aos jovens dodecafonistas Makoto Moroi e Yoshiro Irino. É deste período nossa correspondência relativa aos interesses da Escola e ao trabalho de colunista do Diário de São Paulo. Em algumas das cartas prestava conta das minhas tarefas como secretário, em outras era cobrado. Muitas traziam minutas manuscritas de textos a serem publicados e que eram por mim datilografados e levados à redação do jornal para fazer chegar ao leitor notícias das andanças de Koellreutter ou do que ele por lá descobria nos seus contatos. Suas idéias fluíam nas entrelinhas de seus textos. As encomendas de partituras de música antiga e de autores de vanguarda à Casa Vitale também faziam parte do nosso diálogo epistolar, assim como o destino que elas deveriam ter: a Escola em São Paulo ou os Seminários em Salvador. O tempo vivido na Escola Livre de Música da Pró Arte não teve apenas momentos prazerosos, mas igualmente de extrema dificuldade e desafio. Meus estudos de flauta só foram possível graças ao financiamento, sem juro, bancado por Koellreutter, para a compra da flauta de prata L. L. Louis Lott, por ele adquirida em Paris em 1953 e que hoje, depois de acompanhar-me por 50 anos, se encontra na coleção do flautista Celso Woltzenlogel, Presidente da Associação Brasileira de Flautistas. Preferi dar à minha flauta a oportunidade de continuar a servir aos objetivos para os quais foi criada do que ficar comigo guardada como relíquia. Com o mesmo pensamento, em 1985, me desfiz também do “sho”, órgão de boca, e do “shichirike”, espécie de flajolé de palheta dupla, adquiridos em 1958, que, por 27 anos, utilizei no estudo e nas práticas de “gagaku”, a música da Corte japonesa, e nas apresentações e palestras sobre música antiga do Japão, no Brasil e no exterior. Em 1954, no âmbito dos meus compromissos como secretário particular, fui por ele colocado à disposição da compositora japonesa-okinawana Kikuko Kanai, sua aluna na primeira visita a Tóquio e representante do Japão às festividades do IV Centenário de São Paulo, comemorado naquele ano. Esta convivência permitiu-me maior aproximação do País do Sol Nascente e meus contatos mais íntimos com a colônia japonesa paulistana. Foi naquela ocasião que aproveitando o material trazido por Koellreutter e oferecido pela compositora, montei, com o apoio do Grêmio Bela Bartók dos alunos da Escola, a mostra de discos e instrumentos tradicionais japoneses, destacando-se os da música tradicional da corte, o “gagaku” e o “sho”, órgão de boca, que Koellreutter trouxera como lembrança da viagem a Tóquio. Dois anos depois, como resultado da segunda viagem de Koellreutter ao Japão, tivemos como seu convidado, no primeiro semestre de 1956, a visita do professor e filósofo Masami Kuni, ex-aluno na Alemanha de famosa mestra e coreógrafa Mary Wigman. Kuni foi quem concebeu a “creative dance” além de ser diretor do Instituto Kuni de Pesquisa em Dança de Tóquio. Mais uma vez desempenhei as funções de acompanhante nas visitas que Kuni fazia em São Paulo nos intervalos das aulas que ele dava na Escola da Rua Sergipe. Vindo ao Brasil pelas mãos de Koellreutter, posso afirmar que, ao lado de Yanka Rudzka, foi um dos precursores da dança moderna no Brasil, tendo influenciado toda uma geração, da qual destaco a professora Lia Carvalho Robatto que se tornou figura central no ensino de dança moderna na Universidade Federal da Bahia. Em 1955, a sala do meio do segundo andar da Escola foi o palco do momento mais difícil e o mais significativo do convívio que tive com o mestre Koellreutter. Ao lado dos estudos tradicionais de análise, harmonia e contraponto e de flauta fui conduzido também às avenidas da técnica dodecafônica. Mas, como nunca fui um aluno obediente ao extremo, nem mesmo no meu tempo de ginásio e científico – meus mestres e colegas do Colégio Gonzaga, podem testemunhar -, seguia respeitosamente os ensinamentos recebidos, mas sempre discutindo comigo mesmo o porquê das regras e dos parâmetros com os quais me deparava. Apresentei o manuscrito da partitura da peça que escrevera para quarteto de cordas e voz, com texto da poesia Paisagem Mural, de Lilian Schwartzkopff, na qual, no último compasso, não era obedecida a seqüência da série dodecafônica utilizada. Koellreutter analisou meu trabalho e recomendou que fosse feita correção até a próxima aula. Resulta que, durante uma semana, por mais que eu imaginasse outro final para satisfazer