Maria Alzira
maria da graça almeida
Numa tarde de outono,
conheci Maria Alzira.
Na língua tanta palavra,
na vida alheia a mira.
Numa noite de outono,
percebi Maria Alzira.
No peito amargo o jiló,
na trilha a sombra de um só.
Dos lábios vazava o som,
da boca jorrava a ira.
Com rigor, com euforia,
dizia do que mal sabia.
Se a saliva fosse santa,
se dormente fosse a goela,
ou se plácida a garganta,
não seria Alzira, aquela.
-Ó gente, não sabia, não?
Alzira, sem coração,
na pergunta flagelante,
imprimia frio cortante.
A voz, de maldade, rouca,
vil, enchia-lhe a boca.
Caluniava as andorinhas,
mesmo ao falar sozinha.
Um dia cedeu à cegueira
e engraçou-se com Mineiro,
moço da baba ligeira
e do semblante trigueiro.
O seu dito ficou manso.
A voz, aí, benevolente,
desde o fundo da barriga,
pôs-lhe o dito doce e quente.
Numa tarde de outono,
relegada foi Alzira,
pelo olhar do abandono,
pelo amor roto, em tiras.
Nessa noite de outono,
encontrada foi Alzira.
Nos lábios, tanto açúcar,
na boca, tanta formiga!
-No resgate de tal dama,
minha palavra não míngua.
A tal moça tinha a fama
bem maior do que a língua-.
maria da graça almeida
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