a exigência do mestre, nada que me agradasse era vislumbrado. Quando no encontro seguinte expliquei minha dificuldade e minha disposição de deixar como estava Koellreutter foi categórico: “enquanto não for feita esta correção você não terá outra aula”. Minha resposta imediata selou o final de nossa história como professor e aluno quando respondi: “pois então esta é a última aula”. E assim o foi. Mas, apesar disso, continuamos a ser os amigos para todos os momentos. Foi em 20 de setembro de 1956 que, antes de embarcar para Salvador, Koellreutter passou duas procurações para que, na sua ausência, eu pudesse tratar de assuntos do seu interesse. Procurações que refletem o clima de amizade e confiança existente entre nós dois. Três dias depois, iniciei a programada série de três palestras durante as quais apresentei publicamente minha proposta de novos princípios teóricos e técnicos de composição musical que intitulei de “tempo-espaço” e que passariam a ser por mim utilizados na grande maioria das minhas obras. Na ocasião, mostrei e analisei, como exemplo do que propunha, as duas minúsculas peças Tempo-Espaço I e II para trio de cordas, as primeiras escritas com esta nova técnica. . Tudo fora programado para quando Koellreutter estivesse em São Paulo uma vez que, para mim, sua presença era fundamental. Mas, infelizmente, mudanças na sua programação em Salvador não permitiram sua participação. Só muito mais tarde ele veio a tomar conhecimento das minhas ideias “tempo-espaço”. Nos primeiros dias de 1957, Koellreutter, que fora convidado para dirigir a recém-criada Escola de Música da Universidade Federal da Bahia, escreveu ao doutor Edmundo Monteiro, diretor dos Diários Associados, desligando-se das funções de crítico musical e indicando-me, como seu substituto, para a coluna diária de música naquele jornal, papel que desempenhei até 29 de junho, às vésperas de meu embarque para o Japão, em 4 de julho do mesmo ano. Ali, por decisão de Koellreutter, registrada em carta de 21 de abril de 1957, fui substituído pelo saudoso amigo, compositor e maestro Roberto Schnorrenberg. Saibam que minha ida para o Japão resultou do apoio de Koellreutter e da determinação de Masami Kuni em apresentar meu nome ao Ministério da Educação do seu país. Com a bolsa de estudos frequentei o Departamento de Música da Universidade das Artes de Tóquio, antiga Universidade Imperial, e o Departamento de Música do Palácio Imperial. Fui por dois anos, mas permaneci dez. Convivi e estudei com músicos da qualidade dos experientes mestres Hisao Tanabe, Sueyoshi Abe, ambos declarados “tesouro vivo” pelo Conselho da Cultura do Japão, e do jovem Hiroharu Sono, de uma das tradicionais famílias servindo à música da Corte, e tive em minhas mãos partituras originais da notação musical tradicional da música antiga japonesa e instrumentos que passavam de geração em geração dos músicos do Palácio e dos templos xintoístas. Com os primeiros dez anos de convivência com os japoneses, reforçados por mais quatro, de 1974 a 1977, foram-me dadas oportunidades e condições para experimentar outra cultura musical, outro mundo de ideias e de opiniões distantes dos conceitos dualistas aos quais fui acostumado nos meus primeiros 20 anos de vida e, assim, passei a respeitar novas ideias e a sentir uma liberdade singular, difícil de ser descrita, mas fácil de ser vivida. Não fossem algumas das passagens que aqui comentei, facilitadas por contatos viabilizados por Koellreutter, como disse antes, eu não seria aquele que sou e não estaria aqui onde estou. Muito mais ainda poderia ser comentado para melhor justificar esta afirmação que faço com protestos de estima e respeito ao meu querido mestre. Em agosto de 1960, inaugurei as atividades da Editora Shin Nippaku publicando a coletânea “8 Haikais” do poeta pernambucano Pedro Xisto Pereira de Carvalho, pai da professora Lia Robatto, aqui já citada. Em carta de 28 de fevereiro de 1962 Koellreutter escreveu: “musiquei os Hai-Kais de Pedro Xisto, publicados por você”. A obra foi composta em janeiro/fevereiro de 1962, com texto do original em português mais a versão em alemão pelo poeta. A partitura desta obra de Koellreutter, para baixo e instrumentos, em memória de Klaus-Dieter Wolff, foi lançada pela Edition Modern, de Munique, em 1964. Gostaria de contar que, na passagem do ano 1960/1961, recebi de Koellreutter o manuscrito de sua “Concretion” e, em abril de 1961, a Editora Shin Nippaku, por mim criada para divulgar no Japão música e poesia brasileira de vanguarda, lançou uma edição com 500 exemplares para coincidir com sua visita a Tóquio e Osaka. “Concretion” - para “3 oboes, 3 clarinets, 3 trumpets (with “sordina”), 3 bassoons, carillon, celesta, xilophone, vibraphone, piano and gong” -; tem no final a nota: “The order of the groups (I, II, III), as well as the order of the sections within each group is interchangable. At the end of the final group the ´end-sign´ (silence of 8 seconds and gong-beat) must follow”. Dessa obra ‘’Koellreutter enviou-me de Cleveland, em 23 de dezembro de 1960, uma folha em papel milimetrado apenas do Grupo II, Seção b, em “grafia de música experimental”. Creio que não estarei equivocado se afirmar que “Concretion”, é uma das primeiras senão a primeira de suas obras criadas dentro de uma concepção de fluidez das estruturas sonoras que tão claramente caracterizaria sua mais recente produção. Esta folha consta das doações que farei à Fundação Koellreutter. No início da minha segunda estada no Japão, em 1974, Koellreutter e eu convivemos novamente em uma mesma cidade, ele como diretor do Instituto Goethe e eu como adido encarregado do Setor Cultural da Embaixada do Brasil em Tóquio. Eram frequentes nossos contatos profissionais e pessoais que serviram para sedimentar, ainda mais, nosso excelente relacionamento. Para constar do programa de sua despedida do Japão, convidou-me a compor uma peça para conjunto de câmara. E foi assim que nasceu a Tempo-Espaço VIII, com primeira audição em 24 de setembro daquele ano, no salão de eventos do Instituto Goethe, figurando do XVI Concerto de Música Nova: Noite de Música de Vanguarda, concerto de despedida do poeta Pedro Xisto, adido encarregado do Setor Cultural da Embaixada do Brasil. No período que antecedeu a partida de Koellreutter, do Japão para a Índia, alimentamos a possibilidade de voltarmos a trabalhar juntos em Nova Dehli o que nunca se concretizou em virtude dos meus compromissos e interesses profissionais no Itamaraty. Na correspondência que trocamos durante tantos anos, os assuntos foram os mais variados, desde os da colaboração mútua naquilo que planejávamos, até os de caráter estritamente pessoal. Entre outros, quero destacar os contatos com Kohsuke Noguchi, secretário-geral da Orquestra Filarmônica de Osaka que resultou em uma das suas visitas ao Japão para reger a Orquestra de Kansai; ou a notícia que recebi do desastre que ele sofreu na autoestrada a caminho do aeroporto de Frankfurt em que sua irmã ficou gravemente ferida; o anúncio da sua provável saída do Brasil em 1962, por um período de pelo menos 2 ou 3 anos; o comunicado do nascimento de Michael seu filho baiano; e o anúncio do término do trabalho sobre a música da Índia que fez por encomenda do Governo indiano. Durante os anos de nosso relacionamento, nem todos nossos planos se concretizaram. Planejamos a vinda ao Brasil dos compositores Toru Takemitsu e Toshiro Mayusumi que não conseguiram conciliar seus compromissos com as datas dos eventos no Brasil; e tentamos ver aprovada a indicação do poeta Max Bense para chefiar o Instituto Goethe em Tóquio, o que foi impedido por outros interesses. Uma informação curiosa merece ser registrada: Koellreutter e eu chegamos a trocar correspondência em japonês, idioma que ele sempre estudou e pelo qual manteve crescente interesse. Uma destas cartas será entregue à Fundação Koellreutter. Um dos nossos últimos encontros significativos ocorreu na República Dominicana, em janeiro de 1981, quando lá estávamos como professores convidados do X Curso Latino-Americano de Música Contemporânea. Na ocasião, caminhando pela Calle del Sol em Santiago de los Caballeros, discutimos a respeito da sua determinação de destruir as partituras de suas obras que considerava incompatíveis com seus últimos ideais como pensador e compositor. Foi quando não concordei com seu posicionamento e defendi o direito das obras que, uma vez lançadas, permaneceriam à disposição do público como valores independentes e indestrutíveis e não aceitei devolver a partitura que ele mesmo me havia presenteado da Fanfara de Inauguração escrita para a abertura, em 14/03/1949, do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, obra histórica, dodecafônica, para 3 trompetes em si bemol e 3 trombones, da qual guardo a voz e a vida do único exemplar sobrevivente de uma contenda de ideias e ideais. Esta obra chegou a ser considerada irremediavelmente perdida por um dos seus mais sérios estudiosos. O exemplar manuscrito que guardei com o maior carinho esta aqui para ser entregue ao Espaço Koellreutter. Quero registrar que ela foi a primeira obra dodecafônica que escutei ao vivo quando o autor a ensaiou e regeu em Pelotas em 1º de dezembro de 1951. Ela passou a ser um marco no meu relacionamento com Koellreutter. No final de 2001, iniciei contatos com ex-colegas da Escola de Música para acertar a promoção de eventual comemoração dos 50 anos de sua fundação. Como resultado, apesar da ausência do seu idealizador e fundador que embora estivesse em São Paulo, por motivos de saude estava impedido de comparecer, em 1º de setembro de 2002, realizou-se memorável reunião na casa do colega Júlio Medaglia, em São Paulo, onde esteve presente bom número dos seus alunos, vindos dos mais diferentes quadrantes do país, especialmente para participarem do evento. Registre-se que não faltaram representantes daqueles que, por mais alguns anos, deram continuidade à Escola que frequentei. Durante este histórico encontro, a TV Cultura tomou depoimentos de inúmeros dos presentes, e pelo que eu saiba, até hoje não divulgados. Pela sua importância, cópia destas entrevistas deveria figurar do acervo da nova Fundação. Apesar de nem sempre estarmos de comum acordo, nosso relacionamento, entretanto, continuava a ser aquele que cultivamos e aprimoramos durante tantos anos. Prova disso é que, sempre que passava por São Paulo não deixava de visitá-lo no seu apartamento da Avenida São Luiz, mesmo quando o diálogo já não era mais possível, e, logicamente, continuei a procurá-lo quando mudou para o bairro de Higienópolis, onde as visitas eram ainda mais restritas e os cuidados mais intensos, cuidados prestados pela sempre atenta e dedicada Áurea Trajano da Silva, sua governanta de longa data. Enquanto pode, nas nossas despedidas repetiu sempre a frase “não deixe de vir quando passar por São Paulo”. Já não foi o que ocorreu em 2 de setembro de 2002 quando fui cumprimentá-lo pelo seu 87º aniversário. Naquele dia, em silêncio, no DVD de seu quarto, ouvimos a Orquestra Filarmônica de Viena sob a regência de Carlos Kleber executando a polca Pizzicato. Nosso encontro durou exatamente 11 minutos, o mestre dormira tranquilamente.



Hoje, certamente, em algum lugar privilegiado ele está nos ouvindo e, sem dúvidas, aguardando minha próxima visita. Creio ser de justiça aqui inserir lembrança do nome de mestres, colegas e companheiros que conviveram com Koellreutter quando diretor da Escola de São Paulo e que, certamente, mais do que eu, tiveram experiências e guardaram memórias com relação ao amigo e mestre que hoje é objeto de nossa lembrança. Muitos já estão em sua companhia e outros, por razões diversas, não se fazem presentes neste momento. Todos fazendo parte do que hoje chamaria de A Grande Família Koellreutter. Lembro-me de Celina Sampaio, Maria Rosita Salgado Góes, Damiano Cozzella, Alexandre Shaffman, Conrad Bernard, Roberto Schnorrenberg, Ersnt Mahle, Yulo Brandão, Dalva Barbosa, Júlio Medaglia, Sandino Hohagen, Henrique Gregori, Carlos Eduardo Prates, Carlos Alberto Pinto Fonseca, Flordinice Maciel Dultra, Paul Urbach, Paulo Affonso de Moura Ferreira, Dirce Luzzi, Munir Bussamra, Norma Graça Silvestre, Felipe Silvestre, Lídia Hortélio, José Klias, Hortência Ravagnani Montgomery, Maria de Lourdes (Baby) Gregori, José Luiz Paes Nunes, Toshio Takeda, Paulo Herculano, Brasil Eugênio da Rocha Brito, Antonio Naclério Galvão Novaes, Maria Aparecida Roméra Pinto Mahle, as irmãs Elisa Helena (Tiche) Memolo Puntoni e Maria Amélia (Meméia) Memolo Cozzella, Henry Jolles, Antonieta Moreira Leite, Ciro Monteiro Brisolla, Eva Milko, Ney Salgado, Klaus-Dieter Wolff, Gerardo Parente, Hilde Sinnek, Cléia Ognibene, Ronaldo Bolonha, Claudio Petraglia, Orlando Leite, Suzana Tresca, Diogo Pacheco, Marli Hatsbach, Dalva Barbosa, Severino Araujo, Tom Jobim, Ìndio, Araçari de Oliveira, Ula Wolf, Isaac Karabtchevesky, Clara Sverner, as irmãs Marina e Dilza de Freitas Borges, Paulo Herculano, Samuel de Moraes Kerr, Suzana Bandeira de Mello, Terezinha Saraiva Schnorrenberg, Walter Bianchi, Bino Pedini, Johannes Olsner, Hans e Isolda Bruch, Madalena Nicols, Gabriella Dumaine e tantos outros que não cito certamente por falha de memória.



Gostaria que me permitissem voltar ao primeiro ano da década de 1950, não para recomeçar a falar sobre o que antes já foi dito nem para relembrar outros eventos que ficaram marcados na minha vida como aluno, secretário ou amigo de Koellreutter, mas sim para deixar aqui registrados meus agradecimentos àquela que foi responsável pela nossa aproximação que, justamente por este motivo, carinhosamente, a chamo de “madrinha” da nossa amizade, alcunha pela qual é hoje reconhecida por aqueles que nos conhecem. Trata-se da pianista pelotense Yara Bastos André Cava, professora e ex-diretora do Conservatório de Música da Universidade Federal de Pelotas, aluna de Koellreutter no I Curso Internacional de Música da Pró Arte em Teresópolis, em 1951, e solista do Concerto em ré menor de Mozart por ele regido com a Orquestra Sinfônica de Pelotas, naquele mesmo ano. Estou chegando ao fim, e quero dizer que, desde que Margarita, pela primeira vez, comentou comigo sua vontade de ver criado um espaço para abrigar tudo aquilo que, de uma forma ou de outra, estivesse ligado ao seu esposo, decidi, com determinação que, o que estivesse em minhas mãos seria somado ao seu rico acervo. Amanhã, estarei entregando ao Espaço Koellreutter entre outros itens, 23 exemplares de partituras de suas obras, das mais antigas às mais atuais, inclusive o único exemplar existente da sua Fanfarra de Inauguração, acima mencionada; manuscritos de artigos por ele escritos e publicados na década de 1950 pelo Diário de São Paulo, fotos, curricula, recortes de jornais, 48 cartas do período de agosto de 1957 a agosto de 1964 que fazem parte de nossa correspondência, anotações e apostilas das aulas de estética musical de 1954, etc. etc. e outros documentos. Saibam todos que, fiéis ao hábito que Koellreutter e eu tínhamos de comemorarmos seu natalício com alguns minutos de laser em todos os 2 de setembro em que estivéssemos juntos, em 1974, recordando o tempo de São Paulo, nos encontramos no “kisaten”, café da esquina da saída do metrô de Aoyama Ichome, em Tóquio, não muito distante do Instituto Goethe e da Embaixada, para celebrarmos seu 59º aniversário. Era véspera de sua partida para a Índia e este foi um dos assuntos dos quais tratamos, inclusive ponderando o papel que o Oriente, e o Japão em particular, desempenharam em nossas vidas. Foi naquela ocasião que lhe agradeci, de viva voz, a oportunidade que me proporcionou de conhecer e viver no Oriente e de somar a mim mesmo outros valores distintos do mundo dos dualismos e das contradições. E para finalizar, rememorando, num misto de saudades e alegrias, aqueles momentos vividos em São Paulo na década de 1950 e, especialmente, no outono de Tóquio, há exatamente 32 anos, convido minha amiga Margarita Schack, anfitriã de todos nós, para, em um mini-happening, compartilhar um cafezinho em memória daquele para quem, neste momento, celebramos o início de uma nova etapa que começa hoje, exatamente no dia do seu nascimento, primeiros momentos que antecedem ao início da história da fundação que tem seu nome, a Fundação Koellreutter, a ser oficialmente lançada na data de amanhã. Muito obrigado. Tiradentes (MG), 2 de setembro de 2006.


